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Jornal da Ciência online

A pressão pelo acesso aberto está tornando a ciência menos inclusiva (5 notícias)

Publicado em 31 de agosto de 2021

“Pesquisadores de países em desenvolvimento podem ser excluídos pelas altas taxas dos artigos, a menos que uma reforma ampla editorial seja feita”, afirmam Alicia Kowaltowski, professora de bioquímica da Universidade de São Paulo (USP), Marcus Oliveira, professor de bioquímica médica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Ariel Silber, professor de parasitologia da USP, e Hernan Chaimovich, professor emérito de química da USP 

É difícil argumentar contra a visão de que a pesquisa desenvolvida predominantemente com financiamento público deve ser acessível a todos.

Claro, sempre foi possível solicitar uma cópia de um artigo aos autores. Mas se por um lado isso facilitava o contato entre leitores e autores, por outro inconveniente. Nem os preprints são substitutos adequados. Sua qualidade é altamente variável e sua quantidade absoluta é tal que mesmo um trabalho sólido normalmente atrai a atenção somente após ser revisado por pares e publicado em um periódico reconhecido.

Mas a remoção de paywalls tem um custo para cientistas e instituições — e, em países em desenvolvimento, esse custo ameaça ser proibitivo. À medida que os mandatos de acesso aberto proliferam, fica cada vez mais claro que nós, cientistas do mundo em desenvolvimento, provavelmente seremos cada vez mais excluídos da publicação em um grande subconjunto de periódicos.

As taxas de processamento de artigos (APCs — Article Processing Charges) têm subido bem acima da inflação e dos custos estimados de serviços do acesso aberto — variando entre US$ 200 (£146) e US$ 1.000 por artigo. Existem provedores de acesso aberto que operam nessa faixa de preço, como o SciELO (Scientific Electronic Library Online), biblioteca digital latino-americana com mais de 1.000 periódicos. No entanto, as revistas científicas nas quais pretendemos publicar cobram pelo menos US$ 2.500, enquanto APCs de US$ 4.000 são considerados dentro da “faixa normal”. A Springer Nature anunciou recentemente que cobrará US$ 11.390 por mais de 30 de seus prestigiosos periódicos Nature.

Aqui no Brasil, as bolsas federais de dois anos para pesquisa são limitadas entre US$ 5.640 e US$ 22.560, dependendo da experiência do pesquisador. Até mesmo nossa agência de fomento à pesquisa mais generosa, a Fapesp do Estado de São Paulo, limita suas bolsas regulares de pesquisa a pouco menos de US$ 30.000 por ano. Essa soma é usada para cobrir todos os equipamentos, consumíveis e serviços, incluindo APCs.

Quando mencionamos essas barreiras econômicas para colegas internacionais, muitas vezes ouvimos que a solução é um sistema de isenção para economias em dificuldades. Na verdade, o “Plano S”, que lidera a pressão pelo acesso aberto, estipula que “o periódico/plataforma deve fornecer isenções de APC para autores de economias de renda baixa e descontos para autores de economias de renda média-baixa”. Mas a maioria dos países latino-americanos com produção científica significativa, como Brasil, Argentina e México, bem como países grandes, como China e Federação Russa, são classificados pelo Banco Mundial como economias de renda média-alta. Cientistas nessas nações devem, portanto, pedir isenções individuais (com base, como diz o Plano S, em “necessidades demonstráveis”) após a aceitação do manuscrito. Se a dispensa for negada ou o desconto for insuficiente, o único direito do autor é levar o manuscrito para outro lugar, reiniciando o já demorado processo de revisão.

É claro que, visto que todas as publicações estão em formato de acesso aberto, os investimentos atualmente feitos em assinaturas de periódicos podem ser transferidos para cobrir APCs. Mas, no Brasil, as assinaturas de periódicos são negociadas pelo consórcio de bibliotecas Capes Periódicos, que fornece acesso a livros, revistas e bases de dados científicas para instituições de pesquisa de todo o país. Seu orçamento para 2021 é de cerca de US$ 75 milhões, dos quais cerca de 70% provavelmente serão gastos no acesso a textos completos — ou seja, cerca de US$ 50 milhões. O Brasil publica cerca de 56.000 artigos acadêmicos anualmente, portanto, mesmo que todo esse valor fosse destinado a artigos científicos (em detrimento de outros acessos de texto completo que o portal oferece atualmente, como livros), o valor médio disponível por artigo seria menor que US$ 1.000.

Para evitar que a publicação se torne economicamente proibitiva, a pressão pelo acesso aberto acima de todas as outras prioridades de publicação deve ser substituída por uma pressão pela verdadeira inclusão. As medidas necessárias incluem, no mínimo, a extensão de isenções totais para países de renda média-baixa e a extensão de descontos automáticos substanciais para países de renda média-alta, como o nosso.

A comunidade científica também deve garantir práticas e preços justos na publicação acadêmica. Consórcios de agências de financiamento nacionais poderiam coletar e analisar os orçamentos dos editores, comparando-os com os custos de publicação estimados e decidindo sobre um preço justo máximo que estariam dispostos a pagar.

Individualmente, os cientistas devem priorizar periódicos apoiados por sociedades científicas e cientistas ativos em suas áreas, garantindo que ao menos parte dos lucros dos periódicos retorne à comunidade científica. Idealmente, coletivos de pesquisadores deveriam criar seus próprios periódicos não comerciais “diamantes”, gratuitos para autores e leitores, como um grupo de pesquisadores em nossa área, a bioenergética, fez recentemente. Mas os pesquisadores precisarão apoiá-lo: para esse fim, elogiamos o plano francês de amparar especificamente essas iniciativas locais de periódicos “diamantes”, em uma tentativa de quebrar o “glamour” das revistas superfaturadas.

Como professores bem estabelecidos na América Latina, somos resilientes e capazes de produzir ciência de qualidade em condições desafiadoras. No entanto, se a tendência atual continuar, nossas opções de publicação serão limitadas pelo preço que podemos pagar. Tememos, particularmente, que este estado de coisas faça com que os resultados de nossos alunos sejam avaliados desfavoravelmente, diminuindo suas chances de obter posições competitivas em todo o mundo, nas quais eles possam se destacar.

A pressão para o acesso aberto primeiro, sem uma reforma mais abrangente na publicação acadêmica, tornará a ciência um pouco mais acessível. Mas também a fará muito menos inclusiva.

The World University Ranking

*Tradução: Jornal da Ciência

*O artigo reflete exclusivamente a opinião do autor