Segundo levantamento em parceria com universidade do Reino Unido, até 2016, quantidade de fósforo acumulada no solo brasileiro era avaliada em 22 bilhões de dólares. Guerra na Ucrânia limita compra de insumos. Inventário do acúmulo de fósforo no solo foi realizado em diferentes regiões brasileiras
Ações sustentáveis, como rotação de culturas e uso de plantas de cobertura, podem aumentar a eficiência no uso de fósforo do solo e garantir economia de bilhões de dólares para agricultores brasileiros, reduzindo a dependência da importação de fertilizantes, aponta estudo de um professor da a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP), em colaboração com colegas da Bangor University, do Reino Unido.
A guerra na Ucrânica afetou a importação de fertilizantes russos pelo Brasil, informou no início do mês a ministra Tereza Cristina. O país é o principal exportador desses insumos para o Brasil.
Apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), o estudo é um inventário sobre a quantidade de fósforo acumulada ou residual nos solos brasileiros desde 1970 e que pode ser melhor aproveitada pela agricultura. O fósforo é um dos três macronutrientes mais utilizados na adubação de lavouras no Brasil, atrás do nitrogênio e do potássio.
Segundo Paulo Sérgio Pavinato, professor da Esalq responsável pelo trabalho, do total de fertilizantes fosfatados utilizados no solo hoje em dia, 50% são extraídos via colheita e 50% ficam retidos no solo. No entanto, com rotação de cultura e plantio de cobertura, ele estima que o aproveitamento do fósforo pode chegar a 80% ou mais.
Segundo o levantamento, até 2016, o território brasileiro tinha uma quantidade de fósforo acumulada no solo avaliada em 22 bilhões de dólares.
Considerando valores atualizados de fertilizantes, ele acredita que o valor triplica. “Na época, lembro que fiz o cálculo com 80 dólares a tonelada de rocha fosfatada. O fertilizante super triplo era 300 e poucos dólares a tonelada e hoje está quase 900”, observa Pavinato.
Conforme o levantamento, o consumo de fertilizantes fosfatados no Brasil cresceu 43,4% na última década. E mais de 67% são importados de países do norte da África, principalmente Marrocos.
“Se continuarmos usando as mesmas proporções de fertilizantes das últimas décadas, poderemos ter quatro vezes mais que isso [no solo] até 2050. Mas se aumentarmos a eficiência de uso para 80%, poderemos reduzir esse acúmulo pela metade pelo menos”, explica Pavinato.
Ele observa que o potencial de aumentar a eficiência na utilização do fósforo é mencionado no Plano Nacional de Fertilizantes, que foi lançado neste mês. “Você consegue aumentar a eficiência. Tem que produzir mais com menos, ou produzir, no mínimo, a mesma quantidade com menos fertilizante. Então, essa é a ideia de você fazer um sistema bem integrado, um sistema que consiga ciclar mais nutrientes e consiga produzir mais eficientemente", explica o pesquisador.
Mestrandos de Solos e Nutrição de Plantas Hanrara de Oliveira e João Henrique Luz, e Augusto Leão, aluno de Engenharia Agronômica durante trabalho de campo para a pesquisa
Metodologia
Os estudos sobre o acúmulo de fósforo no solo foram feitos em várias regiões do Brasil. A estimativa de fósforo não aproveitado é uma média que leva em consideração dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) de áreas cultivadas por cada cultura e ano desde a década de 1950 e dados de entrega de fertilizantes ao agricultor pelos dados da Agência Nacional de Infusão de Adubos (Anda).
“A partir da década de 1970 começou a sobrar fósforo no solo. Estamos aplicando mais fósforo do que as plantas demandam, então acaba acumulando. E fósforo é um elemento que a perda dele é mínima. Então, quase todo o fósforo que você adiciona mais do que a planta absorve, ele acaba sendo acumulado no solo”. A estimativa é de que 90% dessa sobra de fósforo ainda permanece no solo.
O pesquisador lembra, no entanto, que é necessário planejamento e um longo prazo, de pelo menos sete a oito anos, para conquistar resultados positivos estáveis com a rotação de cultura. E que, por outro lado, o manejo não sustentável gera transtornos futuros.
“A gente costuma brincar que o solo é muito bom de memória. Então, tudo que você fizer para ele de bom ele vai lembrar lá na frente e ele vai acumulando esse efeito positivo. O inverso também é verdadeiro. Tudo o que você fizer de ruim ele vai lembrar lá na frente. Quando se faz mal feito, você perde solo por erosão, perde fertilidade, gasta mais com fertilizantes, é uma bola de neve que vai interferindo negativamente”.
O que é rotação de cultura?
A rotação de cultura é uma técnica agrícola na qual há trocas das espécies de vegetais cultivados em um mesmo terreno com o objetivo de evitar o empobrecimento do solo e aumentar a absorção de nutrientes por ele, consequentemente elevando a produtividade.
Benefícios químicos: Segundo Pavinato, com a técnica, o agricultor acaba gerando mais ciclos de nutrientes. "Um ponto importante é o acúmulo de matéria orgânica. Então se você coloca rotação de cultura com plantas que produzem bastante massa seca, palha, esse material vai ficar no solo e vai fazer uma ciclagem, vai muitas vezes aumentar o teor de matéria orgânica no solo e consequentemente aumentando as propriedades químicas boas do solo".
Benefícios físicos: Segundo o professor, além da rotação, também é muito importante ter uma proteção física do solo. "Vamos pegar um exemplo dos grãos, colocar um milho, um milheto ou uma braquiária no meio. Você produz muita palha e protege esse solo contra a erosão, aumenta a infiltração de água, diminui a compactação do solo, então você perde menos solo por erosão e perde menos nutriente que muitas vezes seria escoado via o próprio escorrimento da água por cima via chuva".
Benefícios biológicos: De acordo com o pesquisador, quanto mais se aumenta a diversidade de raízes e de plantas, mais cresce a diversidade de micro-organismos que estão ali também. "Novas bactérias e fungos poderão se proliferar ali e você melhora a qualidade do solo".
Quase 25% do fertilizante importado pelo Brasil vem da Rússia
Importação e guerra na Ucrânia
Pavinato explica que a autossuficiência em fertilizantes para o Brasil é impossível e que o Plano Nacional de Fertilizantes, recentemente lançado, estipula meta de que até 2050 o Brasil alcance entre 45% e 50% de produção nacional. Hoje, os agricultores brasileiros importam 85% deste produto.
“E a guerra tem ocasionado para nós um entrave muito grande, porque a Rússia e a Bielorrússia são dois dos principais fornecedores de [fertilizantes de] potássio, 40% do potássio nosso vem deles, pelo menos nos últimos dez anos. Então, potássio tem ficado muito na mão do Canadá agora ter capacidade de fornecer para nós”, explica.
O professor também lembra que a Rússia é fornecedora de fertilizante nitrogenado ao Brasil, mas que o país tem capacidade de ampliar a produção se houver incentivos governamentais.
O principal impacto da guerra e sanções à Rússia nas importações do Brasil, segundo o pesquisador, é o aumento dos preços.
“A tendência é o preço [do fertilizante de potássio] aumentar porque a oferta diminuiu e a demanda continua alta e possivelmente o produtor vai reduzir a aplicação. Então, deve ter uma redução do uso de fertilizante nesse próximo ciclo, de 2022 e 2023”.
Ele contextualiza que o custo de produção do produtor rural aumentou, mas o preço das commodities chegaram a valores históricos, como a soja e milho.
“E quem paga isso? Quem paga é o consumidor final, nós que estamos lá no mercado consumindo isso. Tudo está aumentando por causa dos preços da base, das matérias-primas para a produção de alimentos, infelizmente”.