Segundo a tradição grega, a Esfinge era um monstro bastante estranho: tinha voz e rosto de mulher, asas de pássaro e unhas de grifo. Ficava em cima de uma montanha, perto de Tebas e assustava os transeuntes a quem dominava pelo medo. Propunha-lhes como condição de alforria enigmas obscuros e embaraçosos. Caso o prisioneiro não soubesse ou ficasse confuso com a situação, estraçalhava-o cruelmente. Os tebanos, aterrorizados, prometeram a quem resolvesse os enigmas da Esfinge o controle da cidade, condição para derrotá-la. Como todos sabem, certamente, Édipo aceitou o desafio motivado pelo valor do prêmio e, uma vez exitoso, matou a Esfinge e foi então coroado rei de Tebas.
A ciência, como já notou Bacon em sua Nova Atlântida, deixa perplexos os ignorantes e inábeis. Assim como a Esfinge, ela é multiforme, dada à imensa variedade de assuntos com que se ocupa. Se a Esfinge tem asas, a ciência tem enorme capacidade de divulgar o que produz, e por isso voa longe, transmitindo cada vez mais conhecimento, por um lado, e medo, por outro. As garras da Esfinge são os axiomas e argumentos da ciência que penetram e aferram a mente dos cientistas de tal modo que se tornam inexoráveis. É do alto que o conhecimento ergue sua morada. Eles não caem do alto, mas são construídos para o alto e lá contemplam a ignorância.
Os enigmas que a ciência é obrigada a explicar e solucionar são penosos, tortuosos e por vezes difíceis. Cabe ao cientista ter habilidade e prontidão a fim de solucionar os enigmas propostos pela ciência. E atualmente eles não são poucos: os organismos geneticamente modificáveis são ou não prejudiciais à saúde humana A energia nuclear é ou não uma boa alternativa em termos de energia limpa A clonagem de humanos vai mesmo resolver as questões postas sem, no entanto, modificar a estrutura genética humana Podemos conviver com a natureza sem agredi-la ou exauri-la
Mas a Ciência não sobrevive sem investimento público em longo prazo. É lamentável que muitos políticos nesta campanha eleitoral ainda não tenham percebido a importância da ciência na consolidação da autonomia nacional. Até onde observamos, não vimos nenhum candidato fazer qualquer referência ou proposta em Ciência e Tecnologia para o Estado de Sergipe, seja na propaganda eleitoral gratuita seja nos programas de governo ou plataformas políticas. O curioso é que muitos postulantes à política fazem referência à educação, à saúde, aos meios de combater a violência, mas ignoram quase completamente o potencial da pesquisa científica em terras sergipanas na superação de muitos de seus problemas. Este assunto aparece aos olhos de muitos beirando a perfumaria, como uma excentricidade, uma extravagância, um luxo. A tirar pelo que vemos na propaganda eleitoral gratuita, estamos perdendo de debater grandes questões que envolvem o nosso futuro a curto e médio prazo, e o que é pior, pomos no seu lugar, muitas vezes, bagatelas, ninharias, picuinhas políticas que só nos mergulham na pequenez e na menoridade.
Nos últimos quatro anos, a FAPITEC-SE deu uma guinada extraordinária como nunca tinha acontecido antes. É digno de nota que, neste ano em que ela completa 10 anos de existência, em que os editais de fomento à pesquisa, de incentivo à produção científica, de divulgação científica, de realização de eventos científicos, de consolidação de grupos de pesquisa, de fornecimento de bolsas regulares da iniciação científica júnior até as de doutorado, passando pelas de Doutorado Regional, a FAPITEC-SE cumpriu seu papel de forma admirável, não obstante suas imensas dificuldades. Mas, pensamos, nada foi mais marcante do que o acordo com a CAPES, que a inseriu num patamar bastante significativo no contexto das FAP"s consolidadas.
No entanto, precisamos avançar. Quando os políticos de Sergipe vão se conscientizar da importância da FAPITEC-SE para o desenvolvimento do estado Por que os problemas que a envolvem não são discutidos pela classe desses postulantes que vão comandar Sergipe nos próximos anos Por que, quando se fala em Ciência e Tecnologia, temos a viva impressão que seus dirigentes vão mendigar recursos juntos às instâncias políticas O que foi feito nesses últimos anos para que se concedesse autonomia econômica e financeira à FAPITEC-SE para que ela pudesse gerir o fundo do FUNTEC O que os pesquisadores podem esperar em termos de Ciência e Tecnologia para o estado nos próximos anos Quais são as propostas para este setor se é que elas existem São perguntas como estas que de certo a comunidade científica sergipana gostaria de saber vivamente.
Poderíamos aproveitar os festejos desses 10 anos para dar-lhe um enorme presente: a sua alforria! Urge ainda: pensar meios de incentivar e envolver mais e melhor os alunos de graduação na pesquisa criar mecanismos eficazes de acompanhamento de toda a pesquisa financiada pela agência diminuir a burocracia de toda a tramitação dos pedidos da instituição incentivar os funcionários da FAPITEC-SE à capacitação na área, visando a fornecer um estatuto mais consolidado da agência de fomento implementar um sistema eletrônico em que o papel seja praticamente instinto profissionalizar o sistema de pareceristas ad hoc, a fim de a agência não ficar dependendo da "boa vontade" de pesquisadores externos formular uma política de editais apenas para áreas carentes do estado, dentre outras necessidades. Mas para fazer tudo isso, não há milagres, apenas muito trabalho por parte daqueles que estão à frente, autonomia financeira e gerência dos recursos na implementação das políticas de fomento, por um lado, e apoio por parte de toda a classe política, por outro.
Só pode haver ciência por meio do debate público, visando a resolver mais e melhor muitos dos desafiadores enigmas do mundo contemporâneo. Mas ela não pode fazer muita coisa sem recursos financeiros e sem apoio político. Nesta época de eleições, quais são os candidatos que vão se comprometer com a FAPITEC-SE. Quem irá lutar para dar a ela aquilo que a FAPESP tem desde a década de 60 do século passado autonomia. Quem seria capaz de abrir uma espécie de cruzada suprapartidária em defesa da autonomia financeira da FAPITEC-SE em que o objetivo máximo seria alavancar o desenvolvimento de Sergipe para os próximos 10 anos Será que seria pedir demais que os políticos se comprometessem com o futuro do estado a partir da Ciência e da Tecnologia. Existiria algum Édipo sergipano que pudesse descobrir este enigma Será que teremos de esperar infinitamente que a Esfinge continue a devorar os transeuntes.