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Adolescentes em áreas violentas veem o mundo como mais injusto, revela estudo da FAPESP (26 notícias)

Publicado em 25 de maio de 2025

Pesquisadores apontam que infraestrutura precária e insegurança urbana moldam a percepção de justiça entre jovens de São Paulo

Adolescentes que vivem em bairros com altos índices de violência e infraestrutura precária tendem a acreditar que o mundo é mais injusto para si mesmos do que para os outros. A constatação é de uma pesquisa realizada com 659 jovens da cidade de São Paulo , conduzida ao longo de três anos pelo Núcleo de Estudos da Violência (NEV) , um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs) da FAPESP

O estudo foi publicado no Journal of Environmental Psychology e analisou a chamada crença no mundo justo (BJW – belief in a just world) , conceito que se refere à percepção de que o mundo é, de forma geral, um lugar onde as pessoas “colhem o que plantam”. Essa crença é considerada essencial para o desenvolvimento de expectativas, normas sociais e senso de cidadania.

“Nossa hipótese era que o ambiente físico exerce um papel fundamental na formação das crenças de justiça entre adolescentes, independentemente das relações familiares ou escolares”, explica o psicólogo André Vilela Komatsu , primeiro autor do estudo e bolsista da FAPESP.

A pesquisa foi realizada em parceria com a neurocientista Simone Kühn , da University of Hamburg , na Alemanha, e diretora do Center for Environmental Neuroscience do Max Planck Institute for Human Development

A influência do território na percepção de justiça

Os dados revelam que, em bairros marcados por abandono, insegurança e degradação urbana , os adolescentes desenvolvem uma trajetória de afastamento gradual da crença de que o mundo é justo para eles . Essa percepção tem efeitos diretos sobre a autoestima, motivação, bem-estar psicológico e a confiança nas instituições

Já em bairros mais favorecidos, os adolescentes mantêm níveis mais altos de BJW pessoal, mesmo reconhecendo injustiças no mundo em geral. “Eles se sentem menos vulneráveis e preservam a ideia de que suas próprias vidas seguirão um caminho justo”, observa Komatsu.

Escolas e redes sociais como influenciadores

O ambiente escolar também se mostrou decisivo na formação dessas crenças. “As escolas podem funcionar como espaços de construção de cidadania e percepção de justiça. Mas, se reproduzirem desigualdades ou agirem com arbitrariedade, reforçam a ideia de que as instituições são injustas”, explica o pesquisador.

O estudo também destaca o papel das mídias sociais na construção de valores, alertando para o efeito distorcido dos algoritmos , que amplificam conteúdos sensacionalistas e simplistas, muitas vezes descolados da realidade estrutural. “Isso dificulta que os jovens tenham acesso a informações equilibradas sobre as causas da desigualdade”, diz Komatsu.

Intervenções urbanas e políticas públicas

Os autores defendem que intervenções urbanas participativas – como a requalificação de espaços públicos e investimentos em infraestrutura – podem ajudar a restaurar o senso de justiça entre adolescentes de áreas vulneráveis.

“Melhorias em iluminação, saneamento, transporte e lazer comunicam simbolicamente que aquelas vidas são valorizadas. É fundamental que os jovens participem desses processos, para se sentirem parte da transformação e reconhecidos como sujeitos de direitos”, afirma Komatsu.

Diferenças raciais, sociais e de gênero

Embora o estudo em questão não tenha focado em raça ou gênero, análises anteriores com a mesma amostra mostraram que adolescentes brancos, homens, de escolas privadas e com maior renda familiar tendem a acreditar mais que vivem em um mundo justo – evidenciando como as desigualdades estruturais moldam essas percepções

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*Com informações: Agência SP