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Tribuna do Norte (Natal, RN) online

Alguns personagens (1 notícias)

Publicado em 30 de dezembro de 2023

Os cronistas de província, até pela inegável deficiência na arte literária e suas pobrezas de repertório, tem mais fascínio pelos personagens anônimos das ruas do que pela glória sempre vã dos importantes. Principalmente das almas líricas ou liricamente melancólicas do que pelos senhores e senhoras da sociedade. Destes, confesso, nunca colhi nada que servisse para contar uma história humana, dessas que vencem o apenas comum, se são os tristes artífices do vulgar.

Ao longo desses anos de jornalismo apanhado nas ruas e becos da província, entrevistei todo tipo de gente, mas nunca deixei o encontro com autoridades levando no bloco de anotações algo além da velha roleta das vaidades. Mas carrego comigo instantes únicos, como o de ouvir durante horas a história de vida de Luís Carlos Prestes, o Cavaleiro da Esperança, como disse Jorge Amado, e a aventura tão deliciosa e ardente de um amor proibido de Waldick Soriano.

Naquele tempo, a vida de foca de jornal começava pelas amenidades. As entrevistas com autoridades, políticas ou empresariais, eram tarefas reservadas aos repórteres experientes. No caso deste cronista, foi mais além por não ter gosto no ofício de ouvir pessoas importantes. Gostava de ficar ali, no chão mais comum. Conversei uma noite inteira com Gilberto Gil, numa casa em Ponta Negra, e um dia todo com Vinícius de Moraes, ouvindo Maria Creusa cantarolar.

Não foi muito, nem matérias assim trazem a glória que, nos outros, chega naturalmente. Mas, era bom. Fui esnobado duas vezes, por Cauby Peixoto, justamente ele, um ídolo para o jovem que o ouvia cantar no rádio. Numa vingança mansa, fui ao seus shows no Bar Brama e no teatro de um shopping, em São Paulo, ao lado de Ângela Maria. Depois, em Natal, já vivendo um começo de decadência, no Iate Clube, com seu paletó vermelho, coberto de lamê cintilante.

Na vida de um repórter acontece de tudo. Como a surpreendente simpatia com que uma tarde – o seu show seria no dia seguinte no Teatro Alberto Maranhão – fui recebido por Elizeth Cardoso, a Divina, no Hotel Reis Magos. Chegou ao lado do grande saxofonista Moacir Silva que anunciava sua chegada ao palco solando ‘Canção de Amor' – ‘Saudade, torrente de paixão / emoção diferente / que aniquila a vida da gente…' velho sucesso de Dorival Silva, o Chocolate.

Mas, nada foi tão hilariante como a entrevista com Bob Nelson, no Hotel Samburá. Mandou subir e, quando abriu a porta do apartamento, estava nu. Nu como nasceu. Havia saído do banho. Enxugou-se, cobriu a genitália com muito talco, vestiu uma cueca samba-canção, a calça e a camisa. Mas, pareceu um homem triste nos seus cabelos brancos. Abriu um mostruário, e disse: “Hoje vivo de representar essas armações de óculos. Ninguém me convida mais para cantar”.

Palco

Mérito – É inegável: a governadora Fátima Bezerra fecha o ano com a folha em dia e anuncia o calendário de 2024 com salários pagos numa só parcela e dia 30. Teria sido uma estratégia?

Aliás – A reação do governo começou na bem formulada análise do secretário Pedro Lopes e foi consolidada com o exercício de 2023 pago. Resta saber como pagar outras dívidas correntes.

Erro – A Construtora Moura Dubeux não adquiriu o edifício do cinema Rio Grande como a coluna foi informada e noticiou. E o pedido de tombamento também não teve ainda conclusão.

Histórias – Nas mãos de Ivan Júnior, da editora Offset, os originais do livro do médico Ivo Barreto: “Eu, contador de histórias”. A ser lançado em abril para festejar os seus oitenta anos.

Revista – O jornal cultural ‘Pernambuco' passa a ser uma revista mensal sobre a literatura, o livro e a leitura. O dossiê do número um é sobre os 150 anos do ‘Livro infernal de Rimbaud'.

Paz – O cronista, sem negar a melancolia das últimas horas do ano, deseja aos leitores, ainda que não sejam tantos, um ano novo de paz. Mesmo com uma prosperidade ameada pelas crises.

Poesia – Do poeta Carlos Drummond de Andrade esses pequenos versos, no encanto de saber honrar a grandeza do ofício: “Mas as coisas findas, / muito mais que lindas, / essas ficarão”.

Brinde – De Nino, o filósofo melancólico do Beco da Lama, assistindo ao brinde de Absalão, o intrépido, erguendo o seu copo na tarde deserta: “Aos filhos do prazer, a mais doce rendição”.

Camarim

Livro – O leitor brasileiro, dois anos depois de lançado em Paris, já dispõe da tradução da ‘História do Livro e da Edição', de Yann Sordet, diretor da Biblioteca Sainte-Geneviève. São 730 páginas, do hoje maior estudo e mais morno estudo sobre o livro. Na França e no mundo.

Valor – Foi o resultado da sensibilidade de Plínio Martins, titular da cadeira de editoração na Universidade de São Paulo e criador da editora Ateliê, numa edição conjunta Sesc/Fapesp. Com duas versões: encadernada e brochura e o belo e consagrador prefácio de Marisa Midori.

Brasil – Sobre a história do livro brasileiro, entre alguns estudos, tem “O Livro no Brasil', do inglês Laurence Hallwell; e a maior reunião de ensaios – ‘Impresso no Brasil', organização dos professores Aníbal Bragança e Márcia Abreu, realização da Biblioteca Nacional e Unesp.

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