São sete grandes projetos em andamento nos vários campi da Universidade. O Jornal da USP conversou com os líderes dessas pesquisas e, nesta reportagem, explica todos os detalhes
Atualmente, o Brasil tem duas vacinas contra o SARS-CoV-2 aprovadas para uso emergencial: a Coronavac, desenvolvida pela empresa chinesa Sinovac, e a AstraZeneca/Oxford, produzida pela Universidade de Oxford em parceria com a multinacional inglesa.
Para que um imunizante seja aprovado e esteja disponível no mercado, são necessários de dez a 15 anos de muita pesquisa e vários testes. A aprovação para uso emergencial das duas vacinas disponíveis foi feita em tempo recorde, mas ainda é possível que os imunizantes passem por melhorias.
Autoridades, médicos e cientistas ressaltam a importância de termos um produto brasileiro com tecnologia 100% nacional, mesmo que isso demore anos. As razões vão desde a preocupação de que a covid-19 se torne uma doença sazonal até a dependência de importação de insumos, processo que atrasa a fabricação de vacinas no País.
A USP é uma das instituições que assumiram o compromisso de desenvolver uma vacina do zero. São sete projetos em andamento nos vários campi da Universidade. A vacina em spray nasal do Instituto do Coração (Incor) da Faculdade de Medicina (FMUSP); a vacina nanoparticulada da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP); a vacina vetorizada da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos (FZEA); as quatro plataformas vacinais em ensaios pré-clínicos do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB): a nanovacina, a vacina de subunidades, e as vacinas de DNA e de RNA.
As duas primeiras são as que se encontram em fase avançada. O grupo que desenvolve a vacina em spray nasal deve iniciar os testes toxicológicos em breve. Já a nanoparticulada, da FMRP, aguarda a aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para iniciar os ensaios clínicos de fase 1 e 2.
SPRAY NASAL: A VACINA SEM DOR
A ideia de uma vacina contra a covid-19 indolor, bem aceita por crianças, gestantes e idosos, desenvolvida com tecnologia nacional e que ataca o vírus na porta de entrada para o organismo, pode virar uma realidade em breve. A produção do imunizante em formato de spray nasal começou em abril de 2020 e, atualmente, é liderada por Jorge Kalil Filho, diretor do Laboratório de Imunologia do Instituto do Coração (Incor) do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina (FMUSP).
Em entrevista ao Jornal da USP no Ar 1ª Edição, o médico disse que a proposta do trabalho, desde o início, era estudar melhor a resposta imune contra o coronavírus para criar uma vacina baseada nos alvos da resposta imune mais eficientes.
“Tem duas formas de nós combatermos o vírus: não deixando ele entrar em uma célula, ou se ele entrou na célula e a infectou, ele pode ser morto por uma outra célula do sistema imune”, explica Kalil Filho. Para o estudo, então, coletou-se o sangue de pessoas contaminadas com o vírus e foi possível analisar os alvos da resposta de anticorpos e também da resposta celular. Essa investigação mais profunda do antígeno é o que diferencia a nova vacina das demais.
“A prova de conceito e a formulação da vacina estão prontas e os dados serão publicadas em breve”, afirma Marco Antonio Stephano, pesquisador da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da USP e um dos criadores do projeto. “Devemos partir agora para os testes toxicológicos, que fazem parte dos ensaios pré-clínicos.”
Nessa fase, os pesquisadores devem avaliar a segurança da vacina em camundongos e porcos. De acordo com Stephano, os suínos não são suscetíveis ao vírus, mas neles será possível avaliar, além da produção de anticorpos, a resposta celular. “Conseguiremos, também, testar o dispositivo para inoculação no nariz, que será usado em seres humanos.”
Resposta imune celular ocorre quando os linfócitos ou células T atacam o microrganismo que está dentro da célula, eliminando as células infectadas. Também sinalizam para outras células do sistema imune, além de gerar imunidade celular.
Se aprovada, o próximo passo é pedir a liberação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para iniciar os ensaios clínicos de fase 1 e 2.
Além do Incor e da Faculdade de Ciências Farmacêuticas, fazem parte do projeto o Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) e o Instituto de Química (IQ), ambos da USP, além de cientistas da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
A principal fonte de recursos vem da Rede Vírus, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), além do auxílio do Projeto USP Vida.
O imunizante já prevê a proteção contra as novas variantes em circulação: a africana, a de Manaus e a inglesa.
VACINA NANOPARTICULADA
Com diversas plataformas tecnológicas de vacinas já desenvolvidas e conhecimento adquirido ao longo de mais de 30 anos de trabalho com imunizantes, Célio Lopes Silva, professor do Departamento de Bioquímica e Imunologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP e coordenador do Laboratório de Vacinas Gênicas da FMRP, decidiu enviar um projeto ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) assim que a pandemia foi declarada. A ideia inicial era produzir uma proteína recombinante a partir das proteínas S, do núcleo do capsídeo e da membrana (ver figura x). Por meio de análises de bioinformática, os pesquisadores criaram um antígeno e tentaram expressar aquelas proteínas em culturas de bactérias e em baculovírus (vírus de insetos utilizados no controle biológico de pragas agrícolas e também como ferramenta para expressão de diferentes proteínas, inclusive de antígenos virais), mas o resultado foi insatisfatório.