Os primeiros passos de uma carreira importante na ciência e na pesquisa, cujo aprofundamento em muitos casos leva a um mestrado ou doutorado, podem ser dados ainda no período de graduação — e, nesse campo, uma experiência marcadamente brasileira tem muito a ensinar ao mundo. "A iniciação científica é a melhor ferramenta para a identificação de talentos para a pesquisa", avalia o professor Raul Machado Neto, presidente da Comissão de Iniciação Científica e suplente do pró-reitor de Pesquisa da USP. "E nenhum país tem nessa área a experiência que o Brasil tem", completa. Tanto isso é verdade que o governo da Escócia - que está realizando uma grande revisão de seu sistema universitário, com foco no ano de 2030 - convidou o professor para falar sobre os programas brasileiros numa reunião realizada em março deste ano.
Para Machado Neto, são muitas as vantagens de introduzir os alunos na pesquisa científica enquanto eles ainda realizam a graduação: os estudantes desenvolvem senso crítico, capacidade metodológica e postura profissional; convivem com outros professores e estudantes de pós-graduação, aprendendo a trabalhar em equipe e a dar credito ao que foi feito por quem os antecedeu na pesquisa; passam a ter mais ousadia na busca de inovações e a ter uma relação mais respeitosa com a ciência, a academia e a sociedade.
Na USP, um dos cursos em que os efeitos desse programa são mais visíveis é o bacharelado em Ciências Moleculares (CM). A iniciação científica faz parte do currículo obrigatório do ciclo avançado do curso (sua segunda metade) e muitas vezes representa um encurtamento do caminho do estudante para o doutorado. "A iniciação permite que o aluno vá para a pós-graduação mais amadurecido e tenha um desempenho mais seguro", diz a professora Lucile Winter, professora do Instituto de Biociências (IB) da USP e integrante da Comissão Diretiva do CM. "O estudante tem a possibilidade de ver, de experimentar, de saber se é realmente aquilo o que ele quer e de começar a desenvolver projetos e esforços que podem levá-lo à pós." Dos 68 formados nos 13 anos de existência do curso, 11 já concluíram o mestrado e 21 o doutorado - alguns deles saindo diretamente da graduação.
Ganho - De acordo com dados das agências nacionais de fomento à pesquisa, aproximadamente 36% dos alunos que fazem iniciação ingressam na pós, em média apenas 1.2 anos depois da formatura - contra uma média de 6.8 anos de quem não passa pelo programa. Se é fato que a iniciação estreita os laços entre seus participantes e a pós, tanto Lucile Winter quanto Machado Neto concordam que passar por essa experiência traz ganhos para outras áreas da vida pessoal e profissional do aluno, mesmo que ele não venha a procurar uma pós.
A iniciação se confunde com a própria história da pesquisa científica do Brasil no século 20. "Já nas décadas de 1930 e 40 se falava em alunos-ajudantes", conta Machado Neto. O professor destaca o papel fundamental das agências de fomento para a consolidação do Brasil como referência mundial na área. C) Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), fundação vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia, apóia os programas desde a sua fundação, em 1951 - é a segunda agência mais antiga do mundo.
Na USP, atualmente são cerca de 4 mil os alunos que fazem iniciação científica recebendo bolsas de diversas fontes - além do CNPq, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) é a principal financiadora. Para o professor Machado Neto, entretanto, o número total chega a cerca de 7 mil, pois há muito envolvimento voluntário de estudantes. "Existe bastante financiamento para a iniciação na USP, mas temos espaço para mais", acredita. "Essa é uma proposta que está muito bem sedimentada na Universidade."
PAULO HERMÜLLER
Notícia
Jornal da USP