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A França não é longe daqui

Publicado em 18 novembro 2015

Em Paris, na manhã deste domingo de luto, 15 de novembro, ao contrário do que muitos imaginavam, os franceses, contrariando as recomendações da polícia venceram o medo e o pavor instaurados em decorrência dos últimos ataques e foram às ruas para manifestar sua solidariedade. Rapidamente, a população tem mostrado força de reação e, a despeito do semblante de tristeza, se volta aos seus para afirmar a velha máxima inscrita no brasão de Paris “Fluctuat nec mergitur” (frase utilizada desde os tempos romanos e ratificada nas medalhas de honra entregues aos soldados da Primeira Guerra Mundial), que pode ser entendida como “flutua, mas não afunda”.

Os comentários de jornais e outros meios de comunicação concordam que este não foi apenas um atentado contra a vida de algumas centenas de homens e mulheres, mas também, e isso deve ser levado em conta, contra tudo o que a França representa para o mundo por ser um dos berço dos valores ocidentais.

O alvo dos jihadistas, não restam dúvidas, é ferir o Ocidente naquilo que lhe é mais caro: as liberdades individuais. Talvez por isso, Paris, uma das cidades que serve de vitrine ao mundo pela maneira como seus habitantes cultivam esse direito, tenha sido o cenário escolhido para a praça de guerra desses extremistas.

Sensibilizado com o ocorrido, o presidente dos EUA Barack Obama foi feliz ao classificar o evento como um ataque contra a humanidade, e não só contra franceses ou europeus. Ajudou, assim, a desvendar o que está por trás dos assassinatos: uma guerra de valores revivida e reforçada pelos membros do Estado Islâmico.

A prefeita de Paris, Anne Hidalgo, sintetizou bem o problema ao asseverar, em um pronunciamento aos jornais, que os ataques tiveram em mira tantos os jovens quanto a liberdade, por terem ocorrido nos bairros preferidos dos parisienses para se divertirem e se encontrarem com amigos.

Nesse contexto em que uma guerra entre dois mundos é iminente, não há como fechar os olhos para a reação de muitos brasileiros. Refiro-me às pessoas que ora culpam os franceses pelos atentados, apontando-os como responsáveis diretos pelo ocorrido, em razão da sua política colonial do passado, ora buscam minimizar o que ocorre na Europa, dizendo que a tragédia de Mariana é mais importante e que, por isso, devemos voltar nossa atenção para o Brasil.

O primeiro argumento é fruto do hábito de professores e intelectuais de buscarem, no passado colonial, causas que possam nos garantir, no presente, a “confortável” e inerte condição de vítimas. O passado é utilizado, nesse caso, para mostrar que os franceses pagam o preço pela exploração colonial, pagam, segundo parte da opinião pública nacional, por invadir terras alheias e ironizar os ídolos de outras religiões. É o velho hábito que se tem no Brasil e em outros cantos da América Latina, de utilizar o passado colonial para justificar as ações das ex-colônias, que hoje se colocam como vítimas de um sistema global de exploração.

O segundo argumento revela outra faceta da ignorância brasileira: a falta de bom senso para separar eventos de naturezas completamente diferentes, já que a sensibilização com os ataques não implica em diminuirmos ou apagarmos recentes problemas próprios de nosso país. Um sinal de maturidade intelectual seria reconhecermos que pertencemos ao Ocidente e que qualquer ameaça aos seus valores é também uma ameaça a nós mesmos.

Leandro Alves Teodoro é mestre, doutor e professor da área de História da Faculdade de História, Direito e Serviço Social da Unesp, Câmpus de Franca. Atualmente, é pós-doutorando com bolsa Fapesp em estágio junto à Université Paris Ouest Nanterre, la Défe

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