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O Papel

A era dos eucaliptos transgênicos (1 notícias)

Publicado em 01 de agosto de 2008

Detentor de ótima bagagem de conhecimentos sobre o genoma de eucalipto, o Brasil está pronto para dar continuidade aos trabalhos direcionados à obtenção de árvores com características superiores. Com isso, o setor de celulose e papel já vislumbra ganhos consideráveis, como, por exemplo, em produtividade e qualidade da madeira

Imagine como seria uma árvore de eucalipto ideal... Certamente teria qualidade de madeira infinitamente superior, com o teor de lignina balanceado e mais facilmente removível durante o processo de polpação. Sua capacidade fotossintética seria superior, garantindo o corte ideal com taxas de crescimento aceleradas e, conseqüentemente, produtividade superior à obtida hoje. A mesma árvore serviria também como interessante fonte de biomassa para o fornecimento energético.

Agora, imagine essa mesma árvore “plantada” num segmento industrial que, segundo dados da Bracelpa (referentes a 2007), possui 1,7 milhão de hectares de área cultivada para fins industriais e cresce em ritmo acelerado, impulsionado pelo aumento na demanda de celulose por países como a China e a Índia. Parece até um sonho, mas é justamente nesse sentido que a pesquisa genética e os experimentos com o eucalipto geneticamente modificado avançam no Brasil. “Estamos hoje numa boa situação em relação à pesquisa de transformação genética do eucalipto. O Brasil tem conhecimento sobre a planta, pois as empresas fizeram um grande programa fundamental de melhoramento genético. Foi construída toda uma base genética, formada a partir de programas importantes, como o Forests e o Genolyptus, e a partir daí poderemos avançar ainda mais nesse trabalho com a transgenia”, destaca Carlos Alberto Labate, professor do Departamento de Genética da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP).

Hoje, é perfeitamente possível criar novos clones de eucalipto ou até redesenhar outros mais eficientes, aliando aspectos de biotecnologia e biossegurança. “A partir de organismos geneticamente já selecionados pelo melhoramento convencional, com alto rendimento e produtividade, é possível adicionar ou alterar a expressão de um único gene — ou alguns poucos — de forma bastante específica, melhorando ainda mais algumas características”, relata Giancarlo Pasquali, pesquisador do Centro de Biotecnologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e membro da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio).

Linhas de pesquisa

A pesquisa transgênica com o eucalipto faz parte de uma segunda geração do trabalho com plantas geneticamente modificadas. “A primeira geração incluiu as plantas melhoradas para fins majoritariamente agrícolas e agronômicos. O foco está na redução de perdas no campo - por exemplo, com plantas resistentes a insetos, vírus e bactérias, bem como capazes de competir com o mato”, explica Alda Lerayer, diretora executiva do Conselho de Informações sobre Biotecnologia (CIB).

Em relação ao eucalipto, além dos aspectos agronômicos, há toda uma preocupação com a questão produtiva. Os trabalhos de transformação genética buscam, num primeiro momento, o melhoramento na qualidade da madeira, que basicamente deve responder às necessidades industriais relacionadas à produção de celulose. Seguindo essa linha, o carro-chefe das, pesquisas leva em consideração dois caminhos. Primeiro, a melhora no rendimento da celulose de eucalipto por meio da expressão de genes que modificam proteínas que alteram — ou reduzem — o teor de lignina. Em segundo lugar, mantendo a mesma quantidade de lignina, busca-se aumentar a proporção de um específico desse polímero, mais facilmente extraído no processo de polpação. Ambos os desenvolvimentos propiciariam ganhos em consumo de energia, redução do uso de produtos químicos no processo e, por fim, melhora no próprio rendimento em celulose da planta.

Fernando dos Santos Gomes, gerente de Produção e Desenvolvimento da Arborgen, ressalta que o preocupação do setor com a lignina justifica pelo fato de sua remoção ser um dos estágios mais demorados e custosos do processo de produção de celulose, além de estar diretamente ligada a questões ambientais. Ele também lembra que há outras frentes de trabalho no setor em fase de desenvolvimento, testes e experimentos, entre as quais está a tolerância ao estresse hídrico, qualidade da madeira, velocidade no crescimento e resistência ao frio e a doenças, como a ferrugem.

Manipulação do DNA

Quando o assunto é Genômica, a lição número um consiste em conhecer o genoma do organismo em questão, isto é, saber a quantidade de genes existentes e identificá-los. Num segundo momento, faz-se preciso entender como o gene funciona. Só a partir daí se deve partir para o isolamento, a manipulação e a introdução do DNA numa planta modelo para testar o efeito do gene.

Labate define esse trabalho fazendo uma comparação com o mundo automotivo. “É como se quiséssemos construir uma Ferrari de competição para correr daqui a dez ou 15 anos. Para isso, a partir de uma Ferrari que corre hoje na Fórmula 1, começaria mos a estudar e a ver como funciona. Por fim, com as ferramentas tecnológicas e científicas, desenharíamos um novo carro com maior eficiência.”

Depois de identificados os genes que interessam para a transgenia, a manipulação do DNA da planta, assim como a de uma série de outros organismos, é conduzida a partir das chamadas “agrobactérias”, que têm a capacidade de alterar as células do vegetal. Quando essas bactérias infectam determinada planta, provocam a formação de galhas (espécie de tumor) no colo da planta (região intermediária entre o caule e a raiz). Então, as células passam a produzir compostos que são de interesse da bactéria, assim como a própria bactéria produz compostos que interessam à árvore. “Nós, então, retiramos dessas bactérias os genes que causam as galhas, preservando sua capacidade de transferir DNA. Assim, mantêm a capacidade de infectar a célula vegetal e transferir os fragmentos de DNA que nos interessam”, completa Labate.

Com esse sistema, no caso do eucalipto, são utilizadas folhas de plantas infectadas com a agrobactéria cortadas em pequenos fragmentos. Como essa folha já teve a parede celular rompida, dá sinais para a bactéria de que foi perfurada. Fazendo isso, a bactéria penetra na célula e tr naturalmente o DNA. “A partir dessa célula é possível regenerar uma planta completa, que tem exatamente todos os outros 30 mil, 40 mil ou mil genes originais – de acordo c a espécie – mais um gene, que é o transgene. Muitas vezes, esse transgene vai interferir com a função de um gene nativo, já pertencente à planta. A partir disso temos um outro fenótipo para a planta, uma outra característica, que é a principal estratégia, por exemplo, para reduzir ou alterar os teores de lignina”, revela o pesquisador Giancarlo Pasquali.

Biossegurança

As perspectivas indicam o uso múltiplo das plantas, que poderão desempenhar ao mesmo tempo o papel de fontes de energia, alimentos e compostos suplementares. Para se chegar a esses patamares de diversidade e produtividade, no entanto, deverão ser realizados inúmeros estudos, testes, experimentos e aprovações relacionados a biossegurança. Somente entre 1999 e 2008, foram realizados 12 processos para liberação planejada em campo de variedades de eucalipto transgênico. “Nessas liberações planejadas, testes totalmente monitorados pelos proponentes, busca-se comprovar, por estudos e análises de campo, que os organismos geneticamente modificados não apresentam nenhum tipo de impacto negativo em termos ambientais, sociais e para a saúde humana”, resume Juliana Vansan, relações-públicas e governamentais da Arborgen.

Desses processos, segundo o Guia do Eucalipto, publicado recentemente pelo CIB, sete estão efetivamente aprovados, três ainda tramitam pela CTNBio e dois foram indeferidos exclusivamente em decorrência da alteração na Lei n° 8.974/95 para a Lei de Biossegurança n° 11.105/05, que limitou o uso de algumas tecnologias.

Depois de comprovados todos os testes da liberação planejada em campo, inicia-se uma nova e importante etapa: a liberação comercial do transgênico. A liberação planejada é apenas uma das exigências da CTNBio para se obter a liberação comercial. Depois, é necessário ainda cumprir toda uma resolução normativa com requisitos diferentes das etapas até então submetidas para os testes de campo. “Com essa quantidade de experimentos de campo com eucalipto e considerando-se o estágio atual das pesquisas, podemos prever que o Brasil terá o eucalipto transgênico aprovado comercialmente no período de dois a três anos”, afirma Pasquali.

A CTNBio é o órgão responsável pela avaliação e pela aprovação de todos esses níveis de pesquisa que envolvem organismos geneticamente modificados, sejam microorganismos, vegetais ou animais. A Comissão, composta de 54 membros voluntários – 27 titulares e 27 suplentes –, conta com representantes de ministérios, membros da Academia (universidades) e outras organizações. Para Labate, “um processo de profissionalização traria vantagens em relação ao funcionamento da comissão. A CTNBio deveria ter profissionais especializados em Biossegurança permanentemente julgando os processos, o que aceleraria o sistema. Nesse caso, a Academia poderia funcionar como uma espécie de consultoria para os processos”, defende o professor da Esalq/USP. Ele considera a legislação brasileira relativamente boa, bem organizada e desenvolvida.

O futuro dos transgênicos

Embora a transgenia já esteja mostrando a possibilidade de se ob terem plantas melhores e de maior competitividade sem causar danos de qualquer tipo, ainda é preciso quebrar algumas barreiras na sociedade – isso porque um grande número de pessoas desconhece os benefícios em questão, baseando- se apenas em mitos e paradigmas ultrapassados.

Entretanto, esse cenário vem mudando aos poucos e deve evoluir ainda mais com o surgimento de algumas questões atuais, como a escassez de alimentos para suprir o crescimento da demanda mundial, as mudanças climáticas e a disputa cada vez mais acentuada por terras. “Nos próximos 20 anos, vamos precisar aumentar a produção de alimentos. Para isso, será necessário utilizar tecnologia e, por conseqüência, modificar plantas e a produtividade com base em transgenia. Isso quer dizer que vamos ter de desenvolver uma agricultura e uma área florestal que se adaptem a essas mudanças. Tudo isso faz parte de uma visão mais ampla – não se trata de enxergar somente o horizonte, e sim de ir além”, afirma Labate.

Apostando em pesquisas com eucaliptos, o setor de celulose e papel brasileiro observa esse cenário e se prepara para mais uma mudança de perspectiva. “Do ponto de vista técnico, o setor já passou por uma modificação bastante significativa no plantio de eucalipto, quando houve a. migração das sementes para o plantio clonal. Apesar de entender que a chegada dos transgênicos se dará de forma gradual, acredito que as empresas do setor de celulose e papel já estão preparadas para mais esta mudança”, conclui Gomes, da Arborgen.

Forests e Genolyptus

Os dois projetos de pesquisa com o genoma do eucalipto realizados no Brasil no início desta década alcançaram resultados importantes para o futuro desenvolvimento da pesquisa genômica e funcionam hoje como base para o trabalho de seqüenciamento do DNA. Os programas se caracterizam pela geração de uma plataforma integrada de recursos experimentais e bases de dados genômicos para descobrir, mapear, validar e entender a variação genética do eucalipto.

O Forests, iniciado em 2000, foi financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) em conjunto com as empresas Duratex, Ripasa, Suzano e VCP. O projeto anunciou em 2002 a finalização de um banco de 120 mil seqüências de genes expressos da espécie Eucalyptus grandis, o que representa uma importante iniciativa do setor privado de explorar tecnologias modernas da área genômica para o melhoramento do eucalipto voltado para a produção de celulose e papel.

O Genolyptus, iniciado em meados de 2002, é fruto de parceria entre o governo federal, por meio do Ministério da Ciência e Tecnologia, o setor acadêmico (sete universidades), três centro pesquisa e o setor privado (14 empresas envolvidas com o plantio florestal). O projeto completou em 2004 uma coleção de mais de 130 mil seqüências, cobrindo a quantidade de 30 mil a 40 mil genes do eucalipto a partir de DNA de quatro espécies de Eucalyptus. Em artigo publicado no início deste ano, Dario Grattapaglia, coordenador do Genolyptus, lembra que o trabalho vai além de um projeto de genoma típico, “pois fundamenta-se numa estratégia de interconexão entre as diferentes tecnologias genômicas, experimentação de campo, tecnologia da madeira e fitopatologia”.