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A nova Secretaria Extraordinária de Ciência, Pesquisa e Desenvolvimento em Saúde (1 notícias)

Publicado em 13 de junho de 2022

por Carmino de Souza

Em maio o governador Rodrigo Garcia criou a Secretaria Extraordinária de Ciência, Pesquisa e Desenvolvimento em Saúde e indicou meu amigo e colega David Uip para as ações de implantação e organização das ações futuras. Alguns dias após, recebi o honroso convite para assumir a Secretaria Executiva com a responsabilidade de compartilhar com o David estas ações. Enorme surpresa e a possibilidade de um retorno ao Governo do Estado de São Paulo 30 anos após, em outro desafio.

A pergunta óbvia é: qual a motivação para criar esta secretaria tendo em vista que esta gestão terminará em 31/12/2022? Dará tempo para fazer algo ou deixar algum legado ao próximo governo do estado?

Em 1993 fui convidado pelo então governador Luiz Antonio Fleury Filho para assumir a Secretaria de Estado da Saúde. Fui o terceiro Secretário da Saúde daquela gestão e como servidor público de carreira aceitei como mais um grande desafio. Foi um período também curto e extremamente difícil. Aliás, foi muito pior do que hoje do ponto de vista econômico, tenham certeza.

Tínhamos, à época, inflação de 45% ao mês, arrecadação baixíssima no estado e tivemos quatro moedas no país, o que quase inviabiliza qualquer gestão seja ela pública ou privada. Mas, apesar deste cenário de enorme dificuldade, valeu a pena pois criamos bases jurídicas e institucionais fundamentais ao desenvolvimento do SUS em nosso estado.

Nesse período, criamos os conselhos de saúde, a comissão Inter gestora bipartite, desenvolvemos em parceria com a Alesp, o código de saúde, consolidamos a lei 8080 em nosso estado, entregamos alguns Hospitais do plano metropolitano etc, etc. Assim, mesmo com enormes dificuldades avançamos e preparamos vários terrenos para o futuro do SUS e da Secretaria de Saúde em São Paulo. E agora?

Por que esta Secretaria é necessária e deverá criar políticas de estado para o futuro?

Estamos ainda vivendo sob a égide da pandemia do SarsCov2 e todos são testemunhas da gravidade e da agressividade desta pandemia sobre todos nós. Nestes quase dois anos e meio, vivemos entre o medo e o luto que só foi atenuado e razoavelmente controlado pelo trabalho impressionante de nossos cientistas e profissionais de saúde. Vivenciamos algo que nenhuma geração que vive hoje em nosso planeta viveu no passado e esperamos que não venham a vivenciar novamente no futuro.

Esta pandemia escancarou nossas fraquezas, mas também demonstrou nossas fortalezas. Dentre as fraquezas, ficou claro nossa absoluta e perigosa dependência externa de insumos, produtos e mesmo de serviços no país. No momento em que o hemisfério norte vivenciava a pandemia em seu auge de agressividade ela chegou ao Brasil e nós tivemos a nítida sensação de absoluta indigência em muitos segmentos. A desorganização do país foi total. Vivemos por muitos e muitos meses sem comando nacional e com a sensação do “salve-se quem puder”.

Insumos sumiram! Os preços dispararam em um momento onde o consumo era cada vez maior. Os riscos aos pacientes e, porque não dizer, aos gestores se tornaram enormes pelo mercado absolutamente especulativo e inseguro.

Pela primeira vez e isto foi muito bom e devemos não só lembrar, mas potencializar este fato, tivemos uma enorme solidariedade entre os vários segmentos da sociedade. Serviços públicos e privados estiveram lado-a-lado tentando maximizar recursos materiais e humanos. Empresas de produção de bens e serviços trabalharam em seus limites e muitos redirecionaram suas produções para atender as demandas da pandemia. A Fapesp apoiou dezenas de projetos ligados à pandemia. Conseguimos em nosso estado, sem dúvida, dar dignidade à nossa população fazendo com que todos tivessem uma “porta aberta” para o seu atendimento.

Parece simples dizer isto, mas assistimos países ricos e estruturados como a Itália, Bélgica etc. bem como cidades como Nova Iorque, entrarem em absoluto colapso em seu atendimento médico e de saúde e em seu sistema funerário. O reconhecimento destas nossas dificuldades com a ideia de que isto não venha ocorrer novamente, foi a grande motivação para a criação desta secretaria. Os objetivos são que ela possa com o trabalho de todos e de maneira transversal agrupar e potencializar todos os recursos existentes e, além disto, criar e desenvolver áreas de pesquisa, inovação e desenvolvimento voltado ao bem-estar e domínio tecnológico na saúde. Além disto, organizar e fomentar nosso parque produtivo de fármacos, imunobiológicos, insumos etc. a partir da ciência, demandas e políticas públicas.

Esta Secretaria não tirará nada de ninguém. Ela será uma secretaria de articulação e de fomento de políticas públicas de estado para pesquisa, inovação e desenvolvimento em saúde.

Ela estará lado-a-lado com as Universidades, Institutos de pesquisa, órgãos de fomento (como a Fapesp, por exemplo), outras secretarias, outros entes federados (federal e municipais), Hospitais públicos, privados e filantrópicos, segmentos produtivos associados à saúde para produção de bens duráveis e insumos fundamentais, etc. A vulnerabilidade do país durante a pandemia mostrou que devemos avançar de maneira mais rápida para o domínio e produção de bens e serviços nesta área. Além disto, usando todos os nossos recursos existentes e a serem gerados, ampliar nossa capacidade no campo científico, tecnológico e de inovação colocando o país em novo nível de protagonismo e autonomia. É claro que não faremos isto em seis meses.

Entretanto, uma longa caminhada começa com os primeiros passos que devem ser firmes e consistentes. Não tenho dúvidas de que precisamos avançar. Temos extraordinária massa crítica, projetos avançados no campo da biotecnologia com estruturas, laboratórios e de produção que podem dar respostas rápidas e resolutivas. Espero que tenhamos a sabedoria de entender e aproximar a todos que com interesse público nos ajudem e participem.

Este, em minha opinião, não deve ser apenas um modelo para o estado de São Paulo, mas sim para o país.

Importante deixar claro, que não estamos focando apenas a pandemia com seus agravos e desafios. A ideia é para a saúde como um todo. Podemos citar áreas de grande prioridade como a oncologia, doenças crônicas não infecciosas, doenças negligenciadas, doenças raras, etc, etc. Vamos adiante e espero que a sociedade compreenda e apoie o que está sendo proposto.

Carmino Antonio De Souza é professor titular da Unicamp. Foi secretário de saúde do estado de São Paulo na década de 1990 (1993-1994) e da cidade de Campinas entre 2013 e 2020