A Wikipédia não é uma empresa pontocom. A maior enciclopédia livre do mundo vive de doação e do trabalho voluntário e por isso seu endereço na internet é wikipedia.org. Essa é uma das explicações dadas pelo seu fundador, Jimmy Wales. Ele esteve em São Paulo na semana passada para participar da ExpoManagement, evento de negócios e gestão, e também lançar o escritório que cuidará do capítulo brasileiro na enciclopédia virtual.
Como já se tornou praxe na rede mundial, o Brasil se destaca também na criação de verbetes colaborativos. No total, são mais 11 milhões, que resulta em dois bilhões de palavras escritas em 250 línguas diferentes. Os textos em português ultrapassam 440 mil para 191 milhões de pessoas que têm o idioma português como primeira língua. Para se ter uma comparação, em espanhol são cerca de 420 mil para 400 milhões de nativos. Para manter toda essa estrutura, há apenas 22 funcionários e mais de 100 mil voluntários.
Segundo o serviço Alexa, a Wikipédia é o quinto site mais visitado do mundo e aqui no Brasil, o 15º. "Eu não acredito muito neste número", afirmou Wales durante a sua palestra. "Acho que somos tão populares aqui quanto nos Estados Unidos", afirmou. Para melhorar o conteúdo e também este número de acesso, foi lançada a Wikimédia Brasil com o objetivo principal de criar oficinas para incentivar o trabalho colaborativo. (veja matéria abaixo).
Todo o segredo do site está em sua base, ou seja, no software Mediawiki, que permite ao usuário copiar, modificar, redistribuir a versão final ou outra, comercializar ou não este conteúdo final fora do espaço da Wikipédia. "Nosso princípio é sermos totalmente livres e levar esse conhecimento ao maior número de pessoas ao redor do mundo", comenta Wales.
São quatro também os pilares de sustentação do modelo de negócio: confiabilidade, abrangência, acesso e sustentabilidade financeira. Para a questão da confiança em seus artigos, muitas vezes questionados, Wales mostrou um estudo comparando a Wikipédia com a Enciclopédia Britânica. Na avaliação final, a média foi de quatro erros para a versão wiki e três para a tradicional. "O que me espanta não é termos erros, mas a Britânica sim", conta Wales. "Nossa enciclopédia é viva, editada continuamente e o controle de qualidade é feito pela própria comunidade. Isso é que vale". Ele parte do princípio da crença no ser humano e não ao contrário.
O mentor de estratégia e inovação do Grupo Newcomm, Walter Longo, participou do evento para fazer as perguntas finais. Entre elas, questionou o bloqueio que as empresas fazem para ferramentas como Messenger, Orkut, You Tube. Wales foi categórico contra esse tipo de "censura". "Temos de tratar isso como uma questão humana. É como proibir de falar ao telefone com a família. Não se deve bloquear o acesso daquilo que não faz os funcionários perder tempo. Aliás temos de usar essas novas mídias para gerar negócios e só fazemos isso navegando por elas", opina.
Falando em negócios, como a Wikipédia não visa lucro, Wales tem procurado outras fontes de renda. Lançou a Wikia em 2004, que permite às pessoas criarem sites colaborativos, com mais de 10 mil comunidades. "É uma forma de as empresas e grupos interessados por assuntos distintos ter um espaço de discussão e difusão de conhecimento e ganhar dinheiro com essa atividade".
Nesta fase de transição de modelo de negócio, ele tem se dedicado desde o começo do ano ao projeto de buscador Wikia Search. "Seremos uma aplicação aberta, com a informação completa, mas o usuário também vai poder editar, comentar e até apagar o resultado da busca se não estiver satisfeito", adianta o fundador. Recentemente, a Wikia Search lançou o WiseApps, um conjunto de ferramentas que permite aos desenvolvedores criar pequenos aplicativos de busca, com tecnologia da Wikia, para colocar em outros sites.
O Brasil tem muito a colaborar
Foi de um wikipedista – nome dado ao colaborador da Wikipédia – de apenas 14 anos que surgiu a idéia de mobilizar um grupo de brasileiros para fazer o capítulo em português da enciclopédia mais popular do mundo. E assim, de forma despretensiosa e absolutamente descentralizada, começaram as discussões de estatutos e de forma de organização do escritório no Brasil, que passa a representar a Wikimedia Foundation.
Um dos voluntários que está à frente do projeto é Thomas de Souza Buckup. Com mais de 90 pessoas, buscam uma forma de popularizar o serviço e inserir mais e mais informações confiáveis sobre diversos temas. Para isso, pensam em montar oficinas de colaboração livres para ensinar e disseminar as ferramentas wiki. "Queremos expandir de tal maneira que até as comunidades indígenas participem", conta Buckup. "Vamos aproveitar o nosso DNA e as nossas raízes para promover a produção colaborativa de conhecimento na língua portuguesa e também nas indígenas".
Jimmy Wales, o fundador da Wikipédia, participou de umas das reuniões com a equipe brasileira, a WikiBrasil: Mutirão de Conhecimentos Livres. "No ano passado, tivemos um crescimento de 166% de artigos em português dentro da Wikipedia, número conquistado só no boca-a-boca", afirma Wales. " Nosso objetivo é crescer e preencher espaços em assuntos que ainda não estão bem cobertos como artes e educação".
Lala Deheinzelin, atriz e diretora da empresa Enthusiasmo Cultural, está participando deste movimento deste o início e usa o conceito para ir além em um projeto denominado Crie Futuros. "No encontro com Wales ficou claro que já estamos trabalhando em uma dimensão que nem ele tinha percebido", comenta. "O conceito de social aqui no Brasil é muito mais amplo e sempre ligado ao desenvolvimento".
WikiFuturos é a plataforma digital da idéia de Lala. A premissa é bem simples: temos de criar o futuro que queremos viver e por isso ela convida as pessoas a fazerem ilustrações, cartuns, vídeos, animações, maquetes 3D, textos, esquetes teatrais que descrevam futuros desejáveis e harmônicos. Esse movimento nasceu concomitantemente à Wikimédia Brasil. "Ainda não sabemos como vamos trabalhar juntos, mas uma coisa está intimamente ligada à outra", analisa a diretora.
Se Lala está com um pé no futuro, outro projeto brasileiro, a Kronopedia, busca as referências do passado. O engenheiro civil Milton Fernandes criou um site na incubadora digital da FAPESP – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, que tem como objetivo criar verbetes e contar a história de maneira cronológica. "Queremos fazer um software para facilitar esse trabalho", conta Fernandes. "Mas, diferentemente da Wikipédia, todo o nosso conteúdo é revisado e feito por especialistas".
Um dos participantes é a Associação Comercial de São Paulo. A bibliotecária Luciana da Costa Camargo Pereira é a administradora de todo o conteúdo histórico, como construção do prédio, a biografia dos antigos presidentes e outras fontes. "A ACSP encampou e pegou o espírito do que pensei para a Kronopedia", avalia. "Agora, vamos faremos um sobre a revolução de 32 e também sobre material de construção com todo o descritivo de produtos".