Doutora em Linguística e profissional na área de coaching executivo em liderança e comunicação, a professora Vivian Rio Stella ministra há cinco anos cursos sobre redação científica na Unicamp, nos quais mais de 300 pesquisadores já se formaram. O mais recente deles teve início há coisa de um mês e – como já vinha ocorrendo nos anteriores – chamou a atenção pelo alto volume de interessados. O que busca a comunidade científica em um curso cuja intenção é levar o aluno a “escrever com qualidade”? A resposta está, naturalmente, na própria pergunta, mas uma questão adicional é para que um químico ou biólogo querem essa “qualidade”. Para Vivian, a explicação vem da sociedade. “Existe um movimento de popularizar descobertas científicas por meio de textos de divulgação acadêmica”, diz ela na entrevista a seguir, onde nota que os acadêmicos se vêm pressionados a publicar em revistas gerais – mas jamais foram preparados a escrever para o grande público.
Você iniciou recentemente na Unicamp um curso sobre redação científica, no qual escrever com qualidade e coesão surgem como ganhos esperados. Por que é tão difícil que o texto acadêmico seja claro e de leitura prazerosa?
O curso na Unicamp de Redação Científica vem sendo ministrado desde 2011 e já fizemos dez edições, com no mínimo 30 alunos. Esse curso vem sendo cada vez mais procurado diante da pressão que os pesquisadores sofrem por publicar mais e em revistas de alto impacto e diante da falta de políticas educacionais voltadas ao ensino da redação acadêmica, como se essa habilidade fosse naturalmente desenvolvida uma vez que o aluno conclua uma graduação ou faça uma pós-graduação. Isso se agrava quando se fala de textos acadêmicos.
Por que?
Porque eles têm uma natureza distinta do texto literário: o intuito de sua leitura não é o prazer e a fruição, mas o acesso a informações técnicas e específicas de uma área e a discussão das teorias, métodos ou resultados pelos pares (pesquisadores). Assim, além de demandar um conhecimento técnico na área, o leitor precisa estar habituado a ler textos densos, com parágrafos e períodos longos, repletos de termos técnicos e de expressões longas e nem sempre de fácil acesso para qualquer leitor.
Mas não há certo “prazer oculto” da academia em ter seus conteúdos em formato tal que só “outro igual”, outro acadêmico, conseguirá entendê-los?
Na realidade, não é um prazer oculto (risos). É uma característica desse universo discursivo: dialogar entre os pares e para a própria comunidade acadêmica. Existe um movimento de popularizar as descobertas científicas por meio de textos de divulgação acadêmica, com menos páginas, mais explicações de termos técnicos e mais foco em resultados do que em teoria e metodologia, por exemplo. Isso vem acontecendo não só em revistas do segmento (Revista Fapesp, Scientific America, Galileu e Superinteressante, por exemplo), mas também em grandes periódicos internacionais, que disponibilizam artigos acadêmicos em formato conciso, de duas páginas, por exemplo, e em formato completo, cada um voltado a diferentes leitores.
Uso relatos pessoais para mostrar que é natural “travar” ao escrever ou receber “não” de um periódico
O texto acadêmico soar “difícil” é não apenas fenômeno antigo como também democraticamente espalhado pelo mundo. Em algum país essa característica é menos marcante?
Talvez em países em que a tradição de divulgação acadêmica e os estudos de letramento acadêmico sejam mais fortes, como nos EUA e no Reino Unido, por exemplo, haja um trabalho mais voltado a divulgar os achados científicos de forma mais clara e acessível. Mas, ainda assim, os artigos elaborados por pesquisadores têm seu caráter específico e é destinado, prioritariamente, à comunidade acadêmica, que é quem argumenta e contra-argumenta e faz a ciência avançar.
Como faz para o pesquisador se sentir motivado a escrever com maior qualidade e clareza?
Para trabalhar o lado motivacional procuro desmistificar a escrita, ainda muito idealizada pelos alunos. Parece que escrever requer inspiração e conhecimento de técnicas que agilizem a escrita. Mas a escrita é um trabalho artesanal, que depende de muitas e muitas versões para se chegar à versão final, que demanda leitura e opinião de outros colegas e a aceitação de que nem sempre o artigo será aceito, por diversos motivos. Procuro usar relatos pessoais e de colegas pesquisadores para mostrar que é natural “travar”, não saber bem como começar ou terminar um texto, sentir-se inseguro ao final da elaboração do artigo, receber um não de um periódico, dentre outros desafios que o pesquisador enfrenta nesse processo de escrita e publicação dos resultados de sua pesquisa.
O que você ensina então são técnicas e a elas são acrescentadas situações práticas sobre a forma de se expressar?
O curso foca, essencialmente, nas técnicas para tornar diferentes textos que circulam na academia (resumos, artigos, projetos de pesquisa) coesos, organizados e adequados ao discurso científico. Para isso, há diversos exercícios de escrita e devolutivas para os alunos saberem em que estão acertando e em que precisam melhorar. Mas é claro que relatos de experiências em diferentes situações da vida acadêmica contribuem para a apreensão das técnicas e para estimular os alunos a escreverem, apesar das dificuldades que cada um enfrenta.
Autores como Umberto Eco e Freud, mesmo quando falando de assuntos de alta complexidade em textos técnicos, são de uma clareza e de um frescor literário que ainda hoje espanta a leitores desavisados. O que o meio acadêmico pode aprender com eles?
Os dois exemplos citados, dentre muitos outros de acadêmicos que escrevem com clareza e com um viés literário, podem ensinar algo muito importante: além de publicar nos meios consagrados da academia, os acadêmicos podem sair dos “muros” da universidade e escrever suas descobertas e reflexões para o público em geral, adaptando a linguagem e adequando exemplos e conceitos à realidade. Fazer essa ponte do conhecimento específico para a realidade mais geral não é tarefa fácil, mas pode ser mais um dos muitos desafios a serem enfrentados pelos pesquisadores.