Notícia

Jornal da USP

A ciência no centro das atenções

Publicado em 17 março 2003

Por ANDRÉ CHAVES DE MELO
O constante aumento da percepção social de que, sem grandes investimentos no sistema brasileiro de pesquisa científica e tecnológica, um forte desenvolvimento econômico é inviável coloca a questão, ao lado da reforma tributária e da Previdência Social, como um dos grandes desafios do governo Há algum tempo que membros da comunidade científica, economistas e algumas autoridades governamentais têm dito que, para o Brasil voltar a crescer, além do controle de gastos, combate à corrupção e diminuição das taxas de juros, entre outras medidas tradicionais, é vital que haja um grande aumento dos investimentos em pesquisa e inovação científica e tecnológica, incluindo nesse processo a entrada da iniciativa privada, por meio do estímulo à criação de centros de pesquisa, semelhante ao que ocorreu na Coréia do Sul, Taiwan e Índia, países em desenvolvimento que têm vivido, nos últimos anos, um rápido crescimento econômico, acompanhado, inclusive, por um constante aumento do número de patentes registradas. A crença é a de que, se fizermos isso, seremos capazes de diminuir nossa dependência tecnológica do exterior, gerando conhecimentos que poderão dar origem a produtos para exportação, com grande valor agregado, cuja comercialização trará novas divisas, diminuindo o déficit da nossa balança comercial, na maior parte resultado da compra de produtos de alta tecnologia. Nesse contexto, a discussão sobre os investimentos para a ampliação da pesquisa científica e tecnológica surge como uma das questões centrais, ao lado da reforma tributária e da Previdência, a ser equacionada pelo governo nos próximos anos. Foi por isso que a comunidade científica recebeu com alívio a notícia de que o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) liberou R$ 2,15 milhões para que o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pague os compromissos atrasados de 129 projetos do Programa de Apoio a Núcleos de Excelência (Pronex), lançados em 1997 e 1998. O atraso ocorreu devido aos cortes orçamentários feitos nos últimos dois anos — em 2002 chegou a 45% —, por causa das constantes crises financeiras e econômicas mundiais que abalaram o mundo. "Pretendemos, até o final do ano, encerrar as contas dos projetos contratados em 1999, que somam R$ 5,9 milhões correspondentes a 43 grupos de pesquisa", diz Erney Felício Plessmann de Camargo, presidente do CNPq e professor da USP. "Quanto a outras dívidas de 2002, o CNPq tem hoje a pagar pouco mais de R$ 23 milhões, de um orçamento executado de cerca de R$ 620 milhões. A maior parte dessa dívida se refere a contratos dos Institutos do Milênio e do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico, o PADCT, representando aproximadamente R$ 14 milhões." Mais bolsas - Outra boa notícia, anunciada pelo ministro da Ciência e Tecnologia, Roberto Amaral, é que R$ 3,6 milhões serão destinados para que o CNPq aumente em cerca de 9% o número de bolsas de formação (iniciação científica, mestrado e doutorado) e de pesquisa, que somam, atualmente, 44.270 bolsas, o que significa um aumento de 4.328 delas para programas já existentes, e mais 10.250 distribuídas em novas modalidades a serem criadas. "Outro objetivo fundamental do CNPq é a retomada do chamado 'fomento de balcão', com o propósito de facilitar o acesso de cientistas a auxílios financeiros independentemente de sua área de atuação ou de sua especialidade, ao mesmo tempo em que permitirá a participação de jovens pesquisadores e laboratórios de todo o País no sistema de produtividade científica", afirma Camargo. "Esse tipo de fomento será retomado sem prejuízo de programas para grupos de pesquisa ou de programas induzidos e na medida em que as liberações financeiras o permitirem." De acordo com Camargo, sua gestão diante do órgão também terá como meta o estreitamento de parcerias com a Comissão de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), agência governamental ligada ao Ministério da Educação (MEC), e com a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), também ligada ao MCT, além de um maior entrosamento com as fundações estaduais de apoio à pesquisa, como forma de potencializar o papel do CNPq na formulação da política nacional de desenvolvimento científico. Segundo Carlos Vogt, presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, a Fapesp, a notícia de que o CNPq vai pagar dívidas antes de lançar novos projetos é muito positiva. "Eles estão trabalhando com o que têm, pois, por enquanto, não há a injeção de novos recursos", diz Vogt. "Graças à aprovação pelo Congresso, no ano passado, de uma lei que proíbe cortes no orçamento da ciência, tecnologia e inovação, o MCT e o CNPq têm, este ano, maiores possibilidades de planejamento." Idéia é dobrar os investimentos - Anunciada em diferentes ocasiões por Amaral e pelo secretário-executivo do Ministério, Wanderley de Souza, outra meta do MCT é, até o final deste governo, dobrar a participação da área no orçamento anual do governo, passando o valor de 1% para 2% do Produto Interno Bruto (PIB), meta defendida também pela gestão passada, que criou os Fundos Setoriais, os quais recebem recursos do governo e de empresas para serem utilizados no desenvolvimento de projetos específicos, voltados para a solução de problemas dos setores econômicos que os alimentam por meio da pesquisa científica e tecnológica, o que implica a ampliação dos recursos humanos capacitados para lidar com esses desafios. "O sistema de pesquisa brasileiro cresceu muito nos últimos anos, apesar dos cortes gerados pelas crises internacionais", afirma Luiz Nunes de Oliveira, pró-reitor de Pesquisa da USP. "Somente para se ter uma idéia, em um ano tivemos um aumento de 20% do número de doutores formados no Brasil, que saltou de 5 mil para 6 mil e, até o final de 2003, esperamos que atinja a casa dos 7 mil", informa. "Entretanto, aqui no Estado de São Paulo chegamos a uma situação-limite, pois a Fapesp, principal promotora da pesquisa paulista, está com seu orçamento quase que totalmente comprometido, restando poucos recursos para grandes ampliações, quadro que torna o aumento da participação federal fundamental para que evitemos uma estagnação, pois isso seria negativo para todo o País." Oliveira acredita que a intenção do MCT de nacionalizar os recursos da pesquisa somente dará certo se, antes, o governo investir na formação de massa crítica nas regiões carentes de pesquisas. "Não adianta nada colocarmos recursos em lugares que não têm pessoas altamente qualificadas para o desenvolvimento dos projetos", explica. "E também não se pode tirar recursos das regiões que já estão funcionando de maneira eficiente, pois isso colocaria em risco todo o edifício que já foi posto em pé", defende. "O primeiro passo precisa ser a formação de pesquisadores, para daí, progressivamente, ir dotando essas regiões carentes com mais verbas, mas sem tirar nada de ninguém e sim acrescentando, progressivamente, mais recursos para os que têm menos, equilibrando o cenário nacional." Segundo o secretário-executivo Wanderley de Souza, a descentralização de recursos não afetará o eixo São Paulo-Rio, onde se concentra mais da metade da produção científica brasileira. "Queremos estabelecer uma política de criação e consolidação de novos grupos de pesquisa no Norte e Nordeste, mas sem tirar recursos de São Paulo e Rio." Para Vogt, as atuais medidas e planos são importantes, mas a solução também passa por um maior estímulo governamental para a estruturação das fundações de apoio à pesquisa dos outros Estados, cuja participação será fundamental para a ampliação do sistema de pesquisa científica e tecnológica, e pela concessão de autonomia financeira e administrativa para o CNPq, por meio da dotação orçamentária de um percentual sobre os impostos e pela eleição de diretorias com mandatos de quatro anos, nos moldes do que hoje ocorre com a Fapesp. "Isso permitiria ao CNPq um maior espaço para o planejamento de suas ações e maiores chances de defesa contra as oscilações econômicas mundiais e as mudanças de opinião dos políticos", diz Vogt, que também é vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). "Apesar de essa discussão sobre a autonomia do CNPq ser antiga, ela será retomada durante a 55ª Reunião Anual da SBPC, que será realizada em julho, no campus da Universidade Federal de Pernambuco." Além disso, outro meio de se obter recursos para a pesquisa são as patentes. A Fapesp, o CNPq e a USP têm caminhado nessa direção, patenteando conhecimentos e avanços técnicos e buscando parcerias com o setor produtivo para o desenvolvimento de produtos que possam ser comercializados. "Mas, além da defesa do nosso patrimônio intelectual e da possibilidade de gerar novos recursos, o grande ganho está em ensinar para nossos alunos que existe um outro tipo de mercado ou um conjunto de possibilidades nessa direção", afirma Sérgio Muniz Oliva Filho, coordenador da Coordenadoria Executiva de Cooperação Universitária e de Atividades Especiais (Cecae), órgão da USP que mantém o Grupo de Assessoramento ao Desenvolvimento de Inventos (Gadi), criado para ajudar os pesquisadores da Universidade interessados em registrar patentes. "Estamos, atualmente, em fase de elaboração, junto com a Pró-Reitoria de Pesquisa, de um estudo para a ampliação das atividades do Gadi, incluindo uma busca mais intensa por parceiros interessados em fabricar os produtos que têm sua origem nas pesquisas da USP." Doações precisam de estímulos - Recentemente, a USP recebeu uma doação de US$ 85 mil do médico Antonio Maniglia, residente nos Estados Unidos e ex-aluno da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP), valor que será destinado ao custeio de parte da obra de construção da unidade de virologia da faculdade, que será voltada para pesquisas de doenças como a dengue e a antavirose, entre outras moléstias tropicais e viroses respiratórias, como gripe e pneumonia. "Essa doação tem uma grande importância simbólica, pois despertou nossa atenção para a necessidade de criarmos associações de ex-alunos em todas as unidades da USP, que ofereçam cursos de reciclagem profissional, permitindo um novo envolvimento dos nossos antigos alunos com a Universidade e estimulando-os a contribuir com ela, na medida do possível", afirma Ayrton Moreira, diretor da FMRP. "Mas, para uma ampla mudança cultural, com a conscientização da importância do papel das universidades públicas para a sociedade e o estabelecimento de uma prática constante de doações para essas instituições, é necessário que a comunidade científica se associe aos políticos em busca de mudanças na legislação que permitam aos doadores abater valores doados do seu imposto de renda." Para Luiz Nunes de Oliveira, trata-se de um processo de conscientização da sociedade da importância de se abrir mão de parte de determinados recursos, hoje aplicados em outros fins, para que eles cheguem de forma mais direta ao ensino superior e à pesquisa, o que beneficiaria a todos. "Entretanto, mesmo com o aumento de recursos vindos de patentes e de doações, o setor público continuará sendo o principal financiador do sistema de pesquisa e inovação nacional", diz Oliveira, cuja opinião é compartilhada por Moreira. A USP possui, desde 2001, um site onde é possível fazer doações. Ao acessar o endereço www.usp.br/doarusp o interessado encontra um formulário onde ele preenche seus dados pessoais e o que gostaria de doar. Pode ser em espécie (dinheiro) ou em bens (computadores, cadeiras, entre outros). "Quando a pessoa decide doar um bem, analisamos antes de aceitar a viabilidade da doação, ou seja, se aquilo vai ser útil ou não para a realidade da Universidade", explica Peter Greiner Jr., assistente do Departamento de Finanças da Coordenadoria de Administração Geral (Codage) e responsável pelo controle do site. "O preenchimento dos dados é muito simples e o formulário permite ao interessado escolher se fará a doação à USP de uma maneira geral ou a uma unidade específica, onde ele estudou ou com a qual tem mais afinidade."