Ou seja, no mesmo lugar de sempre… Mais um ministro demitido, no caso, uma Ministra como “M” maiúsculo, com nomeação em seu lugar de um especialista em transações clientelistas (com alguma experiência na área da saúde, felizmente). Aproveitando a deixa do filme brasileiro merecidamente premiado com o Oscar, que entretanto levantou pelo Brasil patriotadas sem conta, como se o tal boneco careca contemplasse futebol, e não Arte …), faço aqui alguns comentários à situação presente no campo da saúde. Mas chega de mau humor. Quero falar hoje, aproveitando a (má) lembrança que o filme nos traz da ditadura militar no Brasil, é de como a tal quartelada afetou a organização de nosso sistema de saúde. Para acalmar os saudosistas, viúvas e viúvos dos fardados, de saída esclareço: alguma coisa positiva aconteceu em tal período…
Sim, de positivo… Por exemplo, a erradicação da varíola, o lançamento das campanhas nacionais de vacinação, a começar da poliomielite, as bases do Programa Nacional de Imunização, a abertura (tímida) do atendimento do Inamps aos não portadores da famigerada “carteirinha” e até mesmo os passos iniciais para a construção do SUS, com as chamadas Ações Integradas de Saúde (AIS), ainda no governo Figueiredo.
Mas é preciso não esquecer que quase tudo isso aconteceu quando a situação de saúde no país estava ficando de fato insustentável, comprometendo até mesmo a estrutura autoritária que os militares montaram. Além disso, havia movimentos a princípio difusos, mas cada vez mais concentrados, pelo retorno da democracia, tendo também a saúde como foco de reivindicações. Havia também mais informações circulando e estava ficando cada vez mais difícil sonegar à opinião pública notícias sobre epidemias e crise hospitalar, além da falência geral do sistema bifronte sob a égide do Inamps.
Cabe lembrar, também, que ao contrário do que fez o estrambótico capitão JMB, filhote dileto da ditadura, os militares de meia-quatro tiveram pelo menos a lucidez de nomear gente competente para os postos de comando no Ministério da Saúde – nenhum deles fardado, aliás. E aqui cabe lembrar de pelo menos três deles, com as honras devidas: Waldir Arcoverde, Ministro no governo de JB Figueiredo e os Secretários Executivos da pasta: Mozart de Abreu e José Carlos Seixas. Podiam ter feito mais do que fizeram, sem dúvida, mas dadas as circunstâncias da época, ainda merecem nossas homenagens.
De toda forma, o que realmente importa veio depois: a criação do SUS, com suas diretrizes filosóficas de direito à saúde, descentralização, participação e comando único e em cada esfera de governo. Isso foi fruto da Democracia, embora ainda inconclusa, que começou a instalada no país depois da Constituição de 1988, quando os militares finalmente foram se dedicar à preparação para uma guerra improvável ou à pintura de meios fios em seus quartéis.
Não se pode negar: com Arcoverde, Jatene, Serra, Temporão, Agenor Alvares, Nisia e alguns (poucos) outros titulares, o Ministério da Saúde já conheceu tempos melhores, antes de ser convertido nesta deplorável bitcoin pós-republicana.
Mas a luta pela Saúde continua e a vitamina democrática sempre será necessária. E bem-vinda!
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Mensagem de Henriqueta Camarotti…
Flavio lendo teu texto, concordo que é sempre bom reconhecer as boas ações de alguns entre um mar de “absurdidade” da época. Senti falta do teu depoimento sobre as boas ações e decisões tomadas pela Ministra com “M” maiusculo. Com certeza seria muito bom deixar registrado o que avançou nesses dois últimos anos de sua gestão. Sobre o ânimo dos brasileiros trazido pelo recebimento do Oscar como melhor filme estrangeiro, eu entendo, até porque não temos nesse momento histórico nada em que nos apegar, de forma a estimular as realizações de uma Nação tão descrente de mudança e de possibilidade de superação das injustiças sociais e a defasagem de condições. Quem sabe um dia poderemos aclamar com fervor providências que melhorem radicalmente a educação publica e possamos ocupar as ruas, levando cartazes escritos: “Viva! estamos no caminho” ” Viva! agora podemos comemorar por viver num lugar onde todos os brasileiros tenham a mesma chance de alcançar a dignidade almejada”.
Minha resposta
Agradeço, Henriqueta, sua participação. De fato faltou falar das realizações de Nisia. Não foi muita coisa mesmo, ou melhor, arrumar a casa depois da hecatombe pazuelo-bolsonarista já seria um grande feito… Mas de toda forma foram retomados programas abandonados e outros tantos colocados a andar. Não foi pouca coisa, de fato. Nisia enfrentou ainda fortes pressões clientelistas da direita e, desconfio, mesmo de alguns de seus “aliados” à esquerda. Consta que o próprio secretário executivo do MS, um sindicalista, esteve longe de ser um aliado real, movido, como geralmente acontece com esta categoria de pessoa, por uma visão unilateral da realidade, não contribuindo para qualquer construção de viabilidade, mas sim de desfazimento. Acho que Nisia fez o que pode e merece um descanso.
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Nisia por Nisia…
Encontrei o Ministério da Saúde desmontado e desacreditado. Ele perdera sua autoridade de coordenar o SUS após a terrível experiência das 700 mil mortes por Covid-19 na pandemia. Durante nosso trabalho de reconstrução, encontramos mais de 4,5 mil UBS instaladas que aguardavam o credenciamento havia quatro anos, mais de 4 mil obras paralisadas, inúmeros leitos de UTI não cadastrados, entre tantas outras mazelas deixadas pela gestão passada.
A tarefa de reconstrução do SUS envolveu avanços e inovação. Assim, mais que dobramos o Mais Médicos com novos incentivos, ampliamos o Farmácia Popular, investimos no Samu para cobrir 100% do país até 2026, incluindo helicópteros — algo que se mostrou providencial na catástrofe no Rio Grande do Sul —, reestabelecemos o cuidado do Governo Federal com a saúde indígena e estruturamos o Mais Acesso a Especialistas, integrando SUS Digital, Saúde da Família e Programa de Redução de Filas, entre outros avanços fundamentais.
Na vacinação, revertemos a tendência de queda dos oito anos anteriores, ampliando a cobertura de 15 das 16 vacinas infantis, reconquistamos o certificado de país livre do sarampo e retiramos o Brasil da vergonhosa lista de países que menos vacinam suas crianças. Em 2025, reduzimos em mais de 60% o número de casos de dengue em comparação ao mesmo período do ano passado.
Deixamos frutos que amadurecem: só nestes primeiros meses do ano, anunciamos o recorde histórico de cirurgias no SUS — 14 milhões — , a parceria com o Instituto Butantan para a vacina nacional contra a dengue, o Farmácia Popular 100% gratuito, a reestruturação dos hospitais federais, o investimento recorde em laboratórios públicos e a incorporação e produção da vacina contra a bronquiolite, uma das principais causas de infecções respiratórias graves, que irá proteger cerca de 2 milhões de bebês em seus primeiros meses de vida.
Os frutos da saúde amadurecem com o tempo e a consistência. Certamente, o ministro Alexandre Padilha saberá dar continuidade e aprimorar esse trabalho com a competência que já demonstrou, renovando o plantio. Agradeço pelas muitas manifestações de apoio de tantas pessoas que, em suas áreas, se dedicam a construir um país melhor. Agradeço ao presidente Lula pela oportunidade e à equipe do Ministério da Saúde pelo trabalho incansável.
Reconstruímos porque avançamos, mesmo diante de imensos desafios. Saio com a certeza de dever cumprido, como alguém que se dedicou e estudou o Brasil e suas desigualdades, e enfrentou tantos desafios, desde a Presidência da Fiocruz, em uma oportunidade única de servir ao meu país e contribuir com a saúde da população e o fortalecimento do SUS.
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