Mesmo após a própria Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) ter publicamente afirmado que a Lei Orçamentária aprovada pela Assembleia Legislativa e sancionada pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB) não lhe destinou o valor mínimo determinado pela Constituição estadual, o chefe do Executivo paulista insiste em negar esse fato.
Na manhã de quinta-feira (19), a fundação rompeu seu silêncio sobre o assunto ao emitir uma nota oficial de seu conselho superior, na qual afirmou que “continuará dialogando com o Governo de São Paulo e com a Assembleia Legislativa para restabelecer o seu orçamento original, e tomará as providencias necessárias para atingir este objetivo”.
Na terça-feira (17), o jornal paulistano havia publicado o editorial “Alckmin contra a Fapesp”, no qual chamou de “golpe contundente” a redução pelos deputados em R$ 120 milhões do repasse para 2017 que havia sido calculado para a fundação pelo próprio governo em seu Projeto de Lei Orçamentária. Referindo-se ao valor subtraído, o editorial afirmou:
"O valor corresponde a mais de um décimo do desembolso previsto na proposta do Executivo, R$ 1,117 bilhão. Com isso, em lugar do mínimo de 1% da receita tributária estipulado no artigo 271 da Constituição estadual, a Fapesp contaria com 0,9%."
No dia seguinte (18), também na Folha, foi a vez do artigo “Golpe na Fapesp”, do colunista Hélio Schwartsman, ao mesmo tempo em que o concorrente O Estado de S. Paulo publicou seu editorial “Respeitar a lei e a Fapesp”, com a seguinte afirmação.
"É de admirar, portanto, que o governador Geraldo Alckmin, com inequívocas intenções presidenciais, tenha consentido com essa medida de restrição orçamentária à Fapesp. Além de alimentar resistências a seu nome, corre o risco de ver relacionado seu estilo de governar a uma visão estreita e de curto prazo, incompatível com as competências requeridas para o exercício do mais alto cargo da República."
Na semana anterior a essas matérias, a redução do repasse à Fapesp já havia gerado para o Executivo e o Legislativo paulistas várias críticas feitas pela Academia de Ciências do Estado de São Paulo (ABC), pela Academia Brasileira de Ciências (ABC), pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e também por universidades e faculdades.
Quando parecia inconcebível que o governo ainda tentasse negar a inconstitucionalidade da manobra dos deputados e de sua sanção, reiterada nessas criticas, a coordenadoria de imprensa do Palácio dos Bandeirantes encaminhou para a Folha uma nota, como mostra a seguinte transcrição da seção Painel do Leitor da edição de sábado (21).
"Ao contrário do que afirmam Hélio Schwartsman e o editorial “Alckmin contra a Fapesp”, a decisão relativa ao orçamento da Fapesp foi tomada de forma independente por 64 deputados de diversos partidos. A decisão da Alesp destina à fundação mais de 1% da receita tributária, considerando a exclusão da parcela de transferência aos municípios e conforme determina o parágrafo único do art. 271 da Constituição estadual. A Fapesp tem autonomia para gerir seus recursos e iniciou 2017 com R$ 612 milhões de dotações anteriores em caixa."
Em resposta na mesma página, mantendo sua tradição de usar nessa seção menos espaço em suas réplicas, o jornal contestou corretamente essas afirmações, dizendo que o repasse à fundação, “após a modificação feita pela Assembleia Legislativa de maioria governista, é inferior a 1%, percentual estipulado na Constituição estadual“.
Falácia e negação
Na verdade, a argumentação da nota oficial do governo à Folha é duplamente falsa. Primeiramente por confundir o repasse do estado com toda a dotação orçamentária da Fapesp, que inclui também recursos próprios da fundação e receitas de transferências federais. É por causa desses itens orçamentários que o orçamento total da entidade permaneceu acima de 1% do valor de R$ 1,116 bilhão, calculado pelo próprio governo para o repasse, como mostra o quadro a seguir.
Por meio dessa falácia, a nota oficial do Palácio dos Bandeirantes se refere enganosamente ao total de cerca de R$ 1,224 bilhão da dotação da Fapesp como se esse montante fosse o repasse mínimo definido pela Constituição estadual em seu artigo 271.
"Artigo 271 – O Estado destinará o mínimo de um por cento de sua receita tributária à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, como renda de sua privativa administração, para aplicação em desenvolvimento científico e tecnológico.
Parágrafo único – A dotação fixada no “caput”, excluída a parcela de transferência aos Municípios, de acordo com o artigo 158, IV da Constituição Federal, será transferida mensalmente, devendo o percentual ser calculado sobre a arrecadação do mês de referência e ser pago no mês subseqüente."
Em segundo lugar, a resposta do governo ao jornal desconsidera a receita tributária total do Tesouro do Estado ao mencionar os valores a serem dela descontados para ser aplicado o percentual previsto pela Constituição.
Essa confusão já havia sido refutada por Direto da Ciência no dia 17 com a reportagem “‘PEC desvinculou tudo’, diz Alckmin sobre recursos de estados para educação”, na qual consta a seguinte resposta do governo.
"No que diz respeito à Fapesp, não ocorreu diminuição do porcentual da arrecadação destinado à fundação.
O artigo 271 da Constituição Estadual assegura 1% de repasse para Fapesp. O parágrafo único deste artigo é claro ao determinar que o cálculo desta porcentagem não é feito em cima da receita bruta, mas descontando os repasses municipais (25% ICMS e 50% IPVA). A receita orçamentária a ser considerada é de aproximadamente R$ 111 bilhões. O repasse de R$ 1,2 bilhão, portanto, está acima do previsto na Constituição."
A citada reportagem de Direto da Ciência explicitou as inconsistências dessa resposta, mas não mostrou cálculos com base em dados do PLOA 2017 e da LOA 2017. Para isso, o quadro a seguir deixa evidente que o governo do estado sancionou a manobra da Assembleia Legislativa que reduziu o valor calculado com base em previsões de arrecadação do projeto de lei, apesar de elas não terem sido alteradas na lei.
Enfim, vamos ver até onde vai a insistência do governo em negar a inconstitucionalidade que sancionou ao não vetar a manobra de última hora de deputados com o repasse para a Fapesp na votação da Lei Orçamentária de 2017.