Embora a citricultura paulista exiba números respeitáveis do ponto de vista econômico, ainda existem algumas condições desfavoráveis e mesmo fragilidades na sua cadeia produtiva. Em primeiro lugar, ao abordar os aspectos positivos, vale ressaltar alguns dados que impressionam, destacando-se: São Paulo é responsável por 70% da produção nacional de laranja (volume superior a 400 milhões de caixas) e por 98% do processamento de laranja do País; o valor das exportações de suco chega ao redor de US$ 1 bilhão por ano, recolhendo aproximadamente US$ 350 mil no ano só em ICMS; ocupa área de 1 milhão de hectares, agregando, somente na produção, cerca de 140 mil famílias. Além disso, criou entidades representativas fortes, despontando-se a Abecitrus (exportadores), o Fundecitrus (empresas processadoras) e a Associtrus (produção), todas bem inseridas nos seus respectivos setores. Por fim, conta com bons centros de pesquisa, sobressaindo-se o IAC/Centro de Citricultura Sylvio Moreira e vários campi universitários (Esalq/ USP/Piracicaba, Unesp/Jaboticabal e Botucatu e a Unicamp/Campinas), e um exemplar sistema de apoio ao fomento de C&T, via Fapesp.
A despeito de tudo isso e dos esforços das citadas instituições, assim como de inúmeros pesquisadores e autoridades, a citricultura paulista vem sendo atormentada com várias doenças, tem fragilidades e várias contradições. Doenças tais como a Clorose Variegada do Citrus (CVC), conhecida também por amarelinho e por cancro cítrico, têm sido apontadas como as principais responsáveis pela erradicação de árvores, mais de 10 milhões apenas nos últimos 2 anos, segundo dados do Fundecitrus. Os reflexos sobre a produção de suco foram imediatos, passando essa de 1,34 milhão/t em 1997 para 1,16 milhão/t em 1998.
Tal cenário se agravou em 1999, quando, mesmo com o declínio já referido, a indústria paulista deixou de absorver boa parte da produção sob a alegação de ter comprometido toda a sua capacidade de processamento e de estocagem. Como conseqüência, os preços internos desabaram, passando de US$ 3,50 por caixa para US$ 1,50 a US$ 2,00, o que ocasionou a perda de 15% da produção (não colhida), segundo a edição da Gazeta Mercantil de 13 de dezembro do ano passado. Para evitar prejuízos maiores, os produtores foram à luta ampliando as vendas de frutas a granel. Como se não bastasse, deve-se também somar a tudo isso os entraves portuários (custos), a complexa burocracia para exportar e as taxas e sobretaxas impostas aos produtos (sucos e derivados), principalmente pelo nosso principal competidor, os Estados Unidos.
O que leva um estado rico, evoluído científica e tecnologicamente, a conviver com dificuldades que poderiam ser superadas com o arsenal tecnológico disponível? As respostas podem ser várias, algumas fomos buscar em um estudo prospectivo que contou com a contribuição de inúmeros especialistas, produtores, industriais e cientistas ligados à citricultura paulista, no bojo de ampla plataforma inspirada pelo Programa de Ciência e Tecnologia para o Desenvolvimento do Agronegócio instituído de forma oportuna pelo CNPq. Para evitar fazer emergir apenas reivindicações, o estudo foi comparado a várias análises de tendências, de diagnósticos, inclusive pronunciamentos em veículos especializados.
Segundo os dados levantados pelos autores em pesquisa recente, 90% dos representantes do setor privado e 75% dos atores ligados à pesquisa acreditam que, por exemplo, o não acesso às tecnologias disponíveis decorre da falta de cooperação. Expressam ainda a convicção de que quando os segmentos se unirem vários dos problemas serão equacionados com probabilidade de 50% de ocorrer a curto/médio prazo, ou 38% de chance de se concretizar a longo prazo.
Neste contexto, existem duas abordagens de cunho tecnológico que exemplificam bem tal situação. Trata-se da produção de mudas certificadas Tipo A, introduzido pelo consórcio SEA-GRI/IAC/Fundecitrus, e do chamado Projeto Genoma da Xylella Fastidiosa implantado pela Fapesp. Ambos alicerçam-se em amplos aspectos cooperativos, uma vez que para implantá-los inúmeros consórcios foram construídos, envolvendo diversas instituições, tanto de pesquisa quanto industriais, com destaque para o Fundecitrus, hoje o gestor de alguns desses consórcios. O Fundo, cujo orçamento em 1999 foi de R$ 35 milhões, aplicou no mesmo período R$ 400 mil no Projeto Genoma da Xylella, tendo ainda liderado grupos de pesquisas das universidades e do IAC na busca de investimentos em C&T também fora de São Paulo.
Há mais um gargalo que aflige a citricultura, a gestão integrada e participativa de todo o sistema agroindustrial. Qual será o grau de interação entre Associtrus, Abecitrus e Fundecitrus? Caberia criar uma "Federacitrus" ou coisa que o valha? Provavelmente não, uma vez que todas essas instituições têm como ampliar o nível de cooperação hoje existente, já que são interdependentes.
A nossa análise se completa com um exercício de projeção dos rumos da citricultura, tomando como base o cenário atual, que exibe: diminuição do tamanho dos pomares; preços ao produtor em patamares muitos baixos: custos de produção em crescimento (defensivos, perdas em geral, pedágios, impostos, etc.); indústrias com capacidade de produção comprometida; implantação de grupos de empreendedores brasileiros na Flórida, transferindo capital cultural e investimentos.
Tal cenário evidencia crise aguda, com previsões de todo o tipo, inclusive catastróficas. Contudo, sob o ponto de vista histórico, essa não é a primeira e não será a última crise, podendo, inclusive, surgir de tudo isso um cenário altamente positivo. Nosso exercício é, portanto, mais otimista, pois leva em conta a exuberância do "capital cultural que está disponível. Assim sendo, muitos dos itens listados podem ser superados, inclusive o último, uma vez que os empreendedores brasileiros que construíram forte complexo agroindustrial podem agora contribuir para vencer as demais barreiras, impondo a marca Brasil.
*Especialista em gestão tecnológica no agronegócio - Núcleo de Inovação Tecnológica e de Agronegócio/Finatec. e **Consultor sênior do PCT-Agro/CNPq.
Notícia
Gazeta Mercantil