Contrariamente a outras épocas, o mundo hoje dispõe de condições materiais e tecnológicas que permitem satisfazer todas as necessidades básicas da população do planeta. Podemos alimentar, vestir, alojar e prover condições sanitárias mínimas a todos, em todas as partes. Mas por insensatez ou incompetência isso não vem sendo possível.
A responsabilidade por tal paradoxo não pode ser creditada apenas aos políticos, que respondem pelas decisões públicas. Também a comunidade científica tem seu quinhão de culpa. Nunca se produziu tanta ciência e tecnologia como hoje, mas temos que reconhecer que esta nem sempre está voltada para as necessidades sociais e para a resolução dos grandes problemas da humanidade. Além disso, parte do "avanço" científico-tecnológico tem servido a atividades destruidoras - da natureza e da paz.
A Universidade, nesse século de tanto progresso e de tanta destruição, tem seu papel. Produziu conhecimentos e idéias e serviu de berço para o florescimento de inovações que ajudaram a mudar o mundo. Alavancou, com pesquisa e desenvolvimento, o fantástico crescimento econômico verificado nas últimas décadas, mas ajudou - ainda que involuntariamente - a produzir tecnologias que tornaram possível a mais extraordinária carnificina da história: 170 milhões de mortos em guerras, só no século XX.
Nas últimas décadas, seguindo o imperativo da especialização das ciências, a universidade passou a se organizar em departamentos. Cada um deles, inevitavelmente, na busca da excelência e do reconhecimento entre seus pares, voltou-se bastante para o recorte disciplinar de objetos de estudo, codificando linguagens que facilitam o diálogo entre iniciados. Entretanto, cada vez mais, a especialização vem dificultando a interação entre diferentes campos das ciências. A cooperação de uma disciplina com outra é cada vez mais problemática e isso subverte o papel social da academia. A lógica da produção científica disciplinar tem-se sobreposto à da resolução dos problemas.
Os desafios da humanidade são suficientemente complexos para não se circunscrever ao universo de uma única disciplina. Acabar com a mortalidade infantil, por exemplo, requer esforços de diversos campos das ciências: saúde, sociologia, política, economia, engenharia sanitária, entre outras. Se estas não estiverem integradas, dificilmente se resolverá o problema. Se a lógica da economia não for compatível com a da ecologia, o mundo buscará consumir mais madeira, mas terá menos árvores.
A universidade do século XXI deverá estar preparada para tomar viável o diálogo entre as disciplinas. Deverá se organizar para resolver problemas que são cada vez mais complexos e interdisciplinares. Terá que construir uma ponte que permita que as diferentes ciências se entendam entre si e produzam conhecimentos úteis e necessários. A recente divulgação do "Prêmio Ig Nobel", o Nobel da inutilidade científica, pela conceituada Universidade de Harvard, nos EUA, é um testemunho da importância de rever os rumos da produção de conhecimentos, de forma a trazê-la ao encontro das necessidades humanas.
Consciente do imperativo de construir a universidade do século XXI, a Universidade de Brasília vem promovendo ações e instituindo um arcabouço institucional que permita o trato dos problemas de nossa época. Paralelamente à organização tradicional em departamentos, onde as questões são tratadas de forma disciplinar, estão sendo criados e consolidados espaços institucionais de ensino e pesquisa interdisciplinar. É o caso do Centro de Desenvolvimento Sustentável - CDS, que abrigará o doutorado em meio ambiente e desenvolvimento e várias outras atividades ambientais atualmente desempenhadas em unidades dispersas no campus. É um espaço de aglutinação de esforços e de melhoria de interlocução da universidade com a sociedade. Já há um convênio assinado com o Ibama, que terá seu quadro técnico capacitado e suas questões operacionais enfrentadas em parceria.
No CDS atuarão professores e pesquisadores de diferentes áreas de formação, unidos em torno da mesma temática, que hoje constitui um dos maiores desafios da humanidade: buscar formas de aumentar o bem-estar social sem comprometer a capacidade da natureza e proporcionar condições iguais ou melhores às futuras gerações.
A universidade do século XXI terá que sair das fronteiras de seus campi, para reencontrar a sociedade. E, para isso, o primeiro passo é a institucionalização de canais de articulação infra-campus. Ciente disso, a UnB está construindo hoje a estrutura necessária à modernização de seu papel.
(*) Reitor da UnB
(*) Professor de Sociologia da UnB, coordenador do planejamento governamental do GDF
Talvez a característica mais impressionante do fim do século XX seja a tensão entre... (o) processo de globalização cada vez mais acelerado e a incapacidade conjunta das instituições públicas e do comportamento coletivo dos seres humanos de se acomodar a ele.
Eric Hobsbawm
Notícia
Gazeta Mercantil