O escultor e desenhista judeu László Zinner nasceu em 1908, em Dömös, na Hungria, mas o antissemitismo presente em seu país e em outros países europeus o obrigou a mudar de cidade ao longo da vida, em busca de paz e liberdade para criar. Na década de 1920, foi para Budapeste rumo a Bruxelas, depois Paris, Madrid, Tânger, Lisboa, até chegar ao Rio de Janeiro, em 1946, e se fixar, posteriormente, em São Paulo, onde viveu até o final da vida, em 1977.
Naturalizado brasileiro, Zinner criou bustos e esculturas de califas (Mulei el Hassan Ben el Mehdi), presidentes (John F. Kennedy) e cantores (Frank Sinatra), entre outros, além de eternizar, com suas esculturas e desenhos, imagens de pessoas comuns. Zinner também foi professor de modelagem e um grande divulgador do esperanto.
A trajetória artística e humana de Zinner é o tema da exposição “Ateliê Universalista”, inaugurada no dia 10 de maio na Casa da Fazenda, no Morumbi, em São Paulo. Estão expostas ali 32 esculturas e 12 desenhos de autoria do artista, responsável também pela criação da estatueta que dá forma ao Prêmio Juca Pato, concedido a intelectuais brasileiros. A curadoria é da professora Maria Luiza Tucci Carneiro, do Laboratório de Estudos sobre Etnicidade, Racismo e Discriminação (Leer) da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.
“A trajetória de László Zinner como artista somente pode ser entendida quando se estuda também a história política da Hungria e da Europa dentro do contexto do antissemitismo e da ascensão do nazismo”, explica a professora. “A trajetória de vida de Zinner coincide com aquela percorrida por outros milhares de refugiados expulsos de seus países pelo nazismo e pelo antissemitismo e que, assim como ele, tiveram familiares assassinados em campos de concentração nazistas”, completa Maria Luiza, que é a coordenadora do Arquivo Virtual do Holocausto (Arqshoah), projeto do Leer e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) que reúne depoimentos de sobreviventes do Holocausto, assim como objetos pessoais e documentos dos refugiados do nazifascismo.
Sobrevivência – Filho de pai católico e mãe judia, Zinner se converteu ao catolicismo em sua passagem por Lisboa. “Omitir sua origem judaica foi uma estratégia de sobrevivência”, explica a professora Maria Luiza. Ela lembra que, entre 1933 e 1948, o governo brasileiro emitiu várias circulares secretas que dificultavam ou mesmo impediam a entrada de judeus no Brasil. Centenas de refugiados receberam vistos na condição de católicos ou como turistas em trânsito.
A exposição reproduz a oficina de trabalho do artista, bem como disponibiliza uma cópia digitalizada do álbum- portfólio que Zinner construiu ao longo da vida, com mensagens de autoridades e amigos, além de recortes de jornais e revistas com notícias sobre a sua trajetória como escultor e desenhista, publicados pela imprensa das diversas cidades onde morou. Segundo Maria Luiza, “detalhes da trajetória de László Zinner foram recuperados com base neste álbum-portfólio, uma peça única da sua história de vida”.
A vida de Zinner foi marcada por convites especiais para retratar personalidades. O califa Mulei el Hassan Ben el Mehdi (alteza imperial do Marrocos, em 1943) solicitou a Zinner que esculpisse o busto dele e de sua esposa – algo raro segundo as tradições muçulmanas. Zinner fez ainda, entre outros, o busto do tenente-general Don Luiz Rogaz y Yoldi (alto comissário da Espanha em Marrocos, em 1943), de Don Antonio Yuste (ex-governador militar de Tânger, em 1941), do general Don Genaro Uriarte (ex-governador militar de Tânger, em 1943), do bispo de Gallipolis de Marrocos, em 1943, do ex-governador do Estado de São Paulo Adhemar de Barros (1949), e de vários reitores da Universidade Presbiteriana Mackenzie, onde lecionou durante décadas.
É dele também uma escultura de John F. Kennedy abraçando um menino negro e que foi entregue ao presidente americano em outubro de 1963, na Casa Branca, em Washington, por uma comitiva brasileira, em nome do então governador Adhemar de Barros e de Leonor Mendes de Barros. Zinner era fã de Frank Sinatra e também produziu uma estátua do cantor americano.
László Zinner participou de inúmeras exposições individuais e coletivas nas cidades por onde passou, sendo agraciado com importantes prêmios e medalhas em reconhecimento à sua arte. Em São Paulo, em 1950, participou da Exposição de Artes Plásticas da Reitoria da USP, recebendo o primeiro prêmio de escultura dessa mostra.
Em Tânger, Zinner lecionou modelagem. Em São Paulo, a convite do arquiteto Christiano Stockler das Neves, foi professor de modelagem e artes plásticas na Universidade Mackenzie, além de coordenar o curso de Desenho e Plástica e de ter sido um dos fundadores dos cursos de Artes Plásticas daquela instituição.
László Zinner se casou em 1958 com Hildegard Frussa Zinner e com ela teve dois filhos: a professora de inglês Silvana Zinner e o baterista Paulo Jorge Zinner (da banda Golpe de Estado e que tocou com Rita Lee, entre outros artistas). Sobre o nome do irmão, Silvana Zinner informa que se trata de uma homenagem: Paulo era o nome do irmão mais velho de László e George era o nome do irmão gêmeo do escultor.
Em 2007, a Universidade Presbiteriana Mackenzie fez uma homenagem a László Zinner, expondo 22 obras do escultor. A exposição foi divulgada pela Associação Húngara 30 de Setembro. Foi por meio dessa divulgação que, posteriormente, Silvana recebeu uma carta em nome de Suzana Koves, neta do irmão mais velho de László, Paulo Zinner. Na carta, Suzana informava sobre o trágico destino de alguns integrantes da família Zinner na Hungria, mas que, felizmente, as filhas de Paulo Zinner conseguiram sobreviver ao Holocausto.
Uma cópia do passaporte de Zinner já foi doada para o Arqshoah e sua trajetória está disponível no catálogo da exposição e no site do Arqshoah. Uma cópia digitalizada do Processo de Naturalização de László Zinner está sendo enviada pelo Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, parceiro do projeto De Apátrida a Cidadão Brasileiro, coordenado pela professora Maria Luiza.
A exposição “Ateliê Universalista” está em cartaz até 10 de junho, de terça a sábado, das 11h às 18h, na Casa da Fazenda (Av. Morumbi, 5.594, Morumbi, São Paulo, telefone 11 3742-2810). Visitas monitoradas podem ser agendadas pelo e-mail leer@usp.br.