Notícia

Jornal do Brasil

A reforma da universidade

Publicado em 08 fevereiro 1996

Por HESIO CORDEIRO - Reitor da Uerj (1992-1965), professor-adjunto do Instituto de Medicina Social da Uerj
No Brasil da reforma do Estado, as universidades têm que necessariamente participar deste debate crucial. Também elas necessitam de reformas. Além de seus objetos habituais de estudos e pesquisas, a universidade deve se preocupar também com a revisão do papel de suas próprias estruturas. Assim, na sua agenda de reformas imprescindíveis, devem constar os seguintes itens: 1) conceituar a autonomia universitária, ou seja, da gestão das universidades, estabelecendo mecanismos operacionais eficientes; 2) equacionar os entraves do regime jurídico único que engessou o sistema universitário; 3) estabelecer processos de avaliação institucional, internos e externos ao mundo acadêmico, sem o que a autonomia conduz ao risco do enclausuramento da vida universitária. A autonomia universitária foi consagrada na Constituição de 1988 (artigo 207), porém foram poucos os seus resultados práticos, limitando-se, nas universidades públicas, à autonomia sobretudo acadêmica e, nas universidades privadas, à liberdade de gestão financeira por seus mantenedores. Como exceção, citamos somente as três universidades do Estado de São Paulo que, por decreto do governo estadual, recebem um percentual da arrecadação do ICMS definido, a cada ano, em mensagem do governo à Assembléia Legislativa. Alguns pequenos avanços, sem dúvida, foram logrados em outras universidades, como, por exemplo, a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), que, pela Lei 2.208, de 30/12/93, passou a gerir os recursos financeiros arrecadados pela própria instituição decorrentes de convênios, contratos e serviços. Tal medida estimulou o aumento da captação de recursos, ampliando-a de 10% para 22% do orçamento executado e deu mais agilidade ao uso dos recursos pelos próprios professores e pesquisadores. Reconhece-se, no entanto, a necessidade de serem estabelecidas regras operacionais em legislação complementar que incluam, por exemplo: contratos de gestão como instrumentos acordados entre universidade e poder público, estabelecendo metas, prazos, recursos e cronogramas de repasses: decisão de alocação dos recursos de acordo com o contrato de gestão, garantindo-se o manejo orçamentário e financeiro resultantes de captação própria; definição de regras de escolha de dirigentes baseando-se no princípio democrático da assimetria do saber, isto é, os professores devem deter maior parcela de poder decisório; reitores, vice-reitores e pró-reitores devem ser titulados em nível de doutorado ou equivalente. A implantação do regime jurídico único produziu um imobilismo da gestão de pessoal universitário. Dada a necessidade de maior flexibilidade para a realização de projetos de pesquisa, interação com a indústria, estimulo à capacitação acadêmica e prestação de serviços, é desejável que as universidades tenham um segmento de pessoal qualificado e devidamente titulado, gozando de estabilidade após um certo número de anos de produção científica. Os professores visitantes e pessoal técnico para projetos de curto prazo ou para consultorias seriam contratados temporariamente, após estabelecimento de tarefas e metas bem explicitadas. É necessário que o regime de dedicação exclusiva esteja vinculado ao julgamento de doutores da instituição e da comunidade científica externa à universidade, com acompanhamento da produção científica e avaliação a cada três anos - forma adotada pelo sistema Prociência implantado na Uerj em 1995, onde a dedicação exclusiva não é incorporada e nem vitalícia, dependendo, portanto, da qualidade da produção científica. Por último, é imprescindível estabelecer um sistema de avaliação institucional como contrapartida da autonomia, com dimensões qualitativas e quantitativas, componentes internos e externos, envolvendo, nestes últimos, o poder público, empresas que interajam com a universidade e outras instituições da sociedade, além da comunidade científica. A avaliação serve de orientação para decisões do governo e da universidade quanto a programas prioritários, projetos de investimentos e definição de recursos. Beneficiando-se da reforma universitária, o Estado brasileiro poderá utilizá-la como base permanente para a continuidade de suas reformas, a partir de fundamentos e princípios pluripartidários e democráticos, tornando-se mais forte, ágil e capaz de promover a superação tão ansiada das desigualdades sociais.