A evolução de nossa ciência e de nossa sociedade bem como o crescimento de nossa capacidade de fazer diagnósticos cada vez mais precoces (muitas vezes ainda intraútero), fazem com que tenhamos cada vez mais a capacidade de fazermos diagnósticos de entidades raras, eventualmente, desconhecidas.
Todos conhecem o chamado “teste do pezinho” onde inúmeros diagnósticos já podem ser feitos e o início do cuidado à saúde do recém-nascido ou a orientação ou o aconselhamento genético comecem imediatamente.
Nem todos os diagnósticos desta fase exigirão tratamentos ou mesmo acompanhamentos médicos durante a infância ou mesmo durante a vida. Mas, e isto é o mais importante, muitas crianças terão o seu futuro definido com proteção ou tratamento adequados e que poderão promover uma vida normal ou próxima do normal com intervenções clínicas e/ou farmacológicas.
Na verdade, nós não sabemos exatamente quantas são as doenças raras e de quantas áreas do conhecimento são. Sabemos, que temos cerca de 8000 doenças das mais variadas especialidades médicas.
Em minha especialidade, provavelmente, temos as mais frequentes das doenças raras que são as hemofilias e as hemoglobinopatias, estruturais ou quantitativas. Existem várias doenças genéticas, metabólicas, imunológicas, autoimunes, neurológicas etc. que são cada vez mais diagnosticas e que exigem, cada vez mais, investimentos e organização de redes de apoio e tratamento especializados. Alguns destes casos têm tratamentos extremamente caros e que geram enorme pressão sobre o sistema de saúde e, frequentemente, sobre o poder judiciário devido a judicialização deste processo. O fato é que, quanto mais diagnosticarmos os casos e mais precocemente iniciarmos os cuidados e tratamentos adequados, melhor será a evolução do paciente.
Eu sempre acreditei que, fazer o melhor pelo paciente o mais precocemente possível, tanto melhor e mais barato será o tratamento. Mas, este não é um conceito geral e esta é uma área com enormes dificuldades orçamentárias e financeiras e onde temos o maior desafio na busca da equidade dentro do SUS e do sistema suplementar à saúde.
Consideramos doenças raras aquelas cuja prevalência é de 65 pessoas a cada 100000 indivíduos (prevalência) ou ainda 1,3 pessoas para cada 2000 indivíduos.
As doenças crônicas não transmissíveis são cerca de 15-20% deste grupo de doenças. Estima-se que, no Estado de São Paulo tenhamos cerca de dois milhões de pessoas com alguma destas doenças “raras” com cerca de 18-24000 novos casos por ano.
Os grandes pilares para a atenção integral às pessoas com doenças raras são: 1- diagnóstico o mais precoce possível; 2- diminuir o intervalo de tempo entre o início dos sinais e sintomas clínicos e a confirmação diagnóstica; 3- tratamento em tempo adequado e oportuno; 4- reduzir a deficiência e a dependência derivadas da doença; 5- promover de maneira técnica e especializada o aconselhamento genético, feitos por profissionais de saúde preparados para este desafio; 6- controlar os custos deste programa; 7- desenvolver um sistema de informações que dê suporte as medidas necessárias aos pacientes e ao sistema de saúde.
Os objetivos mais relevantes são: a- melhoria da qualidade de vida dos pacientes; b- detecção precoce destas doenças; c- tratamento oportuno; d- redução de incapacidade temporária ou definitiva e; e- cuidados paliativos cujo conceito não é tratamento do “final da vida”, mas para “toda a vida possível” com a melhor qualidade.
No âmbito do Estado de São Paulo este tema tem sido muito discutido e há uma proposta onde as Secretarias de Saúde, as Universidades, a Fapesp, os Institutos de pesquisa etc. vêm trabalhando em conjunto para a criação ou sustentação de “Centros de Referência de Doenças Raras (Rede Dora) e Rede de Serviços de Atenção especializada para Doenças Raras.
A ideia é que os Centros de Referência definam o diagnóstico dos novos pacientes e a Rede faça o acompanhamento e tratamento através dos vários especialistas envolvidos e de várias especialidades.
É claro e é fundamental que o Ministério da Saúde, responsável no país pelas políticas públicas e suas viabilizações, participe deste esforço e possa estabelecer uma política nacional voltada a este grupo de pacientes e linhas de financiamento para o diagnóstico e tratamentos adequados. Ao MS cabe ainda a habilitação e suporte financeiro aos centros especializados. Às Universidades cabe o papel formador de geneticistas e profissionais preparados para o diagnóstico, orientação, aconselhamento e o cuidado em saúde especializada aos pacientes e seus familiares. Existem muitas ações no campo da educação e da ciência para dar suporte a este programa.
É muito importante que os pacientes tenham acesso com qualidade e que possam ter apoio na assistência farmacêutica e de nutrição, dependendo do caso. Para nós profissionais e gestores de saúde, é fundamental cuidarmos da saúde pública como fizemos, por exemplo, no enfrentamento da epidemia da Covid-19, mas é fundamental cuidarmos da singularidade da saúde como é o caso das doenças raras.
A medicina e cuidados à saúde personalizada é uma grande novidade e vem se desenvolvendo em todo o mundo. A busca da equidade é cada vez mais um compromisso de todos nós e tem sido missão de muitas entidades através do mundo. Tenho a esperança de podermos ir adiante neste tema fundamental à saúde destes pacientes muito especiais.
Carmino Antonio De Souza é professor titular da Unicamp. Foi secretário de saúde do estado de São Paulo na década de 1990 (1993-1994) e da cidade de Campinas entre 2013 e 2020. Atual secretário-executivo da secretaria extraordinária de ciência, pesquisa e desenvolvimento em saúde do governo do estado de São Paulo.