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A principal lição da mudança climática, artigo de José Eli da Veiga

Publicado em 19 fevereiro 2008

"O planeta poderá estar mais frio dentro de 20 anos, contrariando a tão alardeada previsão de aquecimento global"

Mudanças climáticas são mais determinadas por radiações cósmicas do que por ações humanas. Por isso, o planeta poderá estar mais frio dentro de 20 anos, contrariando a tão alardeada previsão de aquecimento global. Estas duas frases sintetizam a mensagem de um relatório entregue ao ministro de C&T, o físico Sergio Rezende, na última quinta, 14 de fevereiro.

Entre os signatários, três de seus ilustres colegas de profissão: José Carlos Azevedo (ex-reitor da UnB), Fernando Mendonça (primeiro presidente do Inpe), e Luis Carlos Molion, diretor do Instituto de Ciências Atmosféricas da Universidade Federal de Alagoas. Como todos os outros "céticos", essa trinca considera das mais "alarmistas" a tese consagrada pelo IPCC, o bunker científico da ONU ganhador com Al Gore do último Prêmio Nobel da Paz.

 

Apesar de ser um debate que não pode sequer ser entendido por quem não tenha capacidade de decifrar os complexos modelos utilizados na ciência do clima, é extremamente comum observar entre leigos grande firmeza no apoio a um dos lados.

Desde quem não teve qualquer iniciação científica, até eruditos intelectuais. Alguns chegam a desqualificar a tese oposta, como se nem mais houvesse sombra de dúvida. Posição que os próprios dirigentes do IPCC não poderiam assumir, pois algum grau de incerteza é reconhecido em todos os seus documentos.

É inevitável, então, que se pergunte: o que pode levar alguém a estar tão convicto de uma tese que permanece controversa entre os cientistas da área? O que faz com que se tome como certeza algo que, no limite, permanece uma hipótese?

Qualquer resposta passa necessariamente pelo entendimento dos processos de formação mental da percepção do risco. Sabe-se que ela resulta de cruzamentos entre visões da natureza e visões da condição humana, dos quais emergem três principais propensões: não levar a sério qualquer intenção de reduzir riscos; adotar apenas medidas preventivas que não comprometam liberdades; persuadir a coletividade a adotar medidas drásticas necessárias à sua eliminação, com muralhas institucionais capazes de lidar com eles do jeito que um exército lida com o inimigo.

Explicações bem detalhadas desses processos estão no excelente livro "Risk", do professor britânico John Adams, que felizmente logo terá tradução da Editora Senac.

Sob avalanche de controvérsias sobre clima, embriões, energia nuclear etc, nada pode ser pior para uma nação do que o analfabetismo científico

Todavia, grande parte dos torcedores do IPCC retrucará que, muito pelo contrário, orientam-se por algo bem mais racional do que qualquer tipo de intuição ou pressentimento resultante da combinação de visões pré-analíticas da natureza e da humanidade. Que se guiam pelo "princípio da precaução", segundo o qual, diante da possibilidade de dano grave e irreversível, não devem ser adiadas medidas que visem evitá-lo, por mais que haja incerteza sobre as reais causas do perigo, ou sua magnitude.

Aplicado à questão climática, manda agir conforme a pior hipótese: cortar emissões de gases estufa e preparar adaptação a acelerado aquecimento. Mesmo que haja a possibilidade de tal perigo sequer existir, como pretendem os "céticos".

Dois sérios problemas dessa forma de pensar merecem mais reflexão pelos entusiastas adeptos da precaução. O primeiro é que qualquer alusão a esse princípio só confirma a prevalência da incerteza. Não serve, portanto, para justificar inabalável convicção sobre o aquecimento. Chega mesmo a ser hilário que tal princípio seja evocado justamente por quem também afirma ter absoluta certeza de que a ação humana está provocando aquecimento global.

O segundo problema, bem mais profundo, resulta do contraste que se estabeleceu entre a boa acolhida dos juristas a um princípio que só lhes poderia ter parecido dos mais sensatos e a crescente contestação que ele provoca entre os teóricos do risco e do seguro (principalmente economistas e engenheiros).

Por não enxergarem qualquer diferença substantiva entre prevenção e precaução, reduzem a segunda à primeira. Como conseqüência, é para um plano dos mais filosóficos que se transfere a discussão sobre essa nova retórica que se pretende o supra-sumo da ética. E não deve haver melhor contribuição para esse movimento de idéias do que o "catastrofismo esclarecido" proposto pelo matemático francês Jean-Pierre Dupuy, hoje professor de filosofia na Politécnica de Paris e na Universidade de Stanford.

Baseando-se em seus estudos sobre o processo de dissuasão nuclear, Dupuy insiste que os comportamentos dos agentes com poder de decisão só se alteram se eles realmente acreditarem no pior. Se passarem a crer que a catástrofe é inelutável. Assim, o simples anúncio do futuro pode modificá-lo, desde que seja crível.

 

Como a espécie humana adquiriu meios de destruir a biocapacidade dos ecossistemas dos quais depende, acelerando o processo de sua própria extinção, só haverá esperança se a inevitabilidade da catástrofe for conscientemente assumida pelos políticos.

Nessa perspectiva, foi muito bom saber que a reação do ministro Sergio Rezende foi a de lavar as mãos e se negar a falar com a imprensa após o afável encontro com seus colegas "céticos". Conforme telegráfico recado transmitido por assessores, "as informações recebidas já foram encaminhadas ao IPCC, que deve debater a validade da teoria apresentada" (Folha de S.Paulo, 15/02/08).

O que mais importa, contudo, é perceber que, sob avalanche de controvérsias a respeito de mudança climática, embriões, energia nuclear, biodiversidade, transgênicos, etc, nada pode ser pior para uma nação do que o analfabetismo científico. É essa a maior tragédia do Brasil, país com o pior índice de interesse por ciência entre os ibero-americanos (Agência Fapesp, 11/02/08).

Qual pode ser o impacto da abnegação de heróis - como os "pais que saíram de férias", Amélia e Ernest Hamburger - se o aprendizado científico continuar tão calamitoso nas escolas, particularmente no ensino fundamental? E na contramão da Argentina, que até declarou 2008 "o ano do ensino da ciência", certamente também por ter entendido as implicações de controvérsias como a da mudança climática.

José Eli da Veiga professor titular do departamento de economia da FEA/USP e autor de "A Emergência Socioambiental" (Ed. Senac, 2007). Artigo publicado no "Valor Econômico":