Em meio a uma greve de professores das universidades federais, que atingiu dois meses, e cujas reivindicações (melhores salários e mais verbas para amenizar o seu contínuo sucateamento) foram consideradas pelas autoridades governamentais como acima das possibilidades econômicas do país, o ministério da Educação cogita a aprovação de um grandioso programa de dotação de computadores para as escolas públicas. Se assim decidir o ministério da Educação, serão gastos R$ 500 milhões na compra de 300 mil computadores para equipar 23 mil escolas com mais de 250 alunos, o que dá, aproximadamente, 13 computadores por escola ou, em dinheiro, R$ 21.739,13. Num primeiro momento poder-se-ia louvar a ação governamental, mas o assunto requer um pouco mais de reflexão.
Na década de 70, permeou os meios governamentais e acadêmicos a máxima segundo a qual os países em desenvolvimento poderiam sair rapidamente do atraso tecnológico porque era possível "queimar etapas", isto é, não havia necessidade de trilhar os mesmos passos que os países desenvolvidos para o alcance do último estágio tecnológico. Bastava começar dos últimos alcances daqueles países e haveria o emparelhamento na corrida tecnológica. Passado o tempo, houve um desengano.
Circula atualmente no Brasil, e em outros países que lutam para sair do chamado Terceiro Mundo, a idéia de que possuindo computadores a inferioridade tecnológica estará afastada ou, pelo menos, em vias de ser expurgada. Esse pensamento assemelha-se àquele do ignorante rico que decora sua casa com estantes de livros bem encadernados e, com isso, tem a sensação de que está intelectualizado.
A velocidade tecnológica é tamanha que a cada cinco anos surge um novo ciclo na informática, exigindo do usuário de computador uma disposição permanente de readaptação, e do sistema educacional uma capacidade instrucional perene para instrumentalizar seus estudantes. A tônica dessa relação passa a ser a reciclagem constante do professor, a reaprendizagem e atualização incessante do magistério, como vem ocorrendo no Primeiro Mundo.
Por outro lado, a alfabetização digital pode ser perdida por falta de uso. Ensinar princípios de informática sem que haja a possibilidade de praticá-los é apenas tentar uma emulação dos sistemas pedagógicos dos países ditos desenvolvidos, sem as conseqüências sociais e econômicas efetivas. Naqueles países, as pessoas vêm passando por períodos de amadurecimento e progressivas adaptações em harmonia com o desenvolvimento do sistema produtivo e com novas formas de administração. Aqui, salvo as exceções, ainda convivemos com técnicas primitivas de produção e de administração e não é o computador que mudará esses comportamentos; é exatamente o contrário, são as modificações destes comportamentos que poderão trazer o uso do computador.
Portanto, não se pode, por questão de prudência, fazer um grande investimento em educação, sobretudo no caso da informática, sem se levar em consideração o tempo de preparação dos instrutores em relação ao tempo de obsolescência dos equipamentos. Lembremos-nos de que, no primeiro caso, com a introdução do sistema operacional Windows 95, muitos dos cursos comerciais de adestramento de informática, nos centros urbanos brasileiros, viram-se sem instrutores capacitados para o ensino das operações do novo software. No segundo caso, aqui no Brasil, meio milhão de microcomputadores de primeira geração, XT e 286, tornaram-se peças de museu num lapso de seis anos. Não é à toa que, até agora, apenas 3% da população mundial teve algum contato com essa máquina tão atraente, mas também tão fugaz.
Com essas reflexões, não devemos inferir, precipitadamente, que descartamos a possibilidade de introdução de um programa de ensino de informática no sistema público de educação de primeiro e segundo graus. Pelo contrário. Desejamos que, o mais breve possível, rompamos as correntes de um sistema modelado para as elites apenas e tenhamos alguma perspectiva de modernização pedagógica para o alunado de baixa renda, de tal forma que a educação possa se traduzir em mobilidade social, favorecendo uma melhor distribuição de renda e deixando de ser vista, pelas camadas mais pobres, apenas como um possível meio precário de sobrevivência.
O alerta que aqui registramos tem o propósito de não frustrar mais ainda os estudantes do sistema público de ensino que flutuam sobre programas sem estabilidade, isto é, que mudam de rumo a cada administração que assume o poder. O fracasso de um programa dessa natureza representa um atraso muito grande para os anos posteriores e uma dificuldade extraordinária para a recuperação do tempo perdido.
Professor da UFRJ, ex-diretor do Departamento de Desenvolvimento do Ensino Superior do MEC
Notícia
Jornal do Brasil