Este artigo, elaborado por Maurício Buosi Lemes e publicado na Revista de Informação Legislativa, investiga a atuação da sociedade civil na definição, no acompanhamento e na fiscalização de projetos desenvolvidos pela DPESP (Defensoria Pública do Estado de São Paulo).
Com base em um estudo de caso que analisou conferências da instituição do período entre 2007 e 2017, o autor apresenta resultados que mostram questões reivindicadas pela sociedade. Garantia de serviços públicos, defesa dos direitos dos cidadãos em situação de rua e combate à criminalização dos movimentos sociais são alguns dos temas.
A qual pergunta a pesquisa responde?
Quais são os desafios envolvidos na implementação e no monitoramento das políticas institucionais da Defensoria Pública do Estado de São Paulo referentes ao acesso à habitação, ao urbanismo e aos conflitos agrários?
Por que isso é relevante?
A Defensoria Pública conquistou uma posição de destaque na organização do sistema de justiça e nas políticas públicas de acesso à justiça estabelecidas pela Constituição Federal de 1988. Expressão e instrumento do regime democrático, ela foi desenhada como instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, com as atribuições de orientação jurídica, promoção dos direitos humanos e defesa – em todos os graus, judiciais e extrajudiciais – dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, das pessoas necessitadas e em situação de vulnerabilidade social.
A Defensoria Pública do Estado de São Paulo inovou no sistema de justiça ao prever, de acordo com a Lei Complementar Estadual nº 988/2006, como direito das pessoas que buscam atendimento, a participação na definição das diretrizes institucionais, no acompanhamento e na fiscalização das ações e dos projetos desenvolvidos pela instituição. Para operacionalizar tal direito, a DPESP realiza os ciclos de conferências a cada dois anos.
Assim, a relevância da pesquisa está na investigação desses ciclos de conferências para compreender os impactos e os resultados que a DPESP tem alcançado ao implementar seus planos de atuação institucional, construídos com base num desenho de democracia participativa.
Resumo da pesquisa
Como metodologia, a pesquisa se baseou em um estudo de caso que analisou dados documentais do Conselho Superior da Defensoria Pública relativos às conferências, relatórios de monitoramento da implementação dos planos de atuação institucional e relatórios de gestão da Ouvidoria-Geral.
Os documentos do Conselho Superior da Defensoria Pública foram obtidos através de solicitação encaminhada ao Serviço de Informação ao Cidadão da instituição. Já os relatórios de monitoramento e de gestão da Ouvidoria-Geral foram coletados no portal eletrônico da DPESP.
Foram organizados, em cada ciclo de conferências do período de 2007 a 2017, as propostas aprovadas no âmbito da conferência estadual no eixo temático habitação, urbanismo e conflitos agrários, os planos de atuação construídos relativos a tais propostas e as respostas que a DPESP tem oferecido no monitoramento em termos de ações institucionais voltadas à implementação desses planos.
Com a organização do material, buscou-se identificar os temas recorrentes nas conferências e os padrões de resposta da DPESP às metas definidas em seus planos de atuação institucional. Posteriormente, esses dados foram analisados à luz do referencial teórico das capacidades estatais para implementação de políticas públicas.
Quais foram as conclusões?
Os dados coletados permitiram identificar a recorrência de propostas nas quais a sociedade civil reivindica a atuação da instituição. Tais temas referem-se à regionalização do atendimento em habitação e urbanismo; à promoção da tutela coletiva; ao combate da criminalização dos movimentos sociais e da violência policial em operações de reintegração de posse; à garantia de serviços públicos e de programas de financiamento de unidades habitacionais e de locação social para a população de baixa renda; à realização de atividades de educação em direitos e ao fortalecimento da interação da instituição com os movimentos sociais; à proteção dos direitos de pessoas em situação de rua; e ao trabalho na regularização fundiária de assentamentos precários e clandestinos.
Em termos de organização institucional para a implementação dos planos de atuação, a demanda pela regionalização do atendimento em habitação e urbanismo parece ser estratégica, por designar responsáveis pelo funcionamento das políticas institucionais nas unidades da DPESP localizadas nas macrorregiões do interior do estado. Contudo, as respostas oferecidas no monitoramento sugerem uma resistência do Conselho Superior de Defensoria Pública em distribuir, organizar e colocar em funcionamento as atribuições de tutela coletiva das defensorias no âmbito das unidades regionais da DPESP.
É possível identificar alguns padrões de respostas da DPESP às metas definidas em seus planos de atuação – implementadas e em implementação, com abertura de procedimentos administrativos – e, em boa parcela delas, o Núcleo Especializado de Habitação e Urbanismo aparece como o ator institucional responsável pelo seu encaminhamento. Assim, há um movimento de desresponsabilização da instituição como um todo em relação às reivindicações da sociedade civil organizada por meio do direcionamento de tais demandas apenas aos núcleos.
Os planos de atuação institucional, construídos pela DPESP com base nas propostas aprovadas nas conferências, vêm repercutindo de modo bastante desigual na instituição. Na maior parte das vezes, as ações restringem-se ao núcleo especializado da temática. As unidades regionais e locais não aparecem implicadas na execução, na avaliação e na prestação de contas da implementação desses planos. Assim, a DPESP vem demonstrando uma baixa capacidade institucional de mobilizar e de monitorar a incidência do plano nas ações institucionais em nível local.
Do ponto de vista das capacidades estatais, considerando os diferentes contextos de implementação em que a instituição está inserida, entende-se que as capacidades burocrático-organizacionais e de integração entre os distintos órgãos da DPESP precisam ser fortalecidas, com o envolvimento mais ativo dos recursos humanos e organizacionais no âmbito das unidades regionais e locais.
Quem deveria conhecer seus resultados?
Profissionais do direito e de áreas afins que atuam em Defensorias Públicas e no sistema de justiça de modo geral, participantes de movimentos sociais e entidades da sociedade civil organizada que interagem com o sistema de justiça.
Maurício Buosi Lemes é bacharel em direito pela FDRP-USP (Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo) e mestre em direito pela mesma universidade, com estágio de pesquisa no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. Atualmente, é doutorando vinculado à Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas , com Bolsa Mario Henrique Simonsen de Ensino e Pesquisa e da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). Realiza projeto de pesquisa sobre acesso à justiça e participação dos núcleos especializados da Defensoria Pública do Estado de São Paulo na produção de políticas públicas. Também auxilia na coordenação do Grupo de Estudos em Formação Docente e Metodologia do Ensino do direito, sediado na FDRP-USP.
Referências:
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