Não há jeito, também não fujo a regra. A vaidade de qualquer cientista é ter seu trabalho reconhecido pelos seus pares. As janelas de reconhecimento da pesquisa científica são os periódicos científicos considerados de alto impacto pela comunidade científica internacional, Nature, Science, Cell, PNAS, são exemplos de publicações almejadas por nove entre cada dez cientistas brasileiros e mundiais em busca do reconhecimento acadêmico.
Em recente entrevista à revista Época, a neurocientista brasileira Suzana Herculano que chefia o laboratório de neuroanatomia comparada da UFRJ fez duras críticas ao baixo investimento em ciência feita pelo governo brasileiro. Impossível não concordar com as colocações da neurocientista. De fato, nossa ciência é desprestigiada, não só pelo governo, mas pela sociedade como um todo, a mesma que louva e diz fazer preces pela educação, mas que considera qualquer bolsista, menos parentes é claro, como parasitas estatais ou lhes veste com a pergunta desvalorizadora: mas você só estuda?
Como defensor do quinhão em uma sociedade multifacetada, o espírito de corpo coloca-me a fazer coro com as palavras da Dr. Suzana, No entanto, os ecos dessa concordância só vão até onde a concepção sobre o quem a ser reconhecimento científico parece divergir da concepção da neurocientista.
Afirmar que a pesquisa brasileira, a ciência brasileira, é medíocre é desvalorizar as vantagens comparativas que o Brasil tem em relação aos badalados centros de excelência mundial. Esse é a questão cerne desse texto: as publicações consideradas “top” valorizam tais vantagens comparativas?
Por exemplo, a produção de alimentos no Brasil tem por trás conhecimento solidificado, fruto do trabalho de diversos cientistas brasileiros ao longo dos últimos cinquenta anos. A FAPESP mantém uma base de publicações científicas, Scielo, a qual congrega periódicos tipicamente locais, mas que nem por isso podem servir para adjetivar seu conteúdo como ciência medíocre. E por que não?
Mais uma vez: vantagens comparativas. Falando da pesquisa agropecuária, especificamente, dentro dos periódicos não badalados da Scielo não se escreve para o mundo, mas para informar e melhorar o desenvolvimento local. Ou seja, na nossa escala, para as nossas necessidades reais de país, a ciência não internacionalizada, e por isso erroneamente chamada por alguns de medíocre, serve para a solidificação e melhoria naquilo que de fato somos bons: produção agropecuária.
Como se percebe, o problema reside no fato de nossas vantagens comparativas em termos de ciência e conhecimento acumulado serem relativamente preteridas em relação às outras áreas da ciência, incluindo a neurociência, nos periódicos considerados de relevância internacional. Isso é razoável quando se pensa que os títulos internacionais estão em busca do ineditismo onde é mais provável de ocorrer em áreas que estão ainda incipientes em termos de informações, ou seja, representam fronteira de um conhecimento onde ainda há muito para se percorrer. A neurociência sem dúvida é uma delas
A quantidade de recursos para áreas da neurociência são de fato relativamente maiores do que para a pesquisa agropecuária de base, no geral. Assim, é natural que em um país onde falte recurso para aquele que demande menos, faltará ainda mais para aquele que demande mais. A Dr. Suzana está certa em criticar e pedir novos recursos federais, mas um ponto chamou a atenção na entrevista.
Há na entrevista de fato um viés comparativo com o resto do mundo no sentido de legitimar as criticas ao baixo financiamento científico no Brasil; porém parece não haver vontade de imitar sistemas internacionais de financiamento em sua plenitude, em especial no que diz respeito à participação privada é bem mais saliente. A guerra entre pesquisadores brasileiros pelas migalhas cedidas pelos editais de agências de fomento mostra que nossa dependência estatal parece ter feito com que ficássemos cegos e apenas olhássemos o orçamento federal como única e exclusiva fonte de recursos.
Obviamente isso não depende exclusivamente de Governo. A mudança de mentalidade deve também vir da sociedade, o empresariado deve enxergar nos cientistas, jovens e nem tão jovens ainda, oportunidade de perpetrar e aumentar seus lucros. Essa visão deve ser acompanha de investimento privado em inovação e ciência de base. Mas a falácia do “espírito animal” empresário brasileiro parece entrar em cena novamente, pois por aqui eles são tão estado-dependentes quanto nós, cientístistas brasileiros. Tem solução?