Livro analisa a obra do educador alemão Wilhem Flitner, que ajudou a desenvolver uma teoria de pesquisa pedagógica integrada à filosofia e às ciências humanas
Desde meados século 19 as transformações decorrentes do processo de industrialização exigiram a democratização da educação. Isto é, criaram novas demandas de ensino, voltado à preparação para o trabalho. Nesse contexto, surgiram novas idéias pedagógicas.
Nos EUA, John Dewey propõe que a escola seja um laboratório da vida democrática, pública, gratuita e laica, com métodos fundados na psicologia do educando e ensino centrado no aluno, não mais no professor, como na escola tradicional. Com Dewey surge o pensamento escolanovista, que tanto marcou os educadores brasileiros, como Fernando Azevedo e Anísio Teixeira.
Menos conhecido no Brasil é o educador alemão Wilhem Flitner (1889-1990). Para escrever sua Pedagogia Geral, Flitner busca fundamentação filosófica no pensamento de Wilhelm Dilthey. Formula então a noção da pedagogia como ciência do espírito.
Mas o que é ciência do espírito? Quais as relações entre a obra pedagógica de Flitner e o pensamento de Dilthey? É isto que a professora Maria Nazaré de Camargo Pacheco Amaral se propõe a explicar em Flitner: Fundamentação Filosófica da Pedagogia Sistemática ou Geral.
Significa, em primeiro lugar, uma tentativa de superar o positivismo de August Comte no campo da educação. E elaborar as bases da pedagogia como disciplina universitária autônoma. Este tema foi debatido na revista A Educação, dirigida por Flitner, entre 1925 e 1937, quando a revista teve que fechar devido à ascensão do nazismo.
O livro de Maria Nazaré é dividido em três capítulos. O primeiro aborda a vida e a obra do pedagogo. Flitner faz parte de um grupo de pedagogos como Herman Nohl, Theodor Litt e Eduard Spranger, entre outros, que, preocupados com a criação da pedagogia, como disciplina universitária, desenvolve, a partir dos trabalhos de Dilthey, uma teoria de pesquisa pedagógica integrada à filosofia e ás ciências humanas, de acordo com o método hermenêutico. Isto é, com um procedimento que permite compreender a relação das partes com o todo, em termos de significado.
Durante o regime de Hitler, Flitner escreveu sobre Goethe e continuou trabalhando como professor. Nas aulas, ensinava Maquiavel, Platão, em linguagem erudita e bem difícil, para despistar possíveis espiões e continuar dando suas lições. Ao longo de sua vida, Flitner foi professor de pedagogia em Kiel e em Hamburg. Como diretor da Escola Superior Popular de Iena, tinha preocupação especial com a educação profissionalizante de adultos.
No segundo capítulo a autora mostra que a pedagogia é, para Flitner, uma disciplina teórico-prática. Nela, a teoria constituiu uma reflexão critica sobre a ação prática educacional. Seu conceito fundamental é o de educabilidade. Significa a possibilidade do ser humano aprender e se modificar. Mas para Flitner a educabilidade é determinada pelas condições biológicas, psicológicas, histórico-sociais e espirituais. Nas palavras de Maria Nazaré, esta quarta condição é uma consideração pessoal relacionada com o despertar da consciência para a fé cristã, o único caminho capaz de livrar o homem do mal.
A pedagogia como ciência do espírito situa-se nos marcos dos movimentos de reforma pedagógica, entre os quais destacam-se o Movimento da Juventude, que buscava um estilo de vida mais próximo da natureza e um retorno à comunidade, e o Movimento da Escola Superior Popular de 1919, época da consolidação da Social Democracia na Alemanha, com a Constituição da República de Weimar. São movimentos que Weber chamou de anti-intelectuais, apegados a um passado de comunidade natural e à religião que, para o autor de A Ciência Como Vocação, representa o sacrifício do intelecto. Mas o livro não toca nestas questões.
O foco da análise é o diálogo entre Flitner e Dilthey, analisado no último capítulo, no qual a autora conclui que pedagogia, em Flitner, constitui uma réflexion engagée, traduzida como compromisso responsável com a conjuntura pragmática, dentro de uma perspectiva histórica, na busca de uma segurança prática. Mas isto não é explicado.
FLITNER: FUNDAMENTAÇÃO FILOSÓFICA DA PEDAGOGIA SISTEMÁTICA OU GERAL, de Maria Nazaré de Camargo Pacheco Amaral. Edusp/Fapesp, 142 págs., R$ 14,00.
Notícia
Jornal da Tarde