São Paulo (Agência Fapesp) - Cinco espécies de bactérias fixadoras de nitrogênio são a base de um novo produto, um fertilizante biológico que substitui o uso de adubos nitrogenados na cana-de-açúcar, utilizados como promotores de crescimento da planta.
A aplicação do inoculante biológico desenvolvido por pesquisadores da Embrapa Agrobiologia, unidade da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária em Seropédica, no Rio de Janeiro, vai propiciar substancial redução de gastos com adubos nitrogenados no país.
Inicialmente, as pesquisas concentraram-se na substituição de nitrogênio na cana do primeiro plantio, também chamada de cana-planta. Com mais de 6 milhões de hectares de área plantada e uma produção que chega a 426 milhões de toneladas por ano, o Brasil é o maior produtor mundial de cana.
Queda
Em função da queda de produtividade da planta após quatro cortes, cerca de 20% da área plantada é renovada anualmente, o que corresponde a 1,2 milhão de hectares com potencial para receber o fertilizante biológico.
“Se a dose aplicada for de 30 quilos de nitrogênio por hectare, que é a quantidade mínima utilizada, poderemos ter uma economia de 50 mil toneladas de fertilizante nitrogenado por ano, sem queda de produtividade”, diz a pesquisadora Veronica Massena Reis, coordenadora do grupo da Embrapa Agrobiologia que estuda o inoculante à base de bactérias.
Corte quádrulho da plantação
A economia estimada considera apenas a cana de primeiro ano, que necessita de nitrogênio em quantidades bem menores do que os 80 quilos por hectare demandados pela cana-soca – rebrota da cana do primeiro plantio que pode ser cortada até quatro vezes.
Essa significativa diferença se explica porque, quando a terra é aberta com a aragem e a gradagem (nivelamento da área para plantio), o solo é revolvido e há a liberação desse elemento químico, que fica disponível para a cultura do primeiro ano. Quando a cana fica no solo e é cortada para rebrotar, todo o nitrogênio disponível é deslocado para a parte aérea da planta.
Ao contrário do carbono e do oxigênio, o nitrogênio é pouco reativo do ponto de vista químico, e somente algumas bactérias e algas-azuis possuem a capacidade de assimilá-lo da atmosfera e transformá-lo para que possa ser usado pelas células das plantas.
Nitrogênio polui rios
A deficiência de nitrogênio consiste, em muitos casos, no principal fator limitante do crescimento vegetal. Para gramíneas como cana-de-açúcar, milho e sorgo, que são plantas de crescimento rápido, o nitrogênio é o mais necessário de todos os elementos requisitados. No entanto, calcula-se que em torno de 50% do nitrogênio aplicado no solo se perde. Isso porque, como é um elemento de grande mobilidade, quando não é absorvido pela planta pode ser carregado pela chuva até os córregos e rios, causando contaminação, ou voltar para o ar em forma de amônia. Como o processo de produção desses fertilizantes necessita de alto consumo energético de combustíveis fósseis derivados de petróleo, produto que tem batido sucessivos recordes de preço no mercado internacional, sua substituição pelo inoculante composto pelas bactérias fixadoras de nitrogênio representará significativa redução de custos na produção da cana-de-açúcar.
Esse foi o caminho percorrido pela soja brasileira, que só se tornou competitiva após pesquisadores da Embrapa desenvolverem linhagens da bactéria do gênero Rhizobium, que retira o nitrogênio do ar e transfere para as raízes da soja (ver Pesquisa Fapesp nº 85). Os estudos que deram origem a essa técnica foram iniciados na década de 1950 pela pesquisadora Johanna Dobereiner (1924-2000), no antigo Centro Nacional de Ensino e Pesquisas Agronômicas, do Ministério da Agricultura, que deu origem à Embrapa Agrobiologia. Veronica Reis iniciou as pesquisas nessa área em 1982, quando entrou na instituição para trabalhar com gramíneas e aprendeu a técnica com a própria Johanna. A dificuldade para utilizar inoculantes em gramíneas é que nelas as bactérias se distribuem por toda a planta, sendo encontradas principalmente nos espaços intercelulares e tecidos do sistema vascular, enquanto nas leguminosas, como soja e feijão, se localizam em uma região específica da raiz.
Absorção de nitrogênio - “Hoje temos uma coleção com mais de 8 mil bactérias”, conta Veronica. Para chegar à mistura ideal, os pesquisadores escolheram inicialmente as mais promissoras bactérias fixadoras de nitrogênio isoladas de cana-de-açúcar. “Começamos testando individualmente cada uma delas e em seguida fizemos uma mistura com três e outra com cinco bactérias. A contribuição do processo biológico foi avaliada em um aparelho que mede quanto o microorganismo absorve de nitrogênio do ar”, explica. A mistura composta de estirpes de cinco bactérias – Gluconacetobacter diazotrophicus, Herbaspirillum seropedicae, Herbaspirillum rubrisubalbicans, Azospirillum amazonense e Burkholderia tropica – foi a que mais contribuiu para a fixação biológica do nitrogênio.