Notícia

Ensino Superior

A ciência brasileira em expansão

Publicado em 30 novembro 1999

Por Syvia Miguel

A coordenadora dos indicadores da Fapesp fala do crescimento da pesquisa no Brasil e do papel das escolas particulares nos rumos da educação. 

Nunca a produção científica brasileira teve um crescimento tão expressivo. Entre os anos 1998 e 2002, o número de artigos científicos indexados na base do Institute for Science Information (ISI) aumentou 54%, marca bem superior à média mundial, que cresceu apenas 8,7% no mesmo período. O movimento de expansão e desconcentração do sistema público de pós-graduação se acentuou: fora do Estado de São Paulo, as matrículas cresceram 62%, e o número de titulados, 113%, cifras muito superiores às taxas paulistas, de 26% e 55%, respectivamente. A expansão do ensino superior de graduação se confirmou, sendo que, em 2002, a participação da rede privada no total de matrículas atingiu 85% em São Paulo e 70% no Brasil. Os dispêndios públicos em atividades de pesquisa recobraram fôlego e os paulistas continuam comparecendo com mais força nas exportações de produtos de alta tecnologia. Estes e outros dados estão no terceiro volume dos Indicadores de Ciência, Tecnologia e Inovação em São Paulo - 2004, lançado recentemente pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo).

Os resultados positivos da produção científica nacional estão em grande parte associados ao  crescimento da pós-graduação e à desconcentração da pesquisa no Sudeste em relação à outras regiões país. Por outro lado, os dados evidenciam que o crescimento da graduação foi fundamentalmente conduzido pela rede particular. Isso demonstra o papel importante desempenhado pelas particulares, que é o de aperfeiçoar seus currículos de graduação. "Trata-se de estimular a pesquisa, por um lado, mas também incentivar a criação de mais cursos técnicos e profissionalizantes para suprir a demanda, que é grande, pois nem todo mundo tem vocação para a carreira acadêmica", afirma Regina Gusmão, responsável pela coordenação da mais recente edição dos indicadores da Fapesp. Nesta entrevista, ela fala sobre resultados apresentados e aponta as tendências na evolução da ciência brasileira.

Ensino Superior -- Por que publicar indicadores sobre ciência e tecnologia, e desde quando isso é feito pela Fapesp?
Regina Gusmão -- A primeira edição da série Indicadores de Ciência, Tecnologia e Inovação em São Paulo foi lançada em 1998. A segunda veio em 2001, e esta é a terceira. A série está inserida em um projeto maior, que também inclui um portal que disponibiliza links para as principais fontes de informação em indicadores de ciência e tecnologia, tais como documentos, organismos, serviços de informação on-line, etc. A idéia é fornecer um retrato sistemático do potencial científico e tecnológico no Estado de São Paulo, comparado com os esforços de outros Estados e países. É um importante insumo para gestores e formuladores de políticas para o setor, assim como para pesquisadores e especialistas que trabalham com o tema. Os dados são acompanhados de análise qualitativa e interpretados à luz dos contextos sócio-econômicos nacional e internacional. O volume é feito nos moldes das publicações internacionais de referência, de forma a garantir a comparabilidade das informações.

O aumento de 54% no número de publicações na base norte-americana ISI não pode simplesmente ser um indício de que a ciência brasileira finalmente desperta de seu atraso?
Eu, pessoalmente, não acredito nisso. Este crescimento visível de publicações indexadas não quer dizer que não fazíamos nada antes, nem que a produção de ciência se limite à publicação de artigos nas bases internacionais. O acesso à pesquisa talvez esteja mais facilitado, há um número maior de cursos de pós-graduação, há mais pesquisadores publicando e o número de bolsas também cresceu. Acho que o país está oferecendo mais condições para o desenvolvimento da ciência nacional. Esse resultado não é mágica, nem surpresa. Acredito que é reflexo de políticas públicas e estratégias que evoluíram e os resultados começaram a aparecer.

Quais fatores contribuíram para este salto?
Houve a abertura de novos cursos de pós-graduação, novas bolsas para pesquisa e ampliação dos recursos e diversificação dos programas das agências de fomento como a Capes, CNPq e Fapesp. Até 1998, observava-se um decréscimo dos investimentos públicos para ciência e tecnologia. Os dados revelam que este quadro parece estar se invertendo desde então. Fora isso, novas ações  do MCT (Ministério da Ciência e Tecnologia), do Midic (Ministério da Indústria e Comércio), do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), da Finep (Financiadora de Estudos e Projetos) e de agências como a Fapesp visam a aproximar mais o setor produtivo do conhecimento gerado na academia.
Mesmo diante deste quadro otimista, parece que cientistas e empresas ainda não engrenaram. Muitos pesquisadores e acadêmicos reclamam que o ponto crítico ainda continua sendo transformar o conhecimento gerado em inovação tecnológica.

O que é necessário para ativar a tríplice hélice formada pelo governo; as universidades e institutos de pesquisa; e também o sistema produtivo privado?
De fato, a maior lacuna no Brasil ainda é a falta de mecanismos apropriados, a irregularidade na transferência de conhecimento e a pouca articulação entre o setor produtivo e o meio acadêmico. Isto é um fator histórico e estrutural, reforçado pela grande falta, no passado, de ações concretas que incentivassem essa transferência. Embora longe do ideal, esta situação tem mudado nos últimos 10 anos, com o surgimento de dispositivos específicos de estímulo à pesquisa no setor industrial e programas governamentais voltados às parcerias universidade-empresa. A Fapesp, por exemplo, já lançou uma série de  programas voltados especificamente  à indução e fortalecimento dessas parcerias, como é o caso do PIPE (Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas), do PITE (Parceria para Inovação Tecnológica), do Consitec (Consórcios Setoriais para Inovação Tecnológica), do CEPID (Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão).

E quanto aos investimentos?
Os indicadores mais recentes revelam uma inversão na tendência de decréscimo dos dispêndios públicos em relação ao observado na edição anterior. Os gastos públicos anuais no Estado de São Paulo no período 1998-2002 ficaram sempre acima dos R$ 2,3 bilhões, dos quais 60% provenientes do governo estadual e 40% do governo federal. Diferentemente do resto do país, o investimento privado (54%) no Estado de São Paulo é superior ao público (46%), configurando-se aí um padrão mais próximo ao observado em economias industriais mais dinâmicas, ao passo que esta relação no resto do país está em torno de 60% (público) e 40% (privado). Além disso, o Estado de São Paulo confirmou uma nítida especialização no setor saúde, sendo que o maior número de artigos indexados no ISI veio dessa área.

Por que a configuração dos financiamentos é diferenciada no Estado de São Paulo, onde se sobressaem os investimentos privados em pesquisa?
Isto se deve ao perfil industrial e econômico próprio do Estado. O setor empresarial aqui é mais dinâmico, sofisticado, e demanda mais inovação. Muitas empresas que aqui estão são subsidiárias de multinacionais, que se destacam mais em atividades de pesquisa e desenvolvimento.

Qual o papel das universidades particulares na expansão da ciência no Brasil?
Fazer pesquisa, nas particulares, é ainda mais importante quando se observa que atualmente é delas que sai a grande maioria dos titulados em graduação. Portanto, elas têm um grande papel a desenvolver, investindo mais nos seus currículos de graduação de forma a incentivar atividades de pesquisa. Trata-se de dar mais oportunidade aos alunos para se informarem e se sensibilizarem sobre a importância de fazer pesquisa. Vejo também a necessidade de se criar mais cursos técnicos como opção à graduação. É muito importante o papel de instituições como o Senai e Senac, mas elas, por si sós, não suprem a demanda. O Brasil é carente de ensino profissionalizante, que no exterior já está muito desenvolvido. Numa outra situação, seria possível aproveitar o potencial de muita gente que não tem gente a predisposição necessária para se dedicar à atividade acadêmica.

Os resultados de produção científica mostram  que o Brasil está no rumo certo para se inserir na sociedade do conhecimento?
Claro que fazer ciência não se reduz à publicação de artigos. Produção científica é muito mais que isso. Além de publicações, deve-se levar em conta outros tipos de indicadores como a infra-estrutura disponível, equipamentos, projetos de pesquisa submetidos às agências de fomento, os relatórios de pesquisa etc. Além disso, há uma série de revistas nacionais que não estão inserida na base internacional, mas também produzem ciência. De alguma forma, já estamos lá. Repetimos sempre projetos de renome desenvolvidos no Brasil como o Genoma, mas há muitos campos que confirmam o nível de excelência a que chegamos, como o de neurociências, o agroindustrial, o de biotecnologia e outros. Apesar de ainda termos muitos setores atrasados, não se pode esquecer que o Brasil começou a ter uma estrutura de ciência e tecnologia no século 20, com um sistema integrado e agências de fomento. A Europa faz ciência há vários séculos, lá existe uma tradição muito antiga. Ainda temos problemas enormes a superar no Brasil, como o acesso à educação, sem a qual não há como se fazer pesquisa. Porém, do ponto de vista tecnológico, alguns exemplos como  a Embraer e Petrobras são sucessos visíveis e representam áreas onde o Brasil está em destaque. Não tem mais volta. A inovação tem sido diretamente associada ao crescimento econômico e à competitividade dos produtos. Isso implica maior investimento em pesquisa.

Regina Gusmão é coordenadora de Indicadores da Fapesp e ex-colaboradora do Observatoire des Sciences et des Techniques (OST) da França.