A profunda revolução representada pelo desenvolvimento da informática e pela expansão da web - já designada como a Segunda Revolução Industrial -tem se revelado como o instrumento primordial de um contínuo aperfeiçoamento tecnológico no âmbito das comunicações, em escala mundial. A par disso, porém, sua ampla gama de possibilidades e seu descomunal crescimento têm provocado inúmeras dúvidas e debates.
Um pequeno livro lançado pela Editora Fundação Perseu Abramo, Diálogos da Perplexidade - Reflexões Críticas sobre a Mídia, trata de maneira original alguns aspectos dessa situação, principalmente presentes no campo do jornalismo, mas eivados de implicações políticas. Seus autores são Bernardo Kucinski, jornalista, escritor e professor titular aposentado da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, e Venício A. de Lima, sociólogo e jornalista, professor titular aposentado da Universidade de Brasília.
O texto tem a forma de um diálogo bem-humorado, sagaz e otimista. Os autores partem da pergunta básica: para onde vai o jornalismo, diante da revolução tecnológica da internet e de seus desdobramentos? Afastando-se das previsões apocalípticas dos que costumam ver nos novos meios uma ameaça à profissão de jornalista e aos meios tradicionais de comunicação, concordam, Kucinski e Lima, em um ponto fundamental: que ao jornalismo clássico, historicamente tido como votado ao noticiário e mediador discursivo, deverá suceder outro tipo - um jornalismo de qualidade, analítico, alternativo à informação imediata, veiculada hoje de modo muito mais eficiente e democrático pela internet. Ilustrando essa tendência, diz mesmo Kucinski que o melhor jornalismo hoje no Brasil você vê em veículos institucionais e não da imprensa convencional, de mercado - e como exemplo dessas publicações cita a revista Pesquisa, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), e esta em que escrevemos, Problemas Brasileiros, acrescentando que até a Kalunga, de uma rede de papelarias, tem trazido reportagens melhores do que as da mídia convencional.
São realmente muitos os rompimentos simultâneos, segundo os autores - o da verticalidade das comunicações proporcionada pela mídia tradicional, e a quebra da própria definição do produto jornalístico, isto é, da periodicidade. O noticiário, a intercomunicação, é constante, na internet- e hoje não é mais somente a molecada que surfa pelos multicaminhos do computador. Os jornais mais tradicionais procuram, todos, combinar as vantagens nos dois campos, e os mais renomados jornalistas constituem seu próprio blog diário, numa comunicação mais direta com o leitor.
A Segunda Revolução Industrial, em processamento no que se refere à internet, parece ter um caráter oposto ao da Primeira, isto é, enquanto esta era concentradora, destruindo o artesão para atingir a fabricação em série, a internet dinamiza e fragmenta o trabalho. Na redação dos jornais, por exemplo, só encontramos hoje os focas, os repórteres novatos, enquanto os redatores, os articulistas produzem em casa, ligados pela rede ao mundo todo. É um processo que tende a desestabilizar, questionar os tradicionais formadores de opinião - do mesmo modo que o ensino superior está sendo descentralizado, tornando-se cada vez menos dependente dos mestres devido à imensa gama de possibilidades de pesquisa dos novos meios de comunicação.
É evidente que, nesse contexto, a velha questão do diploma, ou antes, da regulamentação ou não da atividade jornalística, exige novas perspectivas. Em nome de um livre exercício da profissão e para desvinculá-la do autoritarismo constitucional que vige no país, Bernardo Kucinski se diz revoltado por ter de pedir permissão para ser jornalista não diplomado. Já Venício Lima é mais moderado. Reconhece o valor da legitimação da profissão propiciada pelos cursos de jornalismo americanos (o primeiro foi criado em 1869) e acha que poderíamos imitar o sistema misto adotado lá: não há obrigação de ter diploma universitário para ser jornalista, mas no mercado profissional só ocupam postos importantes os que fizeram cursos de altíssimo nível e pós-graduação nas melhores universidades - as quais exigem, além dos conhecimentos específicos, uma ampla e sólida base de cultura humanística.