Notícia

Jornal da USP

Academia de esportes

Publicado em 06 fevereiro 2011

Por Isadora Martins

Se há disciplinas científicas no interior da academia que estudam especificamente o esporte, por que as universidades brasileiras não colocam sua produção teórica a serviço das práticas e técnicas esportivas? Aiminência das Olimpíadas e Paraolimpíadas no Rio de Janeiro em 2016 e a necessária participação de equipes brasileiras em todas as modalidades olímpicas levou a USP a romper o atual paradigma. Em dezembro do ano passado, a Universidade lançou o Programa USP nos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos, que prevê um investimento de cerca de R$ 4,2 milhões nos próximos três anos para aprimorar o desempenho de atletas e para-atletas.

Pela primeira vez uma universidade pública irá oferecer suporte técnico e tecnológico para esportistas profissionais e novos talentos, permitindo acesso a orientação científica, a diagnósticos clínicos e à infra-estrutura universitária. "A relação universidade e esporte é corriqueira no Primeiro Mundo, onde o esporte olímpico faz parte da cultura nacional. Nossa esperança é que isso aconteça aqui no Brasil também", assinala o diretor da Escola de Educação Física e Esporte de Ribeirão Preto (EEFERP) e coordenador-geral do programa, Valdir José Barbanti. De acordo com Barbanti, o Brasil não tem tradição nas Olimpíadas, o que se deve em grande parte à falta de incentivo para os atletas. Até então, a participação da Universidade nesse sentido tem sido pontual - perspectiva que agora tende a mudar.

Orientação - São várias as unidades de ensino envolvidas no programa: além da EEFERP, a Escola de Educação Física e Esporte (EEFE), a Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH), a Faculdade de Medicina (FMUSP), a Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) e a Faculdade de Odontologia (FO). Essas unidades irão realizar exames de ponta, como de biomecânica e antidoping, e darão orientação especializada sobre melhoras no desempenho, bem como avaliações clínicas e funcionais. "Será uma oportunidade inclusive para que as escolas atuem de modo interdisciplinar, estudando o mesmo fenômeno e acompanhando seus resultados", ressalta o reitor João Grandino Rodas.

A Universidade também prevê a reforma e ampliação do Centro de Práticas Esportivas (Cepeusp) da Cidade Universitária e do Centro de Educação Física, Esportes e Recreação (Cefer) de Ribeirão Preto. Segundo Rodas, o investimento irá beneficiar não apenas atletas, bem como toda a comunidade USP. "E preciso que haja um local apropriado para que o esporte seja desenvolvido de modo eficiente. Com 40 anos, o Cepeusp carece de reformas tanto no espaço físico quanto na lógica de seu funcionamento", afirma o reitor.

Ao todo, serão R$ 2 milhões apenas para as reformas. Em São Paulo, passarão por obras o alojamento, a raia olímpica e o tanque de saltos ornamentais da piscina. Ainda será construída uma sala de força para atividades físicas, e o horário de funcionamento do centro deverá ser ampliado, com funcionários trabalhando em vários turnos.

Para completar as ações do programa, serão concedidas 30 bolsas mensais no valor de R$ 700,00 e R$ 550,00 para atletas e promessas olímpicas, além de outras 30, no valor de R$ 300,00 cada, para estagiários de Educação Física atuarem como monitores. Também serão investidos R$ 360 mil em educação continuada, com a participação dos atletas e treinadores em simpósios e workshops.

Entusiasmo-Marcos André Guerra, presidente da Liga Atlética Acadêmica da USP e a voz do corpo discente na comissão técnica que coordena o projeto, afirma que, a princípio, a notícia de que a Universidade disponibilizaria instalações para atletas externos não foi bem recebida pelos alunos. "Eles temiam que o esporte universitário perdesse espaço e que fossem excluídos do processo", conta. Porém, logo as dúvidas deram lugar ao entusiasmo. "Após conversas com a equipe do programa, percebemos que também seremos beneficiados com a melhoria da infraestrutura do Cepeusp, e o contato com os atletas inclusive estimulará a prática esportiva.Um Cepeusp alargado poderá servir à sociedade e à Universidade sem que haja prejuízo para nenhuma parte", defende ele.

Para Maria Paula Gonçalves da Silva, a Magic Paula, campeã mundial de basquete em 1994 e fundadora do Instituto Passe ,de Mágica, a ação aproveita o fato de que o Brasil sediará uma Olimpíada para impulsionar algo que já deveria ter sido iniciado há tempos: aproximar, por um lado, a Universidade e a ciência do esporte e, por outro, os atletas da Universidade. "Na nossa cultura, infelizmente, quando o jovem chega ao ensino superior, ele "morreu" para o esporte, pois ambos não caminham paralelos e o esporte dentro da academia tem pouca força. A maioria dos atletas que cursam a graduação tem dificuldade em conciliar as atividades, o que acaba minando a continuidade dos treinos. Eu vivi esse impasse e gostaria que um programa assim tivesse existido na minha época", relata Paula.

"Esse programa aproveita o ensejo das Olimpíadas, mas vai muito além delas, ao trazer melhorias que perduram mesmo após 2016", acredita o reitor. A esperança é de que o primeiro passo dado pela USP inspire outras universidades a fazer o mesmo, levando à valorização do esporte olímpico no meio acadêmico. Atletas e treinadores agradecem.

Depoimentos recuperam memória olímpica

Outro projeto em andamento na USP dedica-se aos atletas olímpicos. Desde junho de 2010, a professora da EEFE Katia Rubio coordena o registro de depoimentos em vídeo de cerca de 2.240 atletas brasileiros sobre sua experiência nas Olimpíadas. Atletas Olímpicos Brasileiros tem apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e previsão de ficar pronto em 2014.

A pesquisa começou muito antes, com o livro Heróis olímpicos brasileiros, de autoria da professora, que possui formação em Educação Física, Psicologia e Jornalismo. Após décadas de pesquisa, Katia compilou bastante material para dar início ao ambicioso trabalho de registrar as impressões e experiências de cada um dos atletas brasileiros que já participaram dos Jogos Olímpicos.

São 20 pessoas na equipe que faz o levantamento dos esportistas, sua localização e situação. "Muitos estão - e se sentem - esquecidos. A maioria coopera, quer falar de suas vivências, emoções. E também respeitamos os que não querem falar", relata a professora em entrevista ao portal R7. "É interessante notar que muitas vezes há momentos que ficam gravados e têm significados muito maiores do que a própria conquista de medalha, como o processo até chegar a ela, o depois e a brevidade daquele momento depois de tudo que se passou", completa.

Para Katia, as histórias são altamente significativas na medida em que mostram, inclusive, elementos para trabalhar com os atletas olímpicos. Como o Brasil não tem tradição nos Jogos, muitos deles vão despreparados. "Esquecemos que estar em uma Olimpíada já é uma conquista muito grande e a gente pouco valoriza. E os atletas brasileiros chegam à Vila Olímpica sem preparo. Eles são unânimes em dizer isso", considera.

A professora ainda anseia montar um Centro de Memória do Esporte Olímpico Brasileiro, cujo acervo seria composto por todo o material coletado - contudo, o projeto ainda precisa de patrocinadores.