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Forbes Brasil

Álcool atrai novos empreendedores

Publicado em 22 fevereiro 2007

Por Klaus Kleber

Para Cabrera, é natural a sua entrada no setor de álcool e açúcar, sendo um homem do agronegócio

Com as exportações brasileiras de álcool etílico em acelerada expansão, tendo alcançado US$ 1,604 bilhão em 2006, 109,6% a mais que em 2005 (US$ 765 milhões), e com as vendas de carros bicombustíveis (flex fluel) correspondendo a 78,19%, em média, do total das vendas de veículos no ano passado, o álcool é hoje a estrela mais brilhante dos mercados externo e interno. O cartaz do álcool carburante ganhou ainda mais projeção depois do discurso do presidente George W. Bush, em 23 de janeiro, sobre o Estado da União, lançando um programa que promete reduzir em 20% o consumo de gasolina nos Estados Unidos em dez anos. Isso pode significar um enorme mercado para o álcool brasileiro, produzido a partir de cana-de-açúcar, competindo com o etanol produzido a partir de milho, hoje a melhor opção dos produtores americanos. 

No início de fevereiro, um painel internacional de cientistas convocado pela ONU advertiu o mundo de que o aquecimento global provocado pela queima de combustíveis fósseis e incêndios florestais já é irreversível nos próximos trinta anos.Uma expectativa otimista indica que os danos podem ser amenizados ou, quem sabe, retardados pelo uso de energias renováveis. Combustível limpo, o álcool de cana-de-açúcar, que a Secretaria de Comércio Exterior (Secex) classifica como etílico, ganhou assim o status de commodity ecológica global." Além de ser utilizada para produzir um combustível que não polui, a cana-de-açúcar tem um consumo de pesticidas menor que o de citros,milho, café e soja", afirma Antonio Cabrera, presidente do Grupo Cabrera, com sede em São José do Rio Preto (SP)."Como se não bastasse, a cana exige baixo uso de inseticidas e apresenta o menor índice de erosão do solo na agricultura brasileira, recicla todos os seus resíduos e exibe a maior área de produção orgânica do país, como lavoura isolada." E novas regiões continuam a ser abertas no país, especialmente no Centro-Sul, para a cultura da cana, em áreas tradicionalmente voltadas para a agropecuária.

O que já era um grande negócio pode ser ainda mais atraente, atraindo empresários rurais de todo o país e a cobiça de investidores estrangeiros.Antonio Cabrera Mano Filho, ex-ministro da Agricultura e Reforma Agrária (1990-1992, no governo Collor) e ex-secretário de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo (1995- 1996,no governo Mário Covas), é um um dos novos players na área de álcool e açúcar.Médico veterinário, conhecido como pecuarista, literalmente bibliófilo (coleciona bíblias), ele administra suas quatro fazendas em São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul e Pará, duas empresas de cálcário e brita em Santaém (PA) e Santana do Araguaia (PA) e uma fábrica de rações para animais a partir do bagaço de cevada em Ponta Grossa (PR).Mas o seu projeto do peito atualmente é a construção de uma usina sucroalcooleira em Limeira do Oeste, no Triângulo Mineiro, onde fez um investimento inicial de R$ 60 milhões e planeja investir mais R$ 190 milhões até 2009.

Além de produzir um combustível limpo, a cultura da cana consome menos pesticidas e apresenta menor índice de erosão

Ele vê a sua opção como natural,sendo homem do agronegócio." O Triângulo Mineiro tem bom potencial de terra, clima e topografia para a cana. O governo de Minas fez um zoneamento, e essa região mostrou a mais alta aptidão para o cultivo da cana-de-açúcar de todo o estado.Além do mais, pela baixíssima rentabilidade mostrada pela pecuária, eu ousaria afirmar que a cana até ajuda a reforma agrária, pois a melhoria de renda do produtor rural o estimula a continuar produzindo, e não vendendo as suas terras. Não podemos pensar apenas em assentarmos novos trabalhadores e esquecer milhares de pequenos produtores que continuam abandonando suas terras e migrando para as cidades pela ausência de rentabilidade."

Maurílio Biagi Filho, presidente do grupo Moema - que inclui as usinas Moema, em Orindiúva (SP), Vertente, em Guaraci (SP), e Itapagipe (MG) -,integrante de uma família ligada por gerações à cultura do açúcar e do álcool no Estado de São Paulo, diz que considera "fantástico" o que está acontecendo no Triângulo. "Ali está sendo dado um salto qualitativo e quantitativo extraordinário. Com muitos projetos já em consolidação, o futuro mostrará isso com clareza.A agricultura e a pecuária têm tudo para conviver em harmonia. Há espaço para todo tipo de produtor e investimento. A tradicional região pecuária poderá e deverá se beneficiar muito com a chegada da cana. Sem querer ser demasiado otimista, acho que a região poderá manter o número de cabeças de gado, sem redução significativa, já que a cana costuma trazer mais pecuária e mais grãos."Com sua experiência, ele previne que investir em cana é negócio de médio a longo prazo. O produtor "casa" com o negócio, pois "depois de instalada a indústria, não dá para mudar".

Cabrera não mostra nenhuma intenção de desistir.Tanto assim que se sentiu no dever de vir a público condenar a sugestão de que os estados, considerando que o álcool é energia, cobrem royalties sobre sua produção da "gasolina ecológica", a exemplo do que ocorre com o petróleo. Ele classificou a medida como "vampirismo fiscal", lembrando que o álcool, considerando os juros sobre a dívida externa, entre 1979 e 2004, representou uma economia de US$ 121 bilhões com a substituição da importação de petróleo pelo Brasil. Gláucio de Oliveira, sócio da da ADN Administração e Desenvolvimento de Negócios, reforça essa posição. Em seu entender, a cobrança de royalties sobre o álcool é uma das idéias mais infelizes de que já se teve notícia." Precisamos crescer, desenvolver novos mercados, derrubar barreiras, produzir, gerar empregos, superar lobbies, enfim, consolidar um mercado global de álcool, um dos principais objetivos comerciais do Brasil."

Se o governo não atrapalhar,Cabrera está também confiante nas vantagens comparativas do Brasil de competir no setor de álcool, embora preveja que outros países também possam aumentar a sua produção de combustível a partir de biomassa."Diferentemente da soja,o álcool brasileiro é mais barato que em qualquer outra parte do mundo, pois é produzido com a energia gerada pelo próprio bagaço", diz Cabrera."Nesse ponto, acredito que o campo brasileiro viverá um novo tempo com o álcool e o biodiesel, pois o homem começa a se preparar para viver num mundo sem o petróleo, e isso não porque seja barato ou caro, mas por estar disposto a aceitar um sacrifício pela saúde do planeta."O que os governos devem fazer, em sua opinião,é tomar medidas para solucionar com urgência os problemas de logística para escoamento do álcool, levando em conta que a demanda será sempre crescente, não apenas pelo Estados Unidos,mas pela Europa e pelo Japão.

No caso do álcool, não se pode falar em aumento de produtividade, observa Biagi. "Nós temos aumentado a nossa produtividade há trinta anos, à base de 3% ao ano, independentemente do câmbio. Na minha visão, o setor tem de ser mais competitivo, investir pesadamente em pesquisa para manter sua liderança, porque o mercado interno por si só já significa uma demanda grande.Com toda essa repercussão dos estudos ambientais sobre aquecimento global, se o mundo resolver misturar 10% de álcool na sua gasolina, teremos uma demanda global da ordem de oito vezes a produção brasileira.Agora, sobre o câmbio, é clara a relação entre a tímida redução da taxa de juros e a 'despencada' do dólar. Continuamos sinalizando ao mercado que permaneceremos sendo o país que paga a maior taxa de juros do mundo; portanto, a continuar assim, o real vai continuar sobrevalorizado, prejudicando as exportações como um todo, especialmente o agronegócio."

Se o volume exportado aumentar 10%, as vendas externas de álcool podem render US$ 2,4 bilhões neste ano

O empresário Mário Garnero, presidente do Brasilinvest,prevê que,dadas as vantagens de custo, os produtores americanos se voltarão logo para um cultivo mais intenso de cana-de-açúcar nos estados da Flórida, Louisiana,Novo México e Texas, onde há condições propícias de solo e de clima.Em sua estimativa,"os Estados Unidos podem produzir 17 bilhões de litros de álcool, utilizando milho, soja, cana-de-açúcar e vários tipos de capim. Fala-se muito na switchgrass,um tipo de gramínea do Sudoeste dos EUA. Embora os EUA possam produzir etanol em um volume aproximadamente igual ao Brasil, o seu consumo, que já é muito grande, será gigantesco para poder atender à meta fixada pelo presidente Bush."Já importam álcool de cana e vão ter de importar muito mais", comenta Garnero.

A União da Indústria Canavieira de São Paulo (Unica) estima uma produção recorde de 15,9 bilhões de litros de álcool na safra 2006/2007 na região Centro-Sul, 11,2% a mais que na safra 2005/2006 (14,3 bilhões de litros).Maurílio Biagi Filho informa que, em todo o Brasil, foram colhidos 460 milhões de toneladas de cana-de-açúcar,aproximadamente 10% a mais do que 2005,que resultaram,em números redondos, em 30 milhões de toneladas de açúcar e 18 bilhões de litros de álcool."Foi a maior produção já alcançada, tanto de cana como de açúcar e álcool. Para a safra deste ano, esse número será entre 8% e 10% maior, e será novamente a maior safra do segmento", diz.

Quanto às exportações brasileiras para 2007-2008, Gláucio de Oliveira calcula que o Brasil em 2007 pode repetir o volume do ano passado (2,733 milhões de toneladas, em comparação com 2,080 milhões de toneladas no ano anterior, um crescimento de 31,39%). Em seu entender, a projeção de uma expansão de 10% das exportações de álcool é otimista, mas não inviável, a depender do câmbio. Contudo, a receita em divisas continua, neste início de ano, a registrar recordes. Em janeiro de 2007, de acordo com dados da Secex, as vendas externas de álcool etílico foram de US$ 158 milhões, revelando um crescimento de 177,2% em relação a janeiro de 2006 (US$ 57 milhões). Isso pode ser explicado,em grande parte, pelo aumento de preços. O preço médio de mil litros de álcool, que era de US$ 356,60 em janeiro do ano passado, saltou para US$ 468,40 em janeiro de 2007, um aumento de 31,39%, segundo ainda a Secex. Nessa proporção, se o volume exportado elevar-se 10%, chegando a 3 milhões de toneladas, o álcool pode carrear para o Brasil cerca de U$ 2,4 bilhões.

O interesse dos Estados Unidos pelo produto é manifesto. O secretário de Agricultura dos EUA,Samuel Bodman, declarou que Washington pode eliminar a tarifa para importação de etanol dentro de dois anos. A alíquota atualmente é de US$ 0,54 por galão (3,785 litros) ou US$ 0,143 por litro."As pressões são fortes na área de meio ambiente, e acho possível uma desgravação tarifária gradual nos EUA", diz Antonio Corrêa de Lacerda, professor-doutor do Departamento de Economia da PUC-SP."Em contraposição, os produtores americanos deverão se tornar nossos concorrentes. Mas o mercado mundial é grande e haverá espaço para nós também. É o jogo da globalização, em que a concorrência se acirra cada vez mais.Aí entra o desafio de ampliar nossa competitividade, mas de formas ambiental e socialmente sustentáveis. Uma questão que também se torna mais relevante para o Brasil. É preciso ampliar a consciência de que é preciso preservar nossos recursos naturais", diz Corrêa de Lacerda.

Para Cabrera, o Brasil não deve temer a produção de etanol oriunda de outros países."Pelo contrário, quanto mais países produzirem, mais rápido o etanol se transformará em uma commodity global. Nosso maior concorrente é a gasolina, e não os produtores de etanol do exterior". Ele ressalta que a eficiência energética do etanol de milho é pobre. Com uma unidade de energia podem ser geradas três unidades de álcool de milho (1:3). Já o álcool de cana do Brasil consome uma unidade de energia para produzir nove (1:9). O máximo que os produtores americanos conseguirão fazer, em sua avaliação, é abastecer os mercados próximos do Meio-Oeste, no "- Corn Belt" ou "Cinturão de Milho", deixando espaço aberto para o etanol brasileiro entrar mais facilmente nos mercados da Costa Leste.

A redução, ou eliminação, das tarifas sobre o álcool brasileiro está na agenda da visita de Bush ao Brasil em março

"Seria importante a eliminação da sobretaxa,mesmo levando-se em conta que há mecanismos para exportar par os EUA sem a sobretaxa", comenta Biagi. Ele chama a atenção para um detalhe: o etanol feito de milho é, sim, altamente competitivo com a cana-de-açúcar."Sabe por quê?"- pergunta, engatando a resposta.- "Porque nos Estados Unidos tudo é subsidiado (no caso do álcool, o subsídio é de US$ 0,135 por litro). Além disso, os projetos de usinas são financiados a juros baixíssimos ainda no papel.Você produz e já sabe para quem vai vender, tem contratos a longo prazo.Hoje, os EUA são o melhor lugar do mundo para se investir em etanol. Todas essas vantagens superam o fato de termos a melhor matériaprima do mundo em abundância e know-how de trinta anos para a produção."

Considerado o "pai do carro a álcool", Mário Garneiro acha que não podemos repetir os erros do passado, que comprometeram o Proálcool

Algum tipo de acerto parece contudo, estar a caminho. Como foi anunciado por Antonio Patriota, nomeado embaixador do Brasil em Washington, os Estados Unidos, a China,a Índia,a África do Sul e um representante da União Européia (UE) se reunirão,até o fim deste mês,para discutir a cooperação multilateral na área de biocombustíveis.Os países envolvidos já estão elaborando um documento sobre um padrão comum para fabricação de etanol, estabelecendo critérios técnicos e de pureza e qualidade. Patriota e o chanceler Celso Amorim reuniram-se recentemente no Brasil com o subsecretário de Assuntos Políticos dos EUA,Nicholas Burns, para tratar de um acordo na área de biocombustíveis. Oficialmente, não foi discutido o fim das barreiras americanas à importação de etanol brasileiro,mas este será, certamente,um dos temas da agenda da visita do presidente Bush ao Brasil, prevista para 8 e 9 de março.

Para aproveitar bem essa onda, o Brasil tem de elevar bastante a produção.O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), lançado pelo presidente Lula, prevê o acréscimo de cinqüenta usinas de álcool às 270 já existentes no Brasil e a construção de dois alcooldutos, ligando quatro estados. O PAC parece tímido nesse ponto, pelo menos no que diz respeito ao BNDES. O banco tem estudos para a construção de cem novas usinas, de modo a aumentar a produção de álcool carburante no país em 8 bilhões de litros até 2010. O essencial é que o mercado não seja desestimulado, sob pena de o Brasil não continuar a desenvolver novas tecnologias na área de etanol. O fato é que o diferencial entre o preço da gasolina e o do álcool vem se reduzindo. O litro de álcool está sendo vendido na bomba entre R$ 1,29 e R$ 1,50, enquanto no Rio de Janeiro já é superior a R$ 2,15.Com a gasolina custando em torno de R$ 2,40 na bomba, o álcool ainda leva vantagem, que pode ampliar-se depois da entressafra. Mas o preço do álcool hidratado não pode subir muito para o consumidor brasileiro.

"Não podemos cometer os erros do passado", comenta o presidente do Brasilinvest, lembrando que o Proálcool foi praticamente abandonado por cerca de quinze anos.Considerado o "pai do carro a álcool", Mario Garnero era diretor da Volkswagen do Brasil e presidente da Associação Nacional de Veículos Automotores (Anfavea) quando o Proálcool foi lançado em 1975,no governo Ernesto Geisel.As vendas do veículo inovador começaram em 1979, já no governo João Figueiredo.Naquele ano, a participação dos carros a álcool nas vendas totais da indústria automobilística foi de 0,31%, mas a resistência dos consumidores foi rapidamente vencida pela ampla vantagem do preço do álcool hidratado em relação à gasolina e pelo progressivo avanço tecnológico. Já em 1980, as vendas de automóveis a álcool atingiram 24,55% do total e foram subindo, subindo, até chegar ao ápice em 1985, quando corresponderam a 84,84% das vendas totais. Desde então, até 2004, a demanda recuou sensivelmente, com a redução do diferencial de preços com relação à gasolina. Na virada do milênio, o carro a álcool parecia um dinossauro, com vendas de apenas 0,69% do segmento de automóveis. Com a introdução do carro flex em 2004, a situação, de repente, virou.As vendas do novo tipo de automóvel, que foram de 52,16% em 2005, alcançaram 78,19% da soma de unidades produzidas. Em janeiro deste ano, os carros flex ficaram com uma fatia de 82,2% das vendas de automóveis.

"Muito se fala das exportações,de novos mercados nos EUA e na Europa", comenta Gláucio. "Mas eu sou ainda mais otimista com nosso próprio mercado interno.Hoje, o consumo anual de álcool carburante,na região Centro- Sul, é de 12,8 bilhões de litros.Com a renovação de nossa frota de veículos, o crescimento desse volume é garantido e pode atingir uma média anual de 5%. Ele assinala que a taxação diferenciada do ICMS pelos diversos estados sobre o consumo de álcool é um problema, que só pode ser resolvido por meio de uma reforma fiscaltributária. Apenas como exemplo, ele cita que Minas Gerais e Rio de Janeiro cobram alíquotas de 25% e 24% respectivamente. Em São Paulo, a alíquota é de 12%.

Garnero lembra que, ao ser lançado o Proálcool, previa-se que a produção nacional deveria alcançar 20 bilhões de toneladas dez anos depois, ou seja, em 1985. Até hoje não chegamos lá, mas houve grandes avanços, como o carro flex e o estímulo ao desenvolvimento de novas tecnologias. O presidente do Brasilinvest foi até mesmo criticado, há décadas, quando previu que o consumidor poderia chegar a uma bomba de gasolina e solicitar que colocassem um "coquetel" de combustíveis no tanque. E isso já acontece.

"Afinal, o Brasil é o único país do mundo em que o consumidor pode levar o carro ao posto e escolher que combustível vai usar, inclusive determinar a mistura entre eles", comenta Biagi."No resto do mundo o álcool será utilizado como aditivo, oxigenante da gasolina. Já no caso dos biocombustíveis, ainda é cedo para fazer previsões - não se sabe ao certo o volume de biodiesel que seremos capazes de produzir competitivamente, já que são diversas matérias-primas diferentes, em regiões diferentes, com logísticas diferentes.Com certeza terá de haver subsídio para que a produção possa crescer. Espero que tenhamos aprendido várias lições com a trajetória do álcool e não cometamos os mesmos erros com o biodiesel. Se formos inteligentes, certamente saberemos valorizar o nosso produto dentro do contexto mundial de maneira competente e competitiva".

Há também grande possibilidade de o Brasil vender equipamentos desenvolvidos para a produção mais econômica de álcool ou biodiesel. Garnero relata que o Brasilinvest tem 50% de um empreendimento em Valencia, na Espanha, para produzir biodiesel com óleo de soja e álcool brasileiros e equipamentos da Dedini.Além disso, como foi há pouco noticiado, a Peugeot Citroën vai exportar motores flex para a França, tendo os modelos sido exibidos no Salão do Automóvel de Paris. "Esse mercado já é uma realidade.Todas as principais montadoras já desenvolveram seus próprios motores flex; essa é a plataforma para difundi-los pelo mundo", comenta Gláucio de Oliveira.

Para todos os entrevistados, é indispensável que o Brasil estimule pesquisa e desenvolvimento (P&D) para manter o domínio tecnológico inquestionável que hoje tem na área do álcool e de outros biocombustíveis. Biagi lembra que já existe até mesmo uma usina-piloto que transforma celulose em álcool,mas que ainda não opera economicamente." Outros países que não têm a celulose proveniente do bagaço da cana usam outras fontes. Já fizemos álcool de madeira, já tivemos uma usina de mandioca,que fechou porque acabou sendo inviável."Cabrera acha que a Embrapa acordou tarde para o setor da agroenergia e somente agora criou um centro de pesquisa. Mas ele prevê que, com o gabarito de seus pesquisadores, eles estarão em breve no mesmo nível do Instituto Agronômico de Campinas (IAC), do Centro de Tecnologia Canavieira (CTC) e da Universidade Federal de São Carlos.

A abertura do capital pelas empresas sucroalcooleiras pode ser a melhor opção para captar recursos nacionais e estrangeiros

O Brasil tem necessidade de desenvolver o mais rapidamente possível a produção de álcool a partir de celulose, por meio da hidrólise, como alertou o professor Carlos Henrique Brito Cruz, diretor científico da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).Mesmo porque um terço de um pé de cana é composto de celulose." A hidrólise enzimática ou ácida está sendo considerada como tecnologia de segunda geração na produção de etanol", explica Júlio Maria Martins Borges, diretor da Job Economia e Planejamento."Evidentemente que temos de investir nessa tecnologia e nos preparar para a sua utilização.Cabe lembrar que os Estados Unidos e a Europa apostam nessa tecnologia, que tem a grande vantagem de evitar o uso de culturas alimentares para a produção de combustível líquido."

Como soja, mamona, semente de algodão, pinhãomanso e outros produtos também estão sendo utilizados para a produção de biodiesel, existe o risco de que, como acontece com a soja, acabemos exportando o grão e não o óleo, com maior valor agregado. Mário Garnero diz que isso já ocorre,mencionando o caso da Argentina, que concede incentivos à sua indústria esmagadora, que importa soja em grão do Brasil.Ou seja, o desenvolvimento do álcool como energia renovável tem de correr paralelo com o avanço da industrialização e com o desenvolvimento de novas tecnologias. "Acho que o Brasil se concentrar nas commodities ou se restringir a elas é uma verdadeira armadilha", afirma Corrêa de Lacerda." A demanda e os preços são oscilantes no mercado internacional. Especialmente para um país como o Brasil, que se industrializou a duras penas, não é inteligente desperdiçar tudo isso, como, aliás, está ocorrendo em alguns setores. Podemos ser bons em produtos básicos,mas devemos também intensificar nossa posição em industrializados."

Muitos americanos já consideram o Brasil como a Arábia Saudita do álcool, como relatou The Wall Street Journal, e o interesse dos investidores estrangeiros, em geral, pela cana-de-açúcar, é gritante. "Poucas pessoas conseguem imaginar a revolução silenciosa que a agroenergia está provocando no Brasil e a quantidade de investidores estrangeiros em busca de espaço no mercado brasileiro. "Neste início de fevereiro, estamos assistindo a uma verdadeira guerra entre vários grupos (até mesmo de fora) para a compra de uma grande usina", comenta Cabrera, referindo-se à disputa entre a multinacional Bunge, a maior empresa de alimentos do mundo, e a brasileira Cosan para adquirir o controle da Vale do Rosário, localizada em Morro Agudo (SP). A Cosan chegou a oferecer R$ 750 milhões por 100% das ações. Estão interessados também no negócio acionistas ligados a bancos e fundos de investimentos.Coincidentemente, o Noble Group, sediado em Hong Kong, anunciou a compra da Usina Pertribu Paulista, localizada em Sebastianópolis do Sul (SP), por US$ 70 milhões.

Garnero considera que uma das formas que serão cada vez mais utilizadas para investir no setor de álcool e de biocombustíveis em geral no Brasil será por meio do mercado de capitais. Ele cita como exemplo a Cosan, controlada pelo grupo capitaneado por Rubens Ometto da Silveira Mello, que está no Novo Mercado Bovespa desde o ano passado. Pessoas da mesma família promoveram há pouco a abertura do capital da São Martinho S.A., também no Novo Mercado, já tendo anunciado uma oferta pública de ações no total R$ 368,41 milhões.

A abertura pode ser feita, simultaneamente, na Bovespa e na Bolsa de Nova York, utilizando bancos de investimentos que colocam os papéis junto aos investidores externos. "A Cosan foi pioneira e merece todo o crédito, assim como a São Martinho, que está seguindo os mesmos passos", observa Biagi."Acredito que seja mesmo a melhor forma de captação de recursos.A nossa família por exemplo, na década de 70, tinha duas empresas de capital aberto. É moderno, é inteligente e vai mudando esse estigma de que usineiro não sabe ser profissional e atualizado com o mercado."

Quanto ao meio ambiente, Júlio Maria Borges diz que o setor sucroalcooleiro vem se ajustando naturalmente às exigências dos órgãos responsáveis por essa área no Brasil, como é o caso, por exemplo da queima de cana, que vem sendo eliminada gradativamente no Estado de São Paulo. O processo não pode ser rápido, segundo ele, porque as empresas têm de "respeitar a condição de equilíbrio no mercado de trabalho, pois a não queima da cana implica corte mecanizado e, conseqüentemente,menor utilização de mão-de-obra".