Sergio Henrique Ferreira, farmacólogo, foi presidente e é presidente de honra da SBPC, bem como membro da Academia Brasileira de Ciências e da Academia Nacional de Ciências dos EUA. Artigo escrito para o 'JC e-mail':
A Fapesp sobreviveu aos arroubos da ditadura militar, nem se tocou nos tempos de Collor e Malluf e deu risadas da inflação.
Aqueles cientistas que sonharam e criaram a Fapesp, sentiam-se protegidos das intempéries momentâneas das políticas partidárias e das oscilações de mercado.
Embora já há algum tempo eu venha alertando sobre os 'descaminhos' da Fapesp, não chegava a imaginar um desastre tão grande. Nosso maior trunfo sempre foi a continuidade e previsibilidade.
Estes são dois condimentos imprescindíveis do 'fazer ciência'.
Continuidade de recursos e previsibilidade de sua aplicação. Ninguém discute sobre a necessidade da continuidade dos recursos.
Com respeito a previsibilidade da aplicação do investimento há diferenças marcantes entre as várias áreas de pesquisa.
Pesquisas em psicologia, lingüística, literatura, novos materiais, ecologia, farmacologia, fisiologia bioquímica etc etc têm necessidade de 'material de consumo' totalmente diferentes.
Isto para certos burocratas pode parecer um detalhe menor. Mas quem está na área biológica, sabe perfeitamente, que compras de material de consumo, com muita antecedência é totalmente ridícula e desastrosa.
A novidade de nossos experimentos não pode ser prevista. Principalmente quando a pesquisa é de ponta ou tem alguma originalidade. Drogas e reagentes são nossos instrumentos de trabalho.
Em países desenvolvidos, os cientistas realizam hoje o experimento que pensaram ontem. O que precisam está ao alcance do telefone. Nós, cientistas do terceiro mundo, temos que importar.
O que ansiosamente pesquisamos hoje, foi uma idéia de há seis meses atrás, quando começamos a olhar os catálogos, escolher o produto, a solicitar pro-formas, iniciar a importação etc etc.
A suspensão intempestiva de todas as importações, arrebenta com nossa previsibilidade.
O desastre foi amplificado pela atitude draconiana de se fazer uma lei igual para todos cientistas, como se todas as áreas de pesquisas fossem iguais: 'Está proibida a importação.'
Não interessa se são de reagentes ou de um ciclotron. Do ponto de vista burocrático é uma medida simples, linear e adequada.
A partir deste momento os burocratas não têm mais necessidade de pensar, analisar, ponderar ou decidir (e se não tem que decidir, estarão sempre certos !!!).
Devolve-se todos pedidos de a importação! E assim está sendo feito. Todavia, foi-nos acenada uma pequena e besta válvula de escape: 'o uso da verba de reserva técnica'.
A reserva técnica poderia então ser usada para adquirir material já importado, ja abrasileirado, por estar no mercado nacional. Isto é, as importadoras comprariam o material em seu nome e depois nos vensderia.
Ridículo. Esta verba não era para isso. Alem de ser relativamente pequena, teriamos de desembolsar muitas vezes mais do que gastaríamos se diretamente importássemos o material.
Com a finalidade de ultrapassar este momento de crise, o bloqueio irrestrito de todas as importações, aparentemente parece uma sábia decisão do Conselho, assim chamado Científico da Fapesp. Todavia, esta decisão é um desastre fantástico para as áreas biológicas. Haverá quebra de continuidade das pesquisas curso, teses ficarão inacabadas, pesquisas não serão iniciadas, grupos de pesquisadores inevitavelmente serão desfeitos etc.etc.
Se assim for, haverá um retrocesso seríssimo na área biológica, que levará muito tempo para nos refazermo-nos. Não estou preocupado com as dezenas de seqüenciadores que necessariamente ficarão parados (ou será que 'eles' já tinham informações privilegiadas, como dizem por aí no mundo globalizado).
Estou muito mais preocupado com aqueles cientistas cuja criatividade construiu a ciência paulista e brasileira. Seria tão simples evitar tudo isso se a Fapesp considerasse como elementar o dialogo continuo com seus cientistas. Obviamente, num momento de crise, deixaríamos de importar instrumentos e aparelhos...
Mas, restringiríamos a importação a peças de reposição e material de consumo imprescindível para as pesquisas em andamento ou a serem realizadas em um futuro próximo. Mesmo em crise econômica, a Fapesp pode arcar financeiramente com esta medida. Afinal de contas o diretor cientifico sempre teve uma verba, para pessoalmente alocar em projetos em crise ou importantes.
Senhor presidente do Conselho, senhor diretor cientifico e senhores conselheiros da Fapesp, apiedem-se de nós, pois ainda é tempo de evitar o grande desastre que se anuncia. Por outro lado é fundamental que todas as Sociedades Cientificas e Pro-Reitorias de Pesquisa das Universidades Publicas do Estado de SP, se reúnam e se manifestem sobre o problema.
Não podemos esquecer que a Fapesp é nossa e que seu futuro é de nossa responsabilidade.
JC E-Mail 2122
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