Cientistas da USP (Universidade de São Paulo) que se dedicam a estudar os padrões alimentares dos brasileiros, no Estudo NutriNet Brasil, concluíram que o consumo demasiado de ultraprocessados está diretamente relacionado ao aparecimento de sintomas da depressão, aumentando em 42% o risco do transtorno por quem tem dois quintos das refeições baseadas neste grupo alimentar. O trabalho foi publicado na revista científica Clinical Nutrition e financiado pela FAPESP, a partir de um estudo populacional com mais de 16 mil indivíduos. Os pesquisadores também observaram um aumento de 10% de sintomas depressivos a cada 10% a mais de alimentos ultraprocessados no cardápio diário.
A nova pesquisa brasileira endossa outros estudos internacionais que apontam os malefícios dos ultraprocessados. Um exemplo é o estudo laboratorial publicado no Journal of Affective Disorders , apontando que o consumo de ultraprocessados está diretamente associado à depressão, inflamações e danos ao sistema mesocorticolímbico (sistema de recompensa). Ainda nesta linha, o prestigiado JAMA Journal of American Medical Association ) publicou outro estudo que acompanhou mais de 31 mil mulheres de meia idade, no período de 2003 a 2017 e a conclusão foi a mesma: milhares de novos casos de depressão foram constatados entre as participantes com consumo alto de ultraprocessados.
Para evitar ainda mais o agravamento do preocupante quadro de saúde pública, a OMS recomenda a taxação de 20% sobre alimentos ultraprocessados (no Brasil, hoje, ela está por volta de 4%). Estudos acadêmicos e a experiência de outros países, como França, Reino Unido, Portugal e alguns estados americanos comprovam que aumentar os impostos desse segmento de produto é bom não apenas para a saúde, mas também para o sistema econômico.
Se o país atendesse a recomendação da OMS, o consumo cairia em 19% e, ainda assim, a arrecadação do governo saltaria para 4,7 bilhões ao ano, gerando 70 mil novos empregos. Segundo estudo da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), se a alíquota de imposto chegasse a 50% sobre essas bebidas açucaradas e ultraprocessados, o consumo cairia em 49% e a arrecadação de impostos subiria para sete bilhões de reais ao ano, gerando 200 mil novos postos de trabalho. A reboque, o aumento de imposto aumentaria o consumo de bebidas saudáveis, como água (55%), suco natural (38%), leite (19%), chá e café (40%) e os recursos provenientes do aumento de tributos ajudariam a financiar a prevenção de doenças.
O mais cruel é que os ultraprocessados – aditivados com aromatizantes, saborizantes e conservantes e de baixo valor nutricional –, por seu perfil barato e apelativo ao paladar caem facilmente no gosto da população mais carente, com escolaridade e renda menores. A educação alimentar, que já se vê nas escolas, precisa também chegar aos adultos e idosos, em nome da saúde física e mental dos brasileiros.
Analice Gigliotti é Mestre em Psiquiatria pela Unifesp; professora da PUC-Rio; chefe do setor de Dependências Químicas e Comportamentais da Santa Casa do Rio de Janeiro e diretora do Espaço Clif de Psiquiatria e Dependência Química.