Há forte questionamento sobre a qualidade comparada das universidades brasileiras frente às congêneres de outros países. Um fator primordial é a chamada internacionalização, que passa tanto pelo maior domínio da língua científica internacional – o inglês – como pelos contatos efetivos e realização de projetos de pesquisa e outras parcerias com grupos estrangeiros.
A título de trazer à discussão impressões particulares sobre a dinâmica da internacionalização da Universidade, relato experiências recentes em meu grupo de pesquisa.
No primeiro semestre de 2013, de 29 de abril a 2 de maio, participei do 35th Symposium on Biotechnology for Fuels and Chemicals, em Portland, nos Estados Unidos. É um congresso internacional na área de biocombustíveis e assuntos correlatos, promovido por institutos de pesquisa norte-americanos e pela Society for Industrial Microbiology and Biotechnology. Tive a oportunidade de apresentar oralmente dois trabalhos, situação inédita para mim nesse congresso de grande concorrência. Em edições anteriores, foi-me possível fazer no máximo uma apresentação oral e os demais trabalhos eram aceitos como pôsteres. O momento duplo foi único.
Numa das palestras, mostrei uma compilação dos trabalhos feitos por meus alunos de doutorado referente ao tema biorrefinaria. Chamei a atenção para a necessidade de utilização da lignina – uma macromolécula de natureza aromática e constituinte da parede vegetal – como substância central nesse processo importante de sustentabilidade ambiental para o uso de biomassa e biocombustíveis. Fui acompanhado por outros cientistas que elogiaram a apresentação.
Outra apresentação se referiu ao trabalho específico de doutorado da aluna Naila Ribeiro Mori. Nesse momento fiz algo não usual: anunciei que Naila estava procurando um estágio no exterior, utilizando seus recursos de reserva técnica da bolsa de doutoramento direto e do programa Ciência sem Fronteiras. Sete pesquisadores dos Estados Unidos, Japão e Europa manifestaram disponibilidade para aceitar a aluna.
Agora Naila – que teve alguns contratempos quando de sua aceitação como aluna de doutorado direto, mesmo com bolsa aprovada pela Fapesp – irá realizar esse trabalho experimental no grupo altamente qualificado da dra. Renata Bura, da Universidade de Washington, e poderá aprofundar o entendimento dos mecanismos da desconstrução da parede celular vegetal de bagaço e palha de cana-de-açúcar. Ela já havia contribuído com a necessária internacionalização ao participar de congresso internacional da área de papel e celulose em 2009 na Noruega (15th Symposium on Wood, Fiber and Pulping Chemistry), com escala em Helsinki, na Finlândia, para visitar um instituto de pesquisa, cujo pôster foi premiado como o melhor trabalho apresentado. À época, obteve financiamento por meio de auxílio do Proint, pois era aluna de graduação em Engenharia Bioquímica.
Eventos internacionais são muito importantes, e estimulo sempre meus alunos a submeterem seus trabalhos para apresentação oral, onde a visibilidade é total. Um pôster é importante e muitos leem e se interessam, mas estar à frente do auditório por cerca de 20 minutos é inigualável. Apresentar em inglês não é fácil, mas também não é impossível.
A mesma visibilidade no simpósio em Portland levou a um contato com um grupo da Bolívia, que me convidou para ministrar um curso sobre biorrefinaria naquele país, e uma aluna de doutoramento deverá passar de seis a 12 meses nos laboratórios da EEL. Também fui incluído no comitê científico do Bioenergy Korea Conference 2013 International Symposium, a ser realizado na Coreia do Sul em novembro próximo. Os demais contatos com pesquisadores foram aproveitados para propiciar a outra aluna de doutorado a possibilidade de realizar estágio semelhante nos Estados Unidos, na área de aproveitamento de ligninas obtidas da casca de café.
Uma ação leva à outra, mas ainda há pesquisadores que relutam em apresentar internacionalmente os resultados de seus trabalhos de pesquisa, inibindo também essas possibilidades reais para que nossos alunos ganhem a confiança e a cultura de outros grupos em outros países.
Aprendi com uma aluna de graduação, bolsista do Ciência sem Fronteiras, que retornou no segundo semestre depois de um ano nos Estados Unidos, que alunos têm a possibilidade de realizar estágios em empresas no exterior, dentro desse programa. Para alunos de engenharia, é formação curricular importante para o competitivo mercado nacional.
Independente dos rankings internacionais, que são volúveis e também passíveis de falhas e injustiças, creio que é tempo de haver instrumentos internos para quantificar essa internacionalização promovida por grupos, alunos e professores. Conhecendo-nos a nós mesmos, poderemos saber qual caminho seguir para dar uma resposta adequada à sociedade que nos mantém e a todos que tanto esperam da Universidade de São Paulo.
Adilson Roberto Gonçalves é professor da Escola de Engenharia de Lorena (EEL) da USP.