Os quatro anos que transcorreram desde a abertura da arbitragem entre Embraer e Boeing – com decisão final da Corte Arbitral de Nova York favorável à fabricante brasileira – serviram para demonstrar de forma empírica duas questões: 1) empresas brasileiras que investem pesado em inovação tecnológica atingem nível de excelência para competir em pé de igualdade no mercado global; 2) está cada vez mais difícil reter profissionais gabaritados, em particular na área tecnológica, compelidos a buscar no exterior oportunidades que não encontram no País.
Depois de a Boeing desistir do negócio de US$ 5,2 bilhões – anunciado em 2018 e desfeito em 2020 – que criaria uma parceria desigual, na qual a norte-americana teria 80% e a Embraer, 20%, não tardaram a surgir notícias de cooptação de funcionários altamente qualificados da Embraer pela Boeing. A ponto de uma ação civil pública movida por duas associações da indústria aeronáutica (Abimde e Aiab), com apoio da Embraer, acusar a Boeing de ameaça à soberania nacional ao atrair profissionais com informações sobre projetos, muitas vezes com segredos industriais. A iniciativa foi relatada em reportagem, no ano passado, pelo site econômico InfoMoney.
Em entrevista recente ao Brazil Journal, o presidente da Embraer, Francisco Gomes Neto, confirmou que a empresa perdeu, em curto período, mais de 100 engenheiros para a Boeing, o que reconheceu como “muito ruim”. Relatou que há empresas que contratam engenheiros pagando em dólar e euro para trabalhar de casa, no Brasil. “Isso acontece. E com a Boeing aconteceu mais”, afirmou o executivo.
O caso Boeing-Embraer é um recorte específico de um problema maior, mas que serve para ilustrar tanto a questão da competitividade quanto a da formação e retenção de mão de obra. Exceção que confirma uma regra que parece preservar um pacto de mediocridade para a indústria nacional, a Embraer é o exemplo de um bom desenho de política industrial, baseado em capital humano e investimento científico. A empresa opera em simbiose perfeita com o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), referência em engenharia, o que já é um diferencial. Hoje, o apoio do governo se resume a financiamentos do BNDES, uma forma justa de contribuir para o desenvolvimento.
Não dá para imaginar o que seria da Embraer se uma política de conteúdo local a obrigasse a comprar equipamentos prioritariamente no Brasil, como o governo Lula da Silva impõe ao setor de petróleo. A escala alcançada pela empresa propiciou a formação de uma indústria de fornecedores a seu redor, mas a fabricante de aviões compra máquinas de toda a parte do mundo e só alcançou o nível atual porque foi exposta à competição internacional.
Depois do malfadado negócio anunciado em 2018, a Boeing entrou em séria crise financeira e de credibilidade devido a falhas técnicas em seus aviões. Já a Embraer recebeu este ano upgrade do banco norte-americano Morgan Stanley, que a elegeu como favorita no setor aeroespacial mundial, quebrando o duopólio de Boeing e Airbus.
As investidas hostis sobre os profissionais da fabricante de aviões é um caso isolado, mas o fenômeno de fuga de cérebros aumentou sobremaneira no País, em especial depois do desmonte da Ciência e Tecnologia na gestão Bolsonaro, e parece ainda longe de ser estancado. Levantamento recente da Fapesp entrevistou 1.200 pesquisadores que emigraram para 42 países para identificar as causas. As principais são, pela ordem: oferta de trabalho ou pós-doutorado no exterior; melhores condições de financiamento para pesquisa; melhor acesso à infraestrutura de pesquisa; e remuneração e qualidade de vida melhores. A maioria deixou o País depois de 2019.
É questão complexa que demanda reação de empresas e, principalmente, do governo. Uma política industrial que incentive a competição é um caminho apontado por especialistas para o Estado estimular investimentos em inovação nas empresas. Mas o que se tem visto, inclusive com a recém-lançada Nova Indústria Brasil, é a insistência no ineficaz espírito protecionista de sempre.
História de Notas & Informações