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Gazeta Mercantil

A hora e a vez da ciência e tecnologia (1 notícias)

Publicado em 18 de setembro de 2002

Por Ronaldo Sardenberg
Será que o "Brasil perdeu a vez em alta tecnologia", como estampou a Gazeta Mercantil, a propósito de comentários do professor Sanjaya Lall no seminário internacional "Desenvolvimento em Debate", promovido pelo BNDES, em sessão que presidi? Algumas qualificações são necessárias. São expressivos os avanços do Brasil, não apenas no setor aeronáutico, citado por Lall, mas também na exploração de petróleo em águas profundas, biotecnologia e genômica, desenvolvimento de satélites, enriquecimento isotópico do urânio e agricultura tropical, entre outras áreas. O desenvolvimento de tecnologias próprias, de padrão internacional, permitiu injetar bilhões de dólares na economia e na pauta de exportações. Somos competitivos em muitos outros segmentos como celulose e papel ou siderurgia. Se ainda temos concentração de commodities na pauta de exportação. Isso não significa que essas cadeias produtivas não incorporem forte desenvolvimento tecnológico. É preciso superar a visão de que tecnologia e high tech e soja ou aço são commodities de baixo valor agregado. Isso pode induzir a sérios erros na política pública. Nosso esforço total corresponde pelo menos à metade da América Latina. O Brasil figura, ao lado de China, Índia, Cuba e África do Sul, entre os países que já são proficientes em C&T e a caminho de alcançar as nações avançadas. É importante, mas não suficiente, enfocar a questão pelo ângulo do comércio exterior de produtos manufaturados de teor tecnológico. Esse enfoque não reflete nem dificuldades herdadas, nem progressos recentes. Ao valorizar a montagem globalizada de produtos, não dá suficiente relevo à geração de tecnologia local. É de realismo elementar admitir os problemas da tecnologia no País e na regido que têm sido incansavelmente discutidos. Por outro lado, há consenso quanto à ineficácia da amiga política de substituição de importações, sem prioridade estratégica para a geração de tecnologia e incremento tecnológico das exportações. A atual política tecnológica busca corrigir a situação e promove a produtividade e a competitividade internacional das empresas brasileiras. O governo federal, por meio do Ministério da Ciência e Tecnologia, criou e implementa numerosos instrumentos de incentivo ao desenvolvimento tecnológico: a incubação de empresas, o estímulo ao capital de risco com o Projeto Inovar da Finep. os fundos setoriais, a perenizarão do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, novas redes de pesquisa, apoio aos parques tecnológicos, incentivos às tecnologias da informação e qualificação de taxas de juros nos empréstimos praticados pela Finep. São cruciais, ainda, as disposições da Medida Provisória nº 66, que cria incentivos fiscais para as empresas que investirem em P&D e para o desenvolvimento de produtos patenteáveis. No mesmo sentido, o projeto de lei da Inovação estimulará a pesquisa pública e privada e a mobilidade de pesquisadores entre as universidades e institutos de pesquisa e as empresas. A nova política tecnológica é consistente com a elevação dos recursos orçamentados do MCT, que cresceram de R$ 1,4 bilhão cm 1999 para R$ 2 bilhões em 2001 e 2002 e que será de R$ 2,7 bilhões cm 2003. O recém-lançado Livro Branco de Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) aponta a meta de crescimento dos investimentos, que hoje correspondem a cerca 1% do PIB, para 2% até 2012. Para tanto, deve ser duplicado o esforço público e ampliada, ainda mais. a participação privada, que demonstra consciência e disposição e conta com instrumentos inéditos para empreender ações inovadoras. Registram-se no Brasil realizações importantes no campo da C&T. Por exemplo: formam-se, agora, 6 mil doutores por ano, o que nos coloca cm plano semelhante ao de nações desenvolvidas como Canadá e Itália. Entre 1981 e 2000, quintuplicou a produção cientifica, o País tornou-se responsável por 1,4% da produção cientifica mundial e está entre as 17 primeiras nações nesse ranking. É curioso observar como passa despercebido o quanto a ciência é importante nessa nova economia. Condições sistêmicas de produtividade não dependem apenas do tipo de bem exportado. Muitos dos segmentos contabilizados como de alta tecnologia são hoje produtos de base produzidos em países periféricos por questões de custo. Há muito o que fazer. Aliás, há sempre muito a fazer em países como Índia, Brasil e China, como exemplificam as questões educacionais, de pobreza rural e de desigualdade. Em alguns campos estamos melhores, em outros não. A política de C&T é fundamental, sobretudo na formação de recursos humanos qualificados em áreas críticas. Mas não se deve confundir a redução do déficit comercial com o êxito da política de C&T. Respondendo à indagação inicial, o Brasil não abre mão da sua auto-estima na comparação com outros países emergentes. Pelo contrário, estamos colocados na carreira da CT&I mundial. O desempenho da política tecnológica e as novas oportunidades podem ser comprovados pela consulta às entidades representativas do empresariado brasileiro. Chegou a hora de a CT&I entrar em definitivo na agenda política e econômica nacional como fator estratégico e central para o desenvolvimento sustentado do País.