Ao correlacionar dados de sequenciamento genômico e análises epidemiológicas na cidade de São José do Rio Preto (SP), os pesquisadores conseguiram demonstrar o impacto da prevalência da variante P.1 (hoje denominada Gama) na alta de casos e de óbitos do COVID-19. O aumento da transmissibilidade dessa cepa esteve associado a um aumento significativo de casos graves (127%) e óbitos (162%) nos meses de março e abril de 2021, no município do interior de São Paulo.
O estudo, publicado na plataforma medRxiv mas sem revisão por pares, destaca a importância da vacinação para proteger a população e a eficácia do bloqueio de 1
5 dias, estipulado na cidade em março, para conter a disseminação do vírus.
“Essas são conclusões esperadas, mas precisam de evidências claras por causa do ambiente em que vivemos. Nosso estudo confirma que as vacinas protegem contra a morte por COVID-19 e o bloqueio funciona para reduzir a circulação do vírus. Além disso, fomos capazes de mostram que o P1 é, na verdade, uma variante mais agressiva, algo que ainda não era tão claro na comunidade científica “, diz Maurício Lacerda Nogueira, professor da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp).
O estudo foi realizado pelo Laboratório de Pesquisa Virológica Famerp do Hospital de Base (HB) de Rio Preto, em colaboração com a Universidade Estadual Paulista (Unesp), a Universidade de São Paulo (USP), a Fundação Bill & Melinda Gates , Universidade de Washington, Departamento Médico da Universidade do Texas e Secretaria Municipal de Saúde de São José do Rio Preto. O grupo teve o apoio da FAPESP, da Rede Corona-ômica (mantida pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação por meio da Financiadora de Estudos e Projetos e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), do Instituto Butantan e dos Institutos Nacionais de Saúde , dos Estados Unidos.
Como parte do estudo, a vigilância genômica do SARS-CoV-2 foi realizada em Rio Preto e na região desde outubro de 2020. Os pesquisadores analisaram 272 genomas completos do novo coronavírus para detectar a prevalência das variantes. Das 12 cepas identificadas, as mais prevalentes foram P.1 (72,4%), P.2 (11%), B.1.1.28 (5,6%) e N.9 (4,6%).
a bola das variantes
As variantes são formas mutantes do vírus e, embora a grande maioria apresente comportamento epidemiológico semelhante ao da cepa ancestral, algumas delas são preocupantes por serem potencialmente mais transmissíveis ou até mais letais. A linhagem P.1 (Gama) surgiu no início de novembro de 2020, em Manaus (AM), e rapidamente se espalhou para outros estados brasileiros, principalmente os da região Sudeste.
Em dezembro de 2020, a variante B.1.1.7 (Alpha) foi detectada pela primeira vez no Reino Unido. É atribuído a um aumento da transmissão entre 30% e 50% e a gravidade dos casos é superior a 30%.
A variante B.1.351 (Beta) foi detectada pela primeira vez na África do Sul, associada a um risco aumentado de transmissão e uma redução na neutralização viral por terapia com anticorpos monoclonais, soros convalescentes e soros pós-vacinação.
Mais recentemente, a variante Delta, detectada pela primeira vez na Índia, se espalhou pelo mundo, possivelmente impactando o recente aumento de casos na Europa, Estados Unidos e China.
Variante gama, um estudo de caso
Nogueira explica que, desde o final do ano passado, a cidade de São José do Rio Preto registrou dois grandes picos de casos e óbitos: um em dezembro de 2020 e outro em fevereiro de 2021, quando explodiram os casos da doença.
“Pelas análises, várias variantes do coronavírus circulavam em outubro do ano passado. Em dezembro, porém, houve predomínio de P2. [detectada pela primeira vez no Rio de Janeiro], o que pode ter levado à alta dos casos, mas sem aumento da gravidade da doença. Foi em 26 de janeiro de 2021 que detectamos o primeiro caso de P1 na cidade e, logo em seguida, essa cepa passou a ser dominante. É nesse período, a partir de março, que ocorre um aumento de mais de 100% no número de casos graves e óbitos ”, revela Nogueira.
A pesquisadora explica que não é possível afirmar que o P2 foi o responsável pelo aumento de casos no final de 2020. Isso porque o período de férias também coincidiu com uma maior movimentação de pessoas no país e, consequentemente, uma maior transmissão de a doença.
No caso de P1 (Gama), segundo o pesquisador, essa correlação é demonstrável, o que acaba com uma grande discussão na comunidade científica para saber se a variante era mesmo mais agressiva e responsável por um maior número de mortes.
“Estudos feitos em Manaus indicavam a morte de um número muito grande de pessoas e, em janeiro, houve um colapso total do sistema de saúde do Amazonas, falta de oxigênio, pessoas que morreram sem respirar e até bebês em incubadoras . [que não necessariamente tinham COVID-19] eles precisaram ser realocados para receber tratamento em outros estados. Além da variante, havia uma série de outros fatores bem conhecidos que levaram a uma situação de crise humanitária “, diz ele.
A situação de São José do Rio Preto em março era diferente da de Manaus em janeiro de 2021. O município de São Paulo, com 400 mil habitantes, possui um sistema de saúde mais robusto e adotou um bloqueio no auge da transmissão do P1 variante. . “Em Rio Preto não houve colapso do sistema de saúde, nem faltou oxigênio. O que aconteceu foi muito difícil, chegamos a 300 pessoas em terapia intensiva [unidades de terapia intensiva], mas sem atingir a capacidade máxima. Passamos um ou dois dias com 100% de ocupação das camas. Mesmo com este cenário de melhor caso, a mortalidade foi muito maior do que nos picos anteriores. Isso porque P1 é uma variante mais agressiva ”, avalia.
Vacinas salvam vidas
Outro fator importante foi que o período de alta das infecções P1 na cidade de São Paulo coincidiu com a vacinação do idoso. “Quando o P1 se espalhou pela cidade, quase 100% das pessoas com mais de 70 anos foram vacinadas, a maioria com CoronaVac. Segundo o estudo, as vacinas têm entre 60% e 70% de proteção. Contra morte em casos graves. Nesta população vacinada, que é uma ótima notícia “, diz ele.
Segundo Nogueira, os estudos de vigilância genômica continuam. A equipe investigará o que aconteceu no ano passado (antes do aparecimento das novas variantes) e monitorará os próximos meses da pandemia. “Continuamos a fazer essas análises e correlações semanalmente. Ainda não detectamos a variante Delta na cidade, mas acredito que é uma questão de tempo. O estudo nos permitirá monitorar o impacto da provável competição entre Delta e Gama, “ele prevê.
Ele ressalta que, embora tenha havido uma ocorrência da variante Gama na Inglaterra e nos Estados Unidos, a Europa não foi afetada. “Lá o Gama não competia diretamente com o Delta. Mas isso poderia acontecer aqui no Brasil, como mostram estudos no Rio de Janeiro, onde a prevalência do Delta está avançando”, afirma.
O artigo Efeitos da introdução do SARS-CoV-2 P.1 e o impacto da vacinação COVID-19 no panorama epidemiológico de São José do Rio Preto, Brasil pode ser lido em www.medrxiv.org/content/10.1101/2021.07.28.21261228v1.