Se é melhor prevenir a remediar qualquer situação, essa frase vale perfeitamente para a história das imunizações no Brasil – da proteção contra a varíola até a tão aguardada vacina da dengue, desenvolvida em território nacional pelo Instituto Butantã.
Falar da vacinação no Brasil é contar uma história que se entrelaça com a trajetória da saúde pública, marcada por avanços significativos, mas também por desafios e retrocessos. A vacinação, um dos maiores triunfos da medicina preventiva, tem sido essencial para erradicar doenças, como varíola e poliomielite, e também para controlar surtos como sarampo e rubéola.
O primeiro dia da imunização no Brasil
A vacinação no Brasil tem uma história rica e complexa, datando do século XIX com a introdução da vacinação contra a varíola.
Na ocasião da Revolta da Vacina, em 1904, a população se rebelou contra a obrigatoriedade da vacina contra varíola. Uma lei já existia sobre o assunto há cerca de 50 anos, mas a adesão era baixa, até que Oswaldo Cruz, médico sanitarista, passou a insistir em seu cumprimento. Em duas semanas, foram 30 mortos e 110 feridos, além de 945 pessoas presas e 461 deportadas no Rio de Janeiro. Em 1908, quando um violento surto de varíola atingiu a então capital do país, a população preferiu arriscar e utilizou o imunizante.
Desde então, a vacinação começou a ser considerada parte das políticas públicas de saúde essencial, com investimentos robustos na importação e aplicação de diversos imunizantes. Segundo dados da OMS, 154 milhões de vidas foram salvas nos últimos 50 anos graças ao desenvolvimento das vacinas.
Claro que ainda há desafios a serem superados no Brasil, apesar dos avanços significativos da vacinação. Desde 2016, os índices de cobertura vacinal estavam caindo – a ponto de arriscarmos expor toda a população a doenças como a poliomielite. As causas desse cenário incluem a queda nos investimentos em saúde pública, a desinformação sobre as vacinas e o crescimento do movimento antivacinação. Felizmente, os números estão voltando aos patamares seguros.
Vacina da dengue e outros imunizantes
A vacinação é uma das intervenções de saúde pública mais eficazes e importantes para a prevenção de doenças, já que funciona estimulando o sistema imunológico a produzir anticorpos contra os agentes infecciosos de forma preventiva. Dessa forma, o corpo está preparado caso um dia seja contaminado por esse patógeno.
O Brasil tem um dos maiores programas de vacinação do mundo, o Programa Nacional de Imunização, responsável por oferecer gratuitamente diversas vacinas para a população brasileira. O PNI foi o responsável por erradicar doenças como varíola e poliomielite após a sua implantação, e plantas fabris nacionais, como da Fiocruz, foram fundamentais para o aumento da produção de imunizantes durante a pandemia, por exemplo.
A importância da vacina para a saúde individual e coletiva
A imunização funciona de duas formas: ensina o organismo de um indivíduo a se preparar contra um agente infeccioso (vírus ou bactéria, por exemplo), enquanto coletivamente, cria uma barreira para que esse mesmo agente não possa infectar pessoas mais vulneráveis – desde que o índice de pessoas vacinadas seja de pelo menos 95% da população.
Ao preparar o organismo para lutar contra o vírus ou bactéria, as vacinas também amenizam os sintomas da doença, caso a pessoa seja infectada. Foi assim com a varíola bovina no século XVIII e continua sendo até hoje, com a vacina contra a COVID-19. Espera-se que a vacina da dengue também aja dessa forma, quando estiver pronta.
Por isso é importante combater a desinformação e os movimentos antivacina. Com a circulação de informações falsas e enganosas sobre as vacinas, muitas pessoas estão desistindo da imunização para si e para seus filhos – também pela ilusão de terem vivido numa época em que diversas doenças estavam controladas, exatamente pela existência das vacinas.
A importância da imunização passiva e da caderneta de vacinação
A vacinação é um tema essencial para a saúde pública e para o bem-estar da população, e, há décadas, o SUS segue um calendário de imunização. Manter o debate público e as políticas sobre esse tema ativos é um dos desafios, mas também foi fundamental para que o Brasil atingisse o patamar de referência mundial no tema.
A exigência da vacinação completa de crianças para a matrícula em escolas ou o pagamento de programas sociais como o Bolsa Família, por exemplo, são excelentes mecanismos de incentivo à vacinação. Continuar investindo no Programa Nacional de Imunização (PNI), principalmente com a ajuda de campanhas de comunicação eficientes, pode ajudar a ampliar o acesso à vacinação e aumentar a cobertura vacinal para diversas doenças.
A confiabilidade dos imunizantes
As vacinas são um dos maiores triunfos da medicina preventiva e têm sido essenciais para erradicar diversas doenças e controlar epidemias. Todos os imunizantes disponíveis são extremamente seguros, eficazes, e passam por um rigoroso processo de desenvolvimento e testes clínicos para garantir que ofereçam bons resultados antes de serem disponibilizados à população.
A maioria dos efeitos adversos das vacinas são leves e transitórios, como dor no local da injeção, febre e mal-estar. Os testes clínicos realizados antes garantem a segurança e a eficácia da vacina, já que envolvem um grande número de participantes e diversas etapas de ensaios em laboratório.
A vacinação contra dengue como modernização tecnológica
Assim como a medicina, a vacinação está em constante evolução. A vacinação de COVID-19, por exemplo, demonstrou como somos capazes de desenvolver novas tecnologias e estratégias para a produção de vacinas mais eficazes e seguras.
A tecnologia tem desempenhado um papel fundamental na criação de vacinas contra doenças infectocontagiosas utilizando métodos e estratégias inovadoras. A pesquisa científica está constantemente buscando novas formas de melhorar as vacinas existentes e desenvolver vacinas contra futuras doenças:
Vacinas de subunidades: são as que contêm apenas partes específicas do agente infeccioso, como proteínas. Elas são mais seguras do que as vacinas de vírus inativado, pois não contêm o vírus completo, sem deixar de comprometer a resposta imune do organismo;
Vacinas de vírus inativado: utilizam todo o agente infeccioso, seja vírus ou bactéria, porém já morto (ou inativado), com modificações para não causar os mesmos sintomas que a doença;
Vacinas de DNA: as vacinas de DNA contêm o material genético do agente infeccioso, num processo que induz o corpo a produzir proteínas que estimulam o sistema imunológico para se preparar para a possível infecção. As vacinas de DNA são consideradas mais seguras e eficazes do que as vacinas tradicionais;
Vacinas de RNA: essa tecnologia de vacinas utiliza o RNA mensageiro (mRNA) do agente infeccioso para induzir o corpo a produzir proteínas que estimulam o sistema imunológico. As vacinas de RNA ganharam destaque na pandemia de COVID-19 e são consideradas mais rápidas de produzir e mais eficazes do que as vacinas tradicionais, como pudemos acompanhar. Por seu potencial mais versátil, essa tecnologia é considerada a que tem potencial para o êxito da vacina contra o HIV;
Vacinas combinadas: são uma mistura de antígenos de vários agentes infecciosos, permitindo que a pessoa se vacine contra várias doenças com uma única injeção. As vacinas combinadas são mais eficazes e práticas, facilitando a vacinação de crianças e adultos, e estão presentes em diversos momentos do calendário de vacinação do PNI.
Além das estratégias de imunização passiva, que são as vacinas, a contaminação por muitos desses agentes infecciosos também tem resultados na proteção do corpo, a chamada imunização ativa. Dependendo do vírus ou bactéria, a imunização ativa pode durar para a vida toda, como a catapora, ou por períodos mais curtos, como a janela imunológica após a contaminação pelo SARSCoV-2, o vírus da COVID-19.
O Brasil, Zé Gotinha e as campanhas de vacinação no contexto global
O Brasil tem uma história de sucesso em campanhas de vacinação, com um programa nacional de imunização amplo e eficaz que tem sido essencial para erradicar doenças e controlar epidemias de doenças infectocontagiosas. Comparando nossa situação com a de países que não têm políticas de vacinação ou com cobertura vacinal baixa, a diferença é notável.
Esses países sem programas de vacinação eficazes enfrentam surtos de doenças infectocontagiosas graves, como a poliomielite, o sarampo, a rubéola e a coqueluche, com alta taxa de morte e morbidade, especialmente entre crianças. Além disso, a falta de vacinação representa um fardo significativo para os sistemas de saúde desses países, pois o tratamento de doenças infectocontagiosas e a recuperação de pessoas doentes representam altos custos aos sistemas de saúde.
Países como Índia, México e Afeganistão, além de diversas nações da América Latina, continuam a sofrer com surtos de doenças e índices mais elevados de mortalidade infantil. A imunização na região tenta seguir os caminhos do programa brasileiro.
A importância da caderneta de vacinação
A vacinação é uma das maiores conquistas da medicina preventiva e tem sido essencial para erradicar doenças sem expor a população. O Brasil tem um dos maiores programas de vacinação do mundo, o PNI, que é responsável por garantir o acesso gratuito a vacinas para toda a população brasileira.
É fundamental que haja um debate público aberto, intenso e forte informando sobre a importância da vacinação, além do aumento dos investimentos em programas de educação em saúde e o fortalecimento do PNI para garantir que todos tenham acesso às vacinas e que o Brasil continue a ser líder em vacinação. A vacinação é um direito de todos e um dever de todos e só veremos o fim das pandemias quando todos estiverem imunizados.
Leila Cangussu