Notícia

Jornal da Tarde

Álcool com nova tecnologia

Publicado em 31 agosto 2003

Por Celso Ming
A partir de 2004, as sobras de palha e bagaço de cana-de-açúcar, normalmente descartadas ou usadas na geração de energia a partir da biomassa, poderão ganhar nova utilidade: a produção de álcool. Trata-se de tecnologia desenvolvida pela Dedini em parceria com a Cooperçúcar e com a Fundação de Amparo à Pesquisa e São Paulo (Fapesp), num projeto iniciado em 1997 e que exigiu investimentos de R$ 22 milhões. Batizado de Dedini Hidrólise Rápida (DHR), o sistema permite a transformação em açúcar da celulose presente nas folhas e no bagaço da cana. Esse açúcar é, em seguida, transformado em álcool. A hidrólise é a primeira e mais importante fase do processo. Palha e bagaço são colocados em um reator de alta pressão (entre 20 e 30 atmosferas), no qual são introduzidos água, álcool e ácido sulfúrico. A função do álcool é dissolver a lignina, composto que dá rigidez às folhas e ao bagaço, mas impede a transformação da celulose em açúcar. Separadas as moléculas de celulose (na verdade, celulose e hemiceloluse) e de lignina, entra em ação o ácido sulfúrico. Ele atua como catalisador, apressando a reação entre água e celulose. Em contato com água (H2O), a celulose (C6H10O5) transforma-se no açúcar hexose (C6H12O6) e a hemicelulose n(C5H8O4) transforma-se em pentose (C6H10O5). O vice-presidente de operações da Dedini, José Luiz Olivério, explica que o processo é conhecido há muito tempo. O problema é que os sistemas convencionais, que utilizam soda cáustica ou ácido concentrado na dissolução da lignina, levavam pelo menos quatro horas para produzir açúcar. O "pulo do gato" foi o uso do próprio álcool nesse processo, que diminuiu o tempo de conversão para 15 minutos. Separada e retirada do reator, a lignina é queimada para a produção de energia - como ocorre com o próprio bagaço. Já os açúcares misturados à água formam uma "solução hidrolítica", que segue o caminho da produção convencional: são misturados ao caldo de cana (cujo açúcar é a sacarose) para fermentação e destilação. MAIS ÁLCOOL Olivério aponta um obstáculo a ser vencido, na etapa da fermentação. "A levedura utilizada na fermentação da sacarose fermenta apenas a hexose. Mas o uso das leveduras existentes para a fermentação da pentose ainda é economicamente inviável." Na prática, isso significa que, no estágio atual de desenvolvimento, uma tonelada de palha e bagaço rende 120 litros de álcool. Mas, com o desenvolvimento de uma levedura para fermentação da pentose em escala comercial, pode-se chegar a 180 litros por tonelada. Em produtividade por área plantada, mesmo na falta da levedura para a fermentação da pentose, os resultados preliminares são animadores. No sistema convencional, que processa apenas os colmos (caules) da cana-de-açúcar, um hectare cultivado rende 6,4 mil litros de álcool. Já com a incorporação do DHR em seu estágio atual, o rendimento deverá chegara 9,9 mil litros, um acréscimo de 55%. Os custos de produção do DHR são um pouco mais altos: são, de acordo com a Dedini, de R$ 0,55 por litro de álcool, ante R$ 0,50 verificados no sistema tradicional. Por enquanto, o projeto está em fase "semi-industriai", por meio de um hidrolisador instalado na Usina São Luiz, do Grupo Dedini, em Pirassununga (SP). A capacidade de produção é de 5 mil litros de álcool por dia a partir do bagaço. Mas Olivério adianta que, em alguns meses, "quando houver parâmetros de engenharia para a fabricação de um DHR com capacidade para a produção de 50 mil litros", o equipamento poderá ser comercializado. QUARTA REVOLUÇÃO Se, nos próximos anos, esse sistema mostrar-se viável, poderá tornar-se um marco para o setor - avaliam os especialistas ouvidos por esta coluna. Luiz Carlos Corrêa de Carvalho, gerente da Câmara Setorial da Cadeia Produtiva do Açúcar e do Álcool do Conselho do Agronegócio (Consagro), entende que poderá constituir-se na "quarta revolução do setor sucroalcooleiro". Para entender o que isso significa, vale levar em conta que a primeira revolução ocorreu no início da década de 1970, com a criação do Planalsucar e da Cooperçúcar, que desenvolveram variedades e técnicas de cultivo; a segunda aconteceu em 1979, com o aparecimento dos motores a álcool; e a terceira, em 1983, quando a usina deixou de comprar cana com base no peso do produto e passou a levar em conta o teor de sacarose na cana entregue - o que impulsionou o desenvolvimento de variedades mais produtivas. Um dos impactos buscados na quarta revolução é o aumento da produtividade - produção de mais álcool sem necessidade de aumento da área plantada. As primeiras; análises indicam que, se todo o bagaço e palha excedentes fossem usados, a produção de álcool aumentaria em 8,2 milhões de litros. Embora esse impado seja pequeno ante a produção total do País (11,6 bilhões de litros em 2002), é preciso lembrar que uma boa parte da "matéria prima", a palha da cana, hoje vira fuligem. Para produzir mais álcool o produtor evitará as queimadas nas propriedades. Finalmente, se tudo der certo, o País consolidará a liderança num setor que deverá crescer enormemente nos próximos anos em função do uso de combustíveis alternativos como forma de reduzir as emissões de gás carbônico. Pensando na venda da nova tecnologia, a Dedini já patenteou o DHR em 10 países. Danilo Vivan