O mundo precisa equacionar, com urgência, o acesso a alimentos, água e energia. Com a pressão das mudanças climáticas conjugada ao aumento da população, o quadro requer inovações de impacto que rompam com os padrões atuais de produção. Para se ter uma ideia, a demanda de energia no planeta irá praticamente dobrar, enquanto a necessidade de água e alimentos aumentará em torno de 50%, em 2050, de acordo com a Agência Internacional de Energia Renovável (Irena).
Especialistas afirmam que a fórmula para combater esse desequilíbrio deve combinar investimentos na diversificação de fontes de energia e mais cuidado com o meio ambiente, além de maior colaboração entre universidades e empresas, com a criação de mecanismos financeiros que tirem tecnologias do papel.
Como os sistemas de produção de água, energia e alimentos estão restritos aos recursos naturais, o desafio é amplificado pelas nuances do clima, que impõem imprevisibilidade ao cenário desenhado, explicam Munir Younes Soares e Aron Belinky, coordenadores do Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getulio Vargas (GVces).
O número de pessoas que passam fome no mundo é de 795 milhões ou quase uma pessoa a cada nove, de acordo com a edição de 2015 do relatório anual sobre o tema, da Organização das Nações Unidas (ONU). "Não há uma solução única para todas essas crises", avaliam.
Para tirar projetos inovadores das gavetas, o Gvces e a "Revista Página 22", do setor de sustentabilidade, lançaram, na terça-feira, a primeira edição do Guia de Inovação para Sustentabilidade em Micros e Pequenas Empresas (GIPS), catálogo anual que lista negócios ligados a inovações que podem ganhar escala. Após o processo seletivo, empreendimentos de 11 das 56 companhias que se apresentaram foram escolhidos. A ideia é criar um ambiente colaborativo para dinamizar contratos na área, diz Soares. Assim como o Gvces, outras instituições trabalham para colocar na rua um novo ciclo de inovações.
Com sede em São Paulo, o Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema), organização do terceiro setor sem fins lucrativos, montou uma equipe dedicada ao estudo das áreas de e clima. O objetivo é desenvolver projetos para o fortalecimento de políticas públicas que promovam a sustentabilidade ambiental, com foco na geração de eletricidade e na mobilidade urbana.
"Parte do nosso trabalho é analisar a inserção de fontes renováveis na matriz elétrica brasileira", diz a coordenadora Kamyla Borges. Neste mês, a entidade publica duas notas técnicas que abordam as principais medidas de incentivo para as matrizes solar e eólica. "Queremos organizar discussões com stakeholders nacionais e internacionais do setor elétrico, além de criar uma plataforma de monitoramento do parque termelétrico do Brasil."
A matriz elétrica brasileira passa por um período de transição em que a expansão da capacidade instalada e de geração das hidrelétricas devem ocorrer a taxas inferiores às observadas no passado, levando à necessidade de explorar outras fontes de produção, diz Kamyla. A preocupação da especialista é com a importância crescente dada à termeletricidade, pelo governo federal, que tem maior impacto ambiental e pode agravar a demanda por água.
O Programa de Investimento em Energia Elétrica (PIEE) 2015-2018, recém-lançado pelo governo, prevê a contratação de 3 mil megawatts (MW) a 5 mil MW de térmicas a gás natural e carvão, até 2018, lembra Gabriel Viscondi, analista de projetos do Iema. Em contrapartida, segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), 318 usinas solares já compõem o portfólio nacional, totalizando 15 MW de capacidade instalada, afirma Kamyla. "Esse volume corresponde a apenas 0,01% da matriz elétrica, ficando atrás de todas as outras fontes", diz. "A diversificação da produção na área favorece um maior aproveitamento de opções menos nocivas ao meio ambiente."
Para isso, os especialistas do Iema apostam fichas no arranque da produção de energia eólica no país. "É a terceira principal fonte de geração, em termos de capacidade instalada, e responsável por 4,6% de um total de 142 gigawatts (GW) da matriz", diz Kamyla.
O volume fica atrás somente da força hídrica (62%) e da termeletricidade movida a gás natural (8,8%). "Essa expansão deve-se a uma combinação de fatores, como regulação, financiamento e incentivos tributários, que favoreceu a indústria eólica no Brasil", acrescenta Viscondi.
Para Stela Goldenstein, diretora da Associação Águas Claras do Rio Pinheiros, enquanto o setor de energia encontra novos caminhos de produção, a crise hídrica já se instalou no campo e nas cidades. "É preciso articular políticas regionais integradas às diferentes demandas da água, como o abastecimento público, a agricultura e a hidroeletricidade, além de incorporar recursos tecnológicos na oferta e no controle do material", analisa.
Entre ações práticas que envolvem tecnologia de ponta, a especialista sugere a implantação de redes inteligentes de distribuição e consumo (smart grid), para gerenciar perdas nos centros urbanos; e a irrigação por gotejamento nas lavouras, com ferramentas de controle que acompanham os horários de maior evaporação.
A opinião de Fábio Kon, coordenador adjunto para a inovação da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), é que a colaboração entre universidades e a iniciativa privada é uma forma eficaz de inovar, levando o conhecimento científico para produtos reais, desenvolvidos no chão de fábrica. Uma das iniciativas da entidade, o Programa de Apoio à Pesquisa em Parceria para Inovação Tecnológica (Pite), financia projetos de instituições acadêmicas, desenvolvidos com organizações no Brasil e no exterior. Conta com 38 trabalhos em andamento, em nichos como abastecimento de água, eficiência energética e biocombustíveis.
Rodrigo Medeiros, vice-presidente da organização ambientalista Conservação Internacional (CI-Brasil), chama a atenção para o cuidado com os mananciais hídricos. Nesse caso, o uso da muvuca, uma técnica de plantio direto de mistura de sementes que permite recuperar zonas extensas com maquinário agrícola, é um exemplo de inovação no setor. O governo brasileiro planeja restaurar 12 milhões de hectares de florestas nativas em todo o país, nos próximos anos, de acordo com a ONG.
Para o Valor, de São Paulo