Notícia

Gazeta Mercantil

A Itália prepara-se para uma erupção do Vesúvio

Publicado em 19 abril 1996

Por The Economist
Quando o poeta inglês Percy Bysshe Shelley escalou as encostas do Vesúvio em 1818, o vulcão mais famoso da Europa ainda era cercado por uma região rural. Hoje, as florestas e os vinhedos pelos quais Shelley caminhou foram substituídos por construções desordenadas - a maioria feia e não autorizada. Longe de ser um idílio bucólico, algumas partes do litoral, ao Sul de Nápoles, apresentam uma densidade populacional semelhante à de Hong Cong. A tarefa de Franco Barberi é garantir que as coisas continuem como estão. Ou mais ainda, garantir que, se o Vesúvio entrarem erupção, os modernos habitantes da baía de Nápoles não sofram o mesmo destino de seus antecessores de Pompéia e Herculâneo. Barberi tem essa atribuição por ser um vulcanólogo. Ele é, também, um ministro adjunto da área da defesa civil, tendo a função específica de elaborar e supervisionar o plano de retirada dos habitantes da região antes que eles, também, se transformem em relíquias arqueológicas a serem visitadas por futuras gerações de turistas. O governo italiano estruturou seu primeiro plano de emergência para a região em setembro de 1995, passados meros 51 anos após a erupção mais recente do Vesúvio. As recomendações do governo, para a evacuação em larga escala dos 600 mil habitantes que vivem hoje nas imediações do vulcão, no evento de uma erupção, surpreendeu os governantes locais. Afinal de contas, a erupção que se deu em 1944 foi relativamente tranqüila. Ela consistiu de uma efusão de lava semelhante à observada nas recentes erupções do Etna, vulcão localizado mais ao Sul do país, na Sicília. Mas o Vesúvio é uma montanha temperamental. Quanto mais tempo ele ficar quieto, mais violenta deverá ser sua próxima erupção. Em 1631, por exemplo, depois de permanecer inativo por três séculos, o Vesúvio destruiu a cidade de Torre del Greco. Barberi teme a repetição de uma explosão como aquela - acompanhada não apenas de lava como de fluxos de fragmentos de rocha incandescentes e gases venenosos. Barberi reconhece que, em um incidente como esse, seriam mínimas as chances de sobrevivência na região das encostas Sul e Leste do vulcão. Seu plano, portanto, depende tanto de um rápido diagnóstico da natureza da erupção quanto de uma ação imediata. A previsão de atividade vulcânica, apesar de mais desenvolvida do que a previsão de terremotos, não chega a ser uma ciência exata. No primeiro encontro internacional sobre o perigo dos vulcões para os meios urbanos (realizado no ano passado, em Roma), os vulcanólogos concordaram que seus conhecimentos ainda não lhes permitem fornecer uma previsão confiável do tipo e magnitude de uma erupção. Ainda assim, mesmo sem poder formular uma previsão confiável das erupções, os vulcanólogos estão melhorando sua técnica para prever as conseqüências. Modelos computadorizados baseados em fatores como temperatura e concentração de cinzas podem ser de grande ajuda para se avaliar o grau do risco causado por futuras erupções. Graças a seus modelos do fluxo de lava do Etna, por exemplo, os vulcanólogos locais foram capazes de antecipar a direção dos fluxos de lava reais que se formaram na erupção de 1993, podendo, dessa forma, construir barragens que ajudaram a salvar os habitantes das encostas da montanha. Barberi e sua equipe têm uma vantagem especial. A atividade do Vesúvio vem sendo monitorada há mais de cem anos, o que o torna um dos vulcões mais estudados do mundo. Eles estão contando com esse conhecimento acumulado e com estudos atuais sobre a efusão dos gases, movimentos da terra e alterações gravitacionais em tomo do vulcão, para poder advertir a proximidade de uma erupção com talvez até três semanas de antecedência. E precisarão de todo esse tempo, pois a segunda parte do plano de emergência - uma ação rápida e organizada - pode não estar totalmente preparada quando o momento chegar. A retirada dos civis da área ao redor do vulcão seria, em teoria, supervisionada por 16,5 mil pessoas. Mas como essas pessoas incluem funcionários da defesa civil, o Exército, a Cruz Vermelha e as duas polícias rivais da Itália, inevitavelmente haverá espaço para uma certa confusão. Aparentemente, o plano é extremamente detalhado. Ele até especifica o número de embarcações necessárias - são 81 - para retirar 45 mil pessoas e 4 mil veículos em segurança. Todavia, ele também adverte sobre o risco de tiroteios nos cruzamentos das estradas com engarrafamento e de pessoas serem pisoteadas pela multidão, no caso de pânico. Talvez não seja surpreendente o fato de que esse plano de emergência vem enfrentando críticas locais. Francesco Santoianni, arquiteto e especialista na administração de desastres, que atualmente é responsável pela defesa civil em Torre del Greco, censura Barberi e sua equipe por terem considerado apenas as piores catástrofes possíveis. Ainda não foi feito um planejamento para um incidente que não exija uma evacuação total da área. Não há nenhum plano de emergência para uma retirada parcial da população da região no caso de uma erupção de menor escala, nem há um projeto para o treinamento de voluntários para auxiliarem a deixar as estradas livres e limpar os telhados das casas ameaçadas pelas cinzas lançadas pelo vulcão, como também não há nenhum plano para proteger os riquíssimos monumentos históricos da região. Depois de meio século de inatividade, entretanto, um plano é melhor do que nada. E a experiência de Barberi como consultor internacional em vulcanologia levou-o a optar pela alternativa mais segura, prevendo a pior erupção possível. Em 1986, ele esteve na Colômbia discutindo planos para uma evacuação preventiva dos habitantes das cidades que circundam o vulcão Nevado de Ruiz, que ameaçava entrar em atividade. Ele afirma que seus apelos foram postos de lado pelas autoridades locais. O preço do atraso foi a morte de 25 mil pessoas. Isso aconteceu uma vez, mas, nesse caso, uma só vez já é demais.