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Blog do Pedro Luiz Mangabeira Albernaz

A Eletrococleografia

Publicado em 16 julho 2019

Por Pedro L. Mangabeira Albernaz

O Dr. Hallowell Davis, meu professor de Neurofisiologia, foi o pai da audiometria de respostas elétricas.

Em 1955 ele convidou Jerome C. Cox para trabalhar como engenheiro acústico no Departamento de Pesquisas do Central Institute for the Deaf e sugeriu que ele tentasse desenvolver um mediador de respostas para detectar respostas na eletroencefalografia. Com a ajuda de um estudante, Maynard Engebretson, Jerry Cox desenhou e construiu um computador digital especial que recebeu o nome de HAVOC (Histogram, Average and Ojive Calculator). E assim se iniciou a busca por respostas auditivas elétricas. Ele desenvolveu, também, métodos para sinais bioelétricos, análise matemática do processo de promediação e amostras estatísticas das respostas evocadas. Alguns anos depois Jerry Cox se tornou o Professor e Chefe do Laboratório de Computação da Washington University in Saint Louis.

Quando visitei Saint Louis em 1964 o Dr. Davis já estava registrando os potenciais auditivos corticais das crianças do CID. Estas crianças conheciam os pesquisadores, que sempre as tratavam com bondade, e eram muito cooperantes para todas as pesquisas audiológicas. Por isso obter seus potenciais foi uma tarefa totalmente destituída de dificuldades. No entanto, as tentativas de gravar estas respostas em crianças encaminhadas por diferentes hospitais não foram bem sucedidas. Logo se verificou que a sedação e a anestesia bloqueavam essas respostas.

Aos poucos outras respostas começaram a ser obtidas, incluindo a eletrococleografia (ECochG), que foi desenvovida quase simultaneamente por Nobuo Yoshie, no Japão, Jean Marie Aran, na França, e Moshe Feinmesser, em Israel. A ECochG era excelente para estimar simiares auditivos e começou a ser usada para avaliar a audição de crianças com suspeitas de surdez. É importante mencionar que Yoshie trabalhou com o Dr. Davis e com o HAVOC em Saint Louis antes de sua descoberta da ECochG.

Em 1974 comecei a me interessar pelas respostas elétricas auditivas e elaborei um projeto para a FAPESP, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. Como de costume, a FAPESP enviou o texto para análise por dois médicos da mesma área, a fim de ouvir suas opiniões sobre o mérito do projeto. Uma vez que, naquela época, havia somente três Faculdades de Medicina em São Paulo, eu assumi que o projeto havia ido enviado para um médico de cada uma das outras duas Faculdades. Como vocês verão a seguir, minha suposição estava correta.

Cerca de um mês mais tarde recebi uma carta da FAPESP relatando que os dois relatores tinham declarado de forma bastante clara que esta pesquisa não teria nenhum valor. Uma semana depois recebi outra carta dizendo que o projeto havia sido aprovado.

Só fui compreender o que se passou ao participar, anos mais tarde, da banca de um concurso para Livre-Docência. Um dos examinadores foi o Prof. William Saad Hossne, um médico eminente, pioneiro da Bioética no Brasil. Em 1974 ele era o Diretor Científico da FAPESP. Ele então me contou que o meu projeto foi o primeiro da área de otorrinolaringologia a ser enviado à FAPESP e por isso ele resolveu aprová-lo, apesar das avaliações negativas dos relatores.

Traçados normais de ECochG

E assim recebemos nosso equipamento para realizar a ECochG. Jean Marie Aran veio de Bordeaux e ensinou meu amigo Yotaka Fukuda e eu a utlizá-lo. Yotaka e eu fomos os pioneiros do diagnóstico de Doença de Menière * e da Displasia de Mondini ** por meio da ECochG, além de examinar muitas crianças e um número um pouco menor de adultos.

Cerca de três meses depois de recebermos nosso equipamento, as outras duas escolas médicas de São Paulo o receberam também. Da mesma marca, do mesmo modelo, tudo exatamente igual. Coincidência?

Não acredito em coincidências.

* Mangabeira-Albernaz PL, Fukuda Y, Ganança MM. Menière’s Disease. ORL J Otorhinolaryngol Relat Spec (Basel). 1980;42:91-100.

** Mangabeira-Albernaz PL, Fukuda Y, Chammas F, Ganança MM. The Mondini Dysplasia – a clinical study. ORL J Otorhinolaryngol Relat Spec (Basel). 1981;43:131-52.