Antes restrita aos muros das empresas, a inovação em companhias brasileiras cada vez mais rompe as paredes para se conectar com organizações de fomento, centros de pesquisas e universidades – e dali buscar ramificações as mais diversas. No caso da Natura, empresa reconhecida entre as mais inovadoras do mundo, envolve também fornecedores e consumidores. É o que a empresa gosta de chamar de “ecossistema da inovação”. “Isso significa reconhecer a competência que existe no outro”, diz Gerson Valença Pinto, que há menos de um ano ocupa a vice-presidência da área. Mas a busca por inovação em um ambiente competitivo provoca um “curto-prazismo” que pode conflitar com os planos de longa maturação de uma empresa também identificada pelo alinhamento à sustentabilidade. “O desafio é encontrar o balanço entre o sucesso de hoje, de amanhã e de depois de amanhã”, afirma.
Página 22 - A Natura é reconhecida como uma empresa de ponta, especialmente no campo da sustentabilidade. Como a antena da Natura funciona? Como vocês captam tendências? Onde buscam inspiração, o que observam e de que forma? Quem é responsável dentro da empresa e como o olhar dessas pessoas é treinado?
Gerson Pinto - Inovação tem de ser maior que uma área específica e permear toda a empresa. É o processo mais transversal e complexo de uma organização. Há vários instrumentos de captura de tendências e oportunidades. Estamos sempre monitorando o que está acontecendo do ponto de vista do comportamento humano, de tecnologias cosméticas, de sustentabilidade.
P22 - Mas por meio de quais instrumentos? É leitura de relatório, é observar o que está nas ruas?
GP - Fazemos trabalhos específicos e pesquisas quali- e quantitativas, a fim de entender as questões do nosso tempo, do consumidor, do meio ambiente. Temos um grupo, por exemplo, que é o Centro de Informações Bibliográficas, voltado para entender o que está acontecendo em termos de lançamentos, tecnologias, questões ambientais, movimentos da concorrência. Todo esse ambiente de inovação aberta é absolutamente estratégico. Quanto mais aberta a inovação, mais se consegue captar tendências.
P22 - O que é esse conceito de inovação aberta e como é operacionalizado?
GP - No passado, a inovação acontecia basicamente nos limites da empresa, com seus recursos humanos, com seus equipamentos, fábricas. Com o tempo, as empresas foram percebendo que a grande força da inovação está em se conectar com o mundo aí fora, ou seja, universidades, centros de pesquisa, fornecedores, que também estão olhando o mercado e têm ângulos diferentes e complementares aos da empresa.
P22 - Daí as parcerias com entidades como a Fapesp?
GP - Temos várias iniciativas de projetos com universidades no Brasil e no mundo, em que buscamos juntar o conhecimento da empresa com o conhecimento em profundidade do técnico, do especialista. Isso significa reconhecer a competência que existe no outro e que na junção de todos criamos valor conjunto. As universidades têm uma ramificação em várias áreas do conhecimento que amplificam nosso olhar.
P22 - A revista Forbes situou a Natura em 10º lugar entre as 100 empresas mais inovadoras do mundo – as outras brasileiras na lista foram a BRF (39ª) e Ultrapar Participações (55ª). Em 2012, a Natura investiu 2,5% a 3% da receita líquida em pesquisa e inovação, um patamar elevado para a média do setor privado no País.
GP - É acima do que o Brasil investe e também é um valor muito competitivo em nível internacional.
P22 - Como vocês lidam com as demandas de sustentabilidade, que trabalha em planos de médio a longo prazo, e as da competitividade, que precisa dar muitas respostas imediatas? Vocês se orgulham do alto índice de inovação (a taxa, que mede o percentual da receita obtida com lançamentos, foi de 67,2% em 2012). Isso é sustentável?
GP - É o dinamismo do mercado, a gente precisa sempre encantar o consumidor. Lançamos 104 produtos ao longo de 2012. Mas, antes, queria falar sobre o que nos orienta: que o “bem estar bem” esteja no coração de tudo que fazemos e que a inovação seja a expressão desse “bem estar bem”.
P22 - O que significa o slogan “bem estar bem”?
GP - “Bem estar” é a relação do indivíduo com ele mesmo, e “estar bem” é a relação com o outro indivíduo e o planeta. Há três grandes vetores da inovação que orientam nosso programa de ciência e tecnologia: bem-estar e relações, tecnologias sustentáveis e tecnologias cosméticas. Quanto mais elementos dessa combinação existirem, mais forte e diferenciadora fica a nossa inovação.
P22 - Desde que a empresa se tornou uma companhia de capital aberto, o quanto a pressão dos acionistas por resultados trimestrais atrapalha a inovação de longo prazo, que contempla atitudes de vanguarda e mais arriscadas por parte da empresa?
GP - A gente sempre tem de entregar resultados de curto prazo, o acionista espera isso, mas quem compra uma ação da Natura sabe que estamos investindo no longo prazo. Não acreditamos só em resultados de curto prazo, estes têm de ser consequência de uma estratégia construída lá atrás. É possível ter uma companhia de resultados fantásticos: cortam-se os projetos de médio e longo prazo e reverte-se isso em lucratividade. Mas aí como ficam os resultados do próximo quarter? E o próximo? O desafio é encontrar o balanço entre o sucesso de hoje, de amanhã e de depois de amanhã.
P22 - Um sinal dessa pressão dos acionistas não teria sido a queda drástica de posição da Natura no ranking das empresas mais sustentáveis do mundo, segundo o índice Global 100 da (empresa canadense de informações financeiras) Corporate Knights – de 2º para 23º lugar? Como vocês pretendem reverter essa posição?
GP - Como participante do comitê executivo da empresa, posso dizer que a possibilidade de deixar de investir a médio e longo prazo para entregar resultados maiores de curto prazo não passa. Resultado e inovação em curto, médio e longo prazo caminham juntos. Mas os de médio e longo têm de aterrissar cada vez mais forte dentro do negócio, e estarem cada vez mais conectados com a estratégia de negócios da companhia.
P22 - O senhor pode dar um exemplo, para não ficar tão abstrato? O que é um projeto de médio ou de longo prazo?
GP - Um exemplo na área de sustentabilidade: o dendê (palma) hoje é muito produzido por meio de monocultura. Então, através de um projeto em parceria com a Embrapa e outras entidades, estamos desenvolvendo no Pará um plano de produção de dendê no sistema agroflorestal. O dendê convive com outras plantas, o que permite ao produtor obter renda de forma diversificada.
P22 - Mas, se no ano que vem a posição diminuir mais, pode ficar complicado. A Natura é uma empresa que, quando cai muitas posições em um ranking, desperta a opinião pública.
GP - Estamos trabalhando com um pipeline muito forte de inovação para os próximos anos. Lógico que eu não posso revelar que novidades são essas em um mercado extremamente competitivo. Fizemos um retrabalho de foco em nossos programas de ciência e tecnologia. A gente tem iniciativas em inovação aberta, em que ganhamos nós, os centros de pesquisa, os fornecedores, as universidades.
P22 - Todo o ecossistema de inovação?
GP - Exato! Ecossistema de inovação é a buzzword, é a palavra-chave. Tem duas iniciativas importantes nesse sentido. Uma é o Cocriando, projeto lançado no ano passado, em que nos conectamos com o consumidor. Outro é o Natura Campus, que existe há 6 anos e busca se conectar com o desenvolvimento de tecnologia, inclusive com uma seção especial para a Amazônia.
P22 - Voltando ao ranking, também houve saída de nomes importantes, como Cemig, Vale e Banco do Brasil. O Brasil estaria perdendo protagonismo? Haveria uma espécie de “ressaca” da sustentabilidade no País? Vocês que têm observado tendências saberiam dizer se este é um fenômeno? O que pode ter influenciado? Temores econômicos? Inflação?
GP - Para a Natura, sustentabilidade continua sendo estratégico. No meio em geral, eu não sinto que, de um ano para outro, tenha havido qualquer desaceleração ou perda de foco, e sim que as empresas têm cada vez mais considerado a sustentabilidade como importante para a gestão dos negócios.
P22 - A Finep (Financiadora de Estudos e Projetos) autorizou recentemente um aporte à Natura que é o maior já aprovado para a empresa. Há outro projeto em curso com a Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), o Centro de Pesquisa Aplicada em Bem-Estar e Comportamento Humano. Vocês estão aumentando significativamente esses volumes?
GP - Sim. De uns dez anos pra cá, as universidades partiram para uma conexão muito mais forte e estruturada com a iniciativa privada, através dos Estudos de Ciência e Tecnologia. E o próprio governo tem investido mais em inovação, nô âmbito da Lei do Bem, e de agências como Finep e Fapesp. Claro que há uma estrada longa pela frente, mas queria dizer que, do ponto de vista do Brasil, existe um movimento de fomentar a inovação. E, por parte da indústria, de aumentar a competitividade em termos regionais e mundial. Somos uma multinacional brasileira, a gente é a matriz. Não temos um headquarter central que vai nos alimentar – a gente é essa empresa. Se inovação é importante para outras empresas, é ainda mais para a Natura.
P22 - O que a Natura pretende ganhar ao firmar o acordo com a Fapesp?
GP - Esse projeto com a Fapesp mora no vetor “bem-estar e relação”. Pretendemos integrar áreas como neurociência, psicologia positiva e entender padrões culturais e sociais, gerando comprovação científica do bem estar bem. Como se pode medir o bem estar bem? Como aplicar esse conceito em novos produtos e serviços? Para a universidade, isso vai gerar conhecimento e poderá ser compartilhado com a sociedade (leia mais em Ensaio).
P22 - Essas informações estarão disponíveis para os concorrentes da Natura?
GP - Tem parte que sim, e outra que será confidencial.
P22 - Como a competição em busca da inovação se reflete no bem-estar interno da empresa? Há comentários de pessoas que já trabalharam na Natura em diversos escalões de que o ambiente de trabalho estimula uma competição bem acirrada, com rotatividade alta.
GP - Posso falar da minha experiência, estou aqui há nove meses e sinto que este é um ambiente de bastante colaboração, energia, vontade de viver nossos princípios. Fazemos pesquisa de clima todo ano, com colaboradores, fornecedores, consultores e os resultados são bastante favoráveis. Nem tenho elementos para julgar comentários de ex-funcionários.
P22 - O que vocês estão captando como tendência?
GP - O que estamos sentindo cada vez mais forte é a integração entre produtos e serviços e a convergência de várias tecnologias.
Leia aqui a nota de esclarecimento da Natura sobre a classificação no ranking da Corporate Knights
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