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Jornal do Brasil

Aids deixa de ser quebra-cabeça (1 notícias)

Publicado em 10 de março de 1996

Por ALICIA IVANISSEVICH
Até o ano passado, o enorme quebra-cabeça que a Aids representava para imunologistas e infectologistas parecia não fazer qualquer sentido. Mas em 1995, algumas peças-chaves começaram a ser encaixadas, clareando o panorama sombrio previsto para o ano 2000 - 30 a 40 milhões de pessoas infectadas com o H1V, com 10 milhões de doentes, segundo estimativas da Organização Mundial da Saúde. As elucidações ocorreram - e continuam ocorrendo - nas diversas áreas da pesquisa: comportamento do vírus, prevenção, vacinas e tratamento. Esses avanços serão discutidos amanhã e terça-feira durante o Simpósio Internacional em HIV-Aids, no Hotel Glória, no Rio. As dúvidas sobre se o HIV causava de fato a Aids foram definitivamente apagadas com a apresentação de dois artigos independentes na revista Nature no início do ano passado. Provou-se também que as mutações do vírus, embora ocorram com freqüência, não são significativas para o controle da infecção. Novos vírus - Outros dados importantes foram acrescentados ao estudo do comportamento viral. O organismo infectado com o HIV produz cerca de l bilhão de vírus novos a cada dia, apesar de sua meia vida (tempo que metade de um grupo de vírus ou células leva para morrer) ser curta: um dia. Por outro lado, a meia vida das CD4 (células do sistema imunológico atacadas pelo HIV) também é pequena, de dois dias. "A carga viral é enorme e o número de CD4 destruídas é muito maior do que as produzidas diariamente pelo organismo. Os vírus que uma pessoa tem hoje são diferentes dos de cinco dias atrás", destaca o infectologista Mauro Schechter, chefe do Laboratório de Pesquisas em Aids da UFRJ. "O que acontece, na verdade, é uma grande batalha entre o vírus e o sistema imunológico." Mais conclusões: a quantidade de vírus no sangue è o principal fator que determina a doença. E a taxa de vírus alcançada è individual - depende de como cada um reage. "Se conseguirmos atacar o vírus assim que a pessoa se infecta, poderemos regular essa taxa", estima Schechter. Impacto - Mas os estudos que talvez tenham causado mais impacto foram os que mostraram pessoas que entraram em contato com o vírus - como usuários de drogas ou parceiros de soropositivos - e não se infectaram. "Algumas delas tiveram infecções transitórias: se infectaram mas conseguiram se livrar do vírus", afirma o médico. "Isso significa que o HIV pode vir a ser controlado e que ele, finalmente, parece se comportar como qualquer outro vírus." Há ainda as pesquisas que apontam para casos de infectados com o HIV que permanecem por muitos anos sem sintomas e com o sistema imunológico intacto. "Estima-se que de 10% a 15% dos que se contaminaram estarão nessa situação depois de 20 anos de infecção", calcula Schechter. "Mas o que caracterizaria essas pessoas - chamadas em inglês de long term non-progressors?" questiona o infectologista. "Algumas substâncias identificadas no sistema imunológico parecem ter importante participação nisso." MEDICAMENTOS REDUZEM ÓBITOS Dois estudos concluídos em 1995 mostraram pela primeira vez, desde que o HIV foi isolado, que é possível aumentar a sobrevida de pacientes assintomáticos (que se infectaram com o vírus mas não manifestam sintomas). Nos sintomáticos, foi comprovado que o uso de duas classes de drogas associadas - os inibidores da transcriptase reversa e os inibidores da protease - tem um forte impacto no organismo, reduzindo muito a carga viral. Em pessoas com a doença em fase muito avançada, que já estavam sendo medicadas com AZT e ddI (dois inibidores da transcriptase reversa), foi acrescentado o Ritonavir (inibidor da protease). A associação de medicamentos reduziu os óbitos em 43% num período de nove meses. Em outra experiência, o inibidor da protease Indinavir, associado ao AZT e ao 3TC, provocou uma queda da carga viral nas pessoas infectadas de 70% ao fim de seis meses e, em 85% delas, o HIV se tornou indetectável. Nos testes com o Saquinavir, também inibidor da protease, associado ao AZT e ao ddC, ou apenas ao AZT, ocorreu uma redução da proporção de vírus, além de um forte aumento de células CD4 - situação que se perpetua por, no mínimo, um ano. Prevenção - "Na área da prevenção, também foi possível avançar", afirma o infectologista Mauro Schechter. "Estudos feitos na França e nos Estados Unidos provam que a medicação com AZT durante a gravidez reduz em 68% a transmissão do vírus da mãe para o filho", conta. A aplicação de remédios em massa para tratar as principais doenças sexualmente transmissíveis em Uganda permitiu, dois anos depois, reduzir a transmissão de HIV em 40%. Outra experiência mostra que o uso de AZT em profissionais de saúde, logo após a exposição ao sangue contaminado, também reduziu. "São medidas factíveis que podem ser usadas na prevenção, antes de se chegar a uma vacina eficaz", observa. Ele cita um estudo com macacos infectados por via venosa submetidos à imunoterapia passiva logo após a contaminação e que conseguiram se livrar do vírus. "Estão também em análise géis antivirais para serem usados durante a relação sexual", lembra. (A.I.) VACINAS AMENIZAM FORÇA DA DOENÇA 1995 também foi um ano de conquistas na pesquisa de vacinas contra a Aids. Segundo Mauro Schechter, mesmo que a vacinação não venha a evitar a infecção, ela poderá ser usada para amenizar seu impacto. A vacinação de primatas com HIV geneticamente atenuado (em que um dos genes do vírus foi desativado) permitiu proteger parte dos animais. Mesmo que a proteção não fosse de 100%, os primatas vacinados que se contaminaram apresentaram uma evolução da doença melhor do que os não vacinados. Pesquisadores europeus e americanos estão testando uma vacina feita a partir de vírus de canários (canarypox), que não infectam os seres humanos. Genes do HIV foram inseridos nesses vírus para produzir a vacina. "Primeiro, aplica-se essa vacina para sensibilizar o sistema imunológico. Depois, com um intervalo de meses, se injeta uma segunda dose, feita com uma proteína (GP-120) do HIV", explica o infectologista da UFRJ. "Esse esquema é o que mostrou melhores resultados até agora. Os testes em larga escala em humanos devem começar nos Estados Unidos em 1997", avisa Schechter, que vai lançar o Manual de HIV-Aids, em co-autoria com Márcia Rachid, durante o simpósio. (A.I.)