Estamos iniciando, a partir desse artigo, uma série que elucidará as ações que vem sendo adotadas pelos diversos entes públicos e privados visando acelerar o fluxo dos processos de inovação durante pandemias e situações emergenciais, especialmente nas áreas mecânicas e fármacos, e como a Propriedade Intelectual pode influenciar os novos cursos dos processos.
A inovação é o resultado de um longo processo de desenvolvimento tecnológico, independente do campo em que se deseja aprimorar, e é, de forma mais comum, definida pela abordagem de “solução e problema”, em que tanto a solução quanto o problema (dependendo da definição de “problema”) podem constituir a inovação.
Na área médica, especificamente na área farmacêutica, o desenvolvimento de uma nova terapia envolve etapas desde o descobrimento (identificação e produção) de novas substâncias com potencial uso médico, otimização (processo de modificação sintética das novas substâncias estudadas), desenvolvimento (voltado à otimização do processo de produção e estudos das propriedades destas novas substâncias) e, por fim, a etapa dos testes pré-clínicos e clínicos, fase em que a nova substância terá seus efeitos benéficos, sua segurança e os potenciais efeitos adversos avaliados.
Todo esse processo de desenvolvimento pode demorar de 10 a 15 anos, sendo que dentre as 5000 a 10000 moléculas testadas, apenas uma chega a ter a aprovação para ser vendida nas farmácias, como é o caso do Viagra, que teve seu processo de estudo começado em 1986 e obteve a aprovação do Food and Drug Administration (FDA) em 1998.
Para além desse cenário de necessária morosidade, torna-se óbvia a importância da interdisciplinaridade, uma vez que é necessário compreender as vias metabólicas e biológicas que regem os estados de saúde/doença, assim como é necessário ter conhecimentos de química e síntese orgânica para as etapas de otimização e desenvolvimento.
Por consequência, os investimentos na área de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) das indústrias farmacêuticas não refletem o número de novos medicamentos que efetivamente chegam ao mercado: muitas das moléculas estudadas são abandonadas nos estágios finais de desenvolvimento devido a problemas de toxicidade metabólica e segurança, o que faz com que os que chegam às prateleiras das farmácias apresentem um custo, geralmente, elevado, como uma tentativa de reaver os gastos envolvidos neste processo.
Na área mecânica, o processo pode ser pouco mais ágil: identifica-se uma necessidade ou um desejo atrelado ao objeto do negócio; passa-se para a fase de desenvolvimento, tentativas e testes, implementação do protótipo ou projeto piloto até a total implementação.
Assim, quando um projeto de um equipamento é pensado, compreende a engenharia de produto, que envolve questões como a funcionalidade, o material que será utilizado para a fabricação desse equipamento e as suas características, dimensionamentos e acabamentos. Após, faz-se necessário pensar na engenharia de processo, etapa em que a forma de tornar o equipamento uma realidade é colocada em prática.
Nesta fase, o projeto do equipamento pode, eventualmente, sofrer alterações devido ao processo produtivo. Depois da definição das etapas de produção, em que temos um equipamento pronto, tem lugar a engenharia de qualidade, na qual a avaliação de todas as características definidas no projeto é feita, sempre seguindo determinados protocolos de segurança e eficiência do equipamento produzido.
Uma forma de reaver os custos do desenvolvimento de uma nova criação é o depósito de pedidos de patentes que, quando concedidos, conferem ao titular o direito de excluir terceiros da exploração comercial do que foi protegido por tempo determinado e compreende um importante incentivo ao desenvolvimento tecnológico e fomento à indústria.
Todo esse cenário, entretanto, sofre uma reviravolta com o surgimento de uma situação de saúde pública emergencial, que gera tanto oportunidades como desafios no desenvolvimento de soluções rápidas de controle e cura de uma nova doença, tal qual a atual pandemia do novo coronavírus, causada pelo vírus Sars-Cov-2 (2019-nCov).
Essa é uma janela de oportunidade para o desenvolvimento de um novo tratamento, uma vez que se trata de uma nova doença e para o desenvolvimento de vacinas, mas também para o desenvolvimento de novas tecnologias em outros segmentos, como a engenharia, por meio do desenvolvimento de novos respiradores que sejam de fácil produção para o suprimento das necessidades hospitalares.
O grande acelerador para inovação nessa situação de urgência é a necessidade premente, que gera uma maior disponibilização de recursos financeiros, por exemplo, bolsas de pesquisa; disponibilização de recursos humanos, assim como disponibilização de conhecimentos, antes mantidos em sigilo.
A exemplo, vale mencionar a ação proposta pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que lançou uma chamada pública que destinará R$ 50 milhões a projetos de pesquisa e inovação feitos em Instituições Tecnológicas de Inovação (ICTs), que conta com o apoio da Mobilização Empresarial pela Inovação (MEI), da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e do Inova Talentos.
Um apoio diferente aos pesquisadores envolvidos em soluções para o enfrentamento da covid e as suas consequências foi feito pela Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (FAPEMIG), pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio Grande do Sul (FAPERGS), que busca incentivar pesquisas feitas pelas universidades federais do Estado, pela Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo (FAPESP), entre outras agências de fomento.
No entanto, além desse conjunto de esforços, é importante conhecer alguns atalhos fornecidos pelo sistema de propriedade intelectual que podem ajudar muito a aceleração do processo.
Dentro da indústria farmacêutica, a corrida por um novo tratamento ocorre, principalmente, utilizando-se da estratégia do reposicionamento de fármacos, que compreende o uso de um fármaco já aprovado para uma doença, em outra, o que reduz o tempo de desenvolvimento, por tratar-se de um medicamento que já percorreu todas as fases deste processo e só precisa se mostrar efetivo à nova doença.
Ademais, o Cietec (Centro de Inovação, Empreendedorismo e Tecnologia) da Universidade de São Paulo, está incubando startups que criaram ou adaptaram seus projetos para suprir a atual demanda, como é o caso do desenvolvimento de tecnologias que otimizam o uso de ventiladores pulmonares na UTI, e a produção de equipamentos de proteção e componentes hospitalares.
Por: Débora Feliciano Savino é especialista em patentes no VilelaCoelho Sociedade de Advogados, fluente em inglês, graduada em farmácia e bioquímica pela Universidade de São Paulo – USP e mestranda em Química Farmacêutica também pela USP. Participou em diversos seminários e cursos na FIOCruz, ABIFINA e ABAPI.
Fonte: STARTUPI | Clipping: LDSOFT