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Nexo Jornal

A ascensão e influência das igrejas neopentecostais no Brasil (5 notícias)

Publicado em 19 de abril de 2020

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Denominações religiosas neopentecostais exercem hoje grande influência na política e na sociedade brasileiras. Elas contam com seguidores em todo o país, veículos de mídia e representantes em cargos executivos e legislativos.

É uma influência que vem a reboque da expansão das religiões evangélicas no Brasil, seguidas por 31% dos brasileiros, segundo pesquisa do Datafolha de 2019. O neopentecostalismo, porém, tem suas particularidades, conforme o Nexo explica abaixo.

O QUE é o neopentecostalismo

O neopentecostalismo é um movimento dissidente do protestantismo, iniciado por líderes religiosos dos Estados Unidos nos anos 1960. Foi quando passaram a ser chamados de neocarismáticos ou evangélicos carismáticos. No Brasil, o movimento teve início com Edir Macedo e sua Igreja Universal do Reino de Deus no fim dos anos 1970.

Características centrais

Prega a Teologia da Prosperidade, segundo a qual Deus reserva sucesso financeiro, saúde e realizações na vida para os cristãos

O dízimo e a oferta conduzem à prosperidade. A lógica é: quanto mais se doa à igreja, mais sucesso está por vir

É descentralizado e sectário, com independência entre as igrejas, sem uma figura hierárquica central, como o papa católico

Enfatiza uma constante guerra espiritual contra a figura do Diabo e seus representantes na Terra, da cultura à política

Propõe uma abordagem menos severa em relação ao uso de roupas pelos fiéis do que nas pentecostais mais antigas

Usa meios de comunicação de massa, como rádios e programas de TV, para pregar sua fé e obter novos fiéis

O neopentecostalismo é considerado a terceira onda do pentecostalismo. Desde seu surgimento, influenciou boa parte da comunidade cristâ, do próprio pentecostalismo clássico ao catolicismo, que reagiu ao movimento neopentecostal com sua Renovação Carismática.

Atualmente, outros países que contam com denominações de características parecidas com aquelas adotadas pelas igrejas neopentecostais brasileiras são Nigéria, México e Coreia do Sul.

Principais igrejas no Brasil

Igreja Universal do Reino de Deus, conhecida pela sigla Iurd, fundada por Edir Macedo em 1977

Igreja Internacional da Graça de Deus, fundada pelo pastor R.R. (Romildo Ribeiro) Soares (ex-Iurd), em 1980

Igreja Renascer em Cristo, fundada pelo casal de bispos Estevam Hernandes e Sônia Hernandes, em 1986

Sara Nossa Terra, fundada pelos bispos Robson Rodovalho e Maria Lúcia Rodovalho, em 1992

Igreja Mundial do Poder de Deus, fundada pelo pastor Valdemiro Santiago (ex-Iurd), em 1998

A Teologia da Prosperidade como motor

As origens da mensagem da Teoria da Prosperidade se localizam nas ideias de pastores americanos ligados a igrejas ou práticas pentecostais, entre os quais os religiosos E.W. Kenyon (1867-1948) e Kenneth Hagin (1917-2003). Um dos versículos bíblicos mais citados por Hagin foi “por isso vos digo que todas as coisas que pedirdes, orando, crede receber, e tê-las-eis” (Marcos 11:24).

O fracasso e a pobreza financeira são atribuídos à falta de fé do indivíduo, muito mais do que a qualquer contexto social ou econômico. É uma ideia de caráter meritocrático. O dízimo, entendido como expressão da fé de quem doa, ganha uma centralidade maior do que em outras denominações e é apresentado por líderes neopentecostais como caminho principal para esse sucesso.

A historiadora britânica Kate Bowler descreve a Teologia da Prosperidade exaltada em grande parte das igrejas neopentecostais como uma convergência entre três fatores:

O pentecostalismo, de onde saem os líderes que viriam a adotar as práticas posteriormente classificadas como neopentecostais

O Movimento Novo Pensamento, linha espiritual de crenças metafísicas do século 19 que exalta a força da mentalidade positiva

O “sonho americano” do sucesso individual a partir de conquistas que dependem exclusivamente do esforço pessoal

O discurso da riqueza como bênção não estava presente nas primeiras ondas do pentecostalismo, no início do século 20. A frugalidade e o foco na conexão com o Espírito Santo eram marcas de denominações como a Assembleia de Deus ou a Igreja do Evangelho Quadrangular.

Com a ascensão das neopentecostais, alguns pastores das igrejas pentecostais mais antigas tentaram incorporar o discurso da Teoria da Prosperidade. A resistência das instâncias superiores do movimento pentecostal levou muitos líderes religiosos a fundar suas próprias igrejas, ampliando a rede neopentecostal.

Diferenças e semelhanças com pentecostalismo

O neopentecostalismo é consequência do movimento pentecostal. Em grego antigo, “pentecost” significa quinquagésimo dia. O dia marca a passagem de 50 dias depois da Páscoa. No judaísmo, se refere ao Festa das Semanas ou Festa dos 50 Dias, celebrado no 50º dia depois da Páscoa judaica.

No cristianismo, é marcado por um evento em que cristãos receberam dons do Espírito Santo, conforme descrito no segundo capítulo dos Atos dos Apóstolos, quinto livro do Novo Testamento. “Todos ficaram cheios do Espírito Santo e começaram a falar noutras línguas, conforme o Espírito os capacitava”, diz a passagem.

Os pentecostais acreditam na “inerrância Bíblica”, ou seja, o texto da Bíblia não contém falha ou contradição, e que a volta de Jesus Cristo à Terra está próxima, algo também presente no movimento neopentecostal.

Tanto pentecostais como neopentecostais promovem rituais com elementos de magia, como exorcismos e processos de cura. Uma diferença importante dos neopentecostais é que eles rejeitam o ritual pentecostal de falar em línguas diferentes, em que o fiel é supostamente possuído pelo espírito e se expressa de forma incompreensível ou em outro idioma.

Outra diferença importante entre neopentecostais e pentecostais tradicionais é quanto à apresentação dos fiéis. Os neopentecostais dispensam o vestuário formal e regras rígidas sobre cortes de cabelo, tipos de roupa e uso de maquiagem por mulheres. Desafiam, portanto, o antigo estereótipo do “crente” em que homens usavam camisa e gravata e as mulheres saias (nunca calças) e cabelos longos presos.

“[Os neopentecostais] mantiveram, porém, a interdição ao consumo de álcool, tabaco e drogas ilegais, aos jogos de azar, ao sexo extraconjugal e homossexual”, afirma Ricardo Mariano, do Departamento de Sociologia da USP e um dos pioneiros a estudar o tema no país.

De acordo com Mariano, em tempos recentes “diluíram-se, em grande medida, as diferenças entre as igrejas pentecostais e neopentecostais; em certos casos, se considerarmos o que antes se afigurava como marcador de diferença tornaram-se indistinguíveis”.

COMO surgiu o neopentecostalismo

O neopentecostalismo é consequência de uma história que começa nos EUA no início do século 20. A sequência de eventos conhecida como avivamento da rua Azusa, ocorrido em Los Angeles, entre 1906 e 1915, é considerada pelas igrejas pentecostais como seu ponto de partida na era contemporânea.

Em um prédio despojado, sem adornos ou púlpito, de formato quadrangular, o pastor leigo afro-americano William J. Seymour conduziu um evento onde teriam se registrado ocorrências da atuação direta do Espírito Santo, como pessoas falando em línguas (“glossolalia”), a cura de doenças e a salvação espiritual de indivíduos.

O estilo das cerimônias fugia do comedimento e reserva comuns em cultos católicos e protestantes tradicionais. O clima era eufórico, barulhento, marcado por gritos, dança e gesticulações.

Centenas de pessoas começaram a frequentar o lugar, principalmente afro-americanos, mas também brancos e hispânicos. Também vieram pessoas de outras cidades e países. Cultos ao estilo do realizado na rua Azusa começaram a ocorrer em outras localidades.

Perto de Chicago, dois imigrantes suecos, Daniel Berg e Gunnar Vingren, tiveram contato com o novo estilo de culto. Em 1910, viajaram a Belém do Pará, onde fundaram a primeira Assembleia de Deus brasileira.

O nome já era usado em outra iniciativas parecidas nos EUA, mas não havia qualquer ligação institucional. No mesmo ano, foi fundada no Paraná a Congregação Cristã do Brasil pelo missionário ítalo-americano Louis Francescon. Embora não se considere pentecostal, essa denominação é frequentemente incluída nessa categoria.

Essa primeira fase é conhecida como pentecostalismo clássico. Se definiram aqui as principais características da doutrina pentecostal, entre elas a ideia da conexão direta do fiel com Deus por meio do batismo do Espírito Santo.

A expressão tem dois sentidos. Pode se referir a aceitar Jesus Cristo como salvador, se unindo a Deus. Ou pode ser a passagem por uma experiência profunda com o Espírito Santo, quando o fiel crê que foi tomado por ele e pode se sentir motivado, corajoso ou ter uma epifania.

Na década de 1950, houve no Brasil a chamada segunda onda do pentecostalismo, em que diversas igrejas importantes foram fundadas. Em 1951, um pastor americano e um peruano fundam a primeira unidade brasileira da Igreja do Evangelho Quadrangular, que se tornaria uma das primeiras denominações pentecostais do país.

Na sua esteira, surgiram as igrejas Ministério Cristo Vive, O Brasil para Cristo e Igreja Pentecostal Deus é Amor. Muitos dos fundadores dessas instituições são oriundos do catolicismo ou de correntes protestantes tradicionais. Esses líderes já traziam algumas das características que viriam a marcar o neopentecostalismo, como uma abordagem menos severa em relação ao uso de roupas pelos fiéis e o uso da rádio para transmitir sua mensagem. Foi um período de expansão do pentecostalismo em território brasileiro.

Fundada pelo evangelista canadense Robert McAlister, em 1960, a Igreja Cristã Nova Vida trazia práticas do pentecostalismo. Sediada inicialmente em Bonsucesso, zona norte do Rio, foi frequentada pelos jovens Edir Macedo e R.R. Soares. Em 1968, McAlister publicou um folheto em que denuncia “a verdade sobre a umbanda e o candomblé”. Quase uma década depois, Edir Macedo inauguraria o neopentecostalismo Brasil com a fundação da Igreja Universal do Reino de Deus, em 1977.

QUEM são os líderes neopentecostais no Brasil

Os líderes das principais denominações neopentecostais brasileiras são nomes conhecidos em todo o país. Em geral, evitam falar à grande imprensa, preferindo se comunicar por canais próprios. Acumularam vastas fortunas pessoais à medida que suas igrejas se expandiram. Suas biografias contam com episódios controversos, incluindo acusações de lavagem de dinheiro, sonegação de impostos e estelionato.

Edir Macedo

“Uma pessoa muito determinada (...) ambiciosa e muito focada. É um empreendedor, uma pessoa de visão”, é como o jornalista Gilberto Nascimento descreve Edir Macedo, fundador e bispo da Igreja Universal do Reino de Deus. Nascimento é autor do livro “O Reino: A história de Edir Macedo e uma radiografia da Igreja Universal”, publicado em 2019. O livro conta com diversos depoimentos de ex-membros da Iurd e lança um olhar crítico e jornalístico sobre a instituição religiosa.

Originário de Rio das Flores, interior do Rio de Janeiro, Macedo começou pregando o evangelho em um coreto na zona norte da capital. Em 1977, fundou a Igreja Universal do Reino de Deus com seu cunhado, R.R. Soares. Seu sobrinho Marcelo Crivella, atualmente prefeito do Rio de Janeiro, está entre a primeira leva de frequentadores. Na década de 80, Macedo promoveu a expansão da Iurd pelo Brasil, chegando a todos os estados do país e mais de 50 países na década seguinte. Em 1989, o bispo comprou a TV Record. No início da década de 90, Macedo passou 11 dias preso sob acusação de charlatanismo e curandeirismo. Em 2019, a revista Forbes estimou sua fortuna em cerca de R$ 2 bilhões.

R.R.Soares

Cofundador da Igreja Universal, o capixaba Romildo Ribeiro Soares, casado com a irmã de Edir Macedo, deixou a denominação em 1980 por divergir de Macedo com relação à estratégia de expansão da igreja. “O Macedo achava que a evangelização tinha de ser feita de maneira agressiva. E sou uma pessoa mais branda", afirmou o religioso em entrevista à revista Istoé, em 2003.

No mesmo ano, fundou a Igreja Internacional da Graça de Deus. Soares foi um dos primeiros neopentecostais a apostar na televisão como meio de pregação. Em 1978, comprou um horário na extinta TV Tupi e passou a veicular o programa “Despertar da Fé”. Além de publicar diversos livros, também gravou nove álbuns de música gospel. Nos anos 2000, chegou a ter 100 horas de programação toda semana em diversas emissoras de televisão. É dono de uma emissora de TV, uma rádio e uma operadora de TV por assinatura. Seu patrimônio está na casa dos R$ 250 milhões, de acordo com a Forbes.

Estevam e Sônia Hernandes

Oriundos de uma igreja pentecostal, o casal paulistano promovia reuniões informais para falar sobre o evangelho na década de 80. Em 1986, fundaram a Igreja Apostólica Renascer em Cristo, seguindo a linha neopentecostal. Em 1993, Estevam trouxe para o Brasil a Marcha para Jesus, evento de rua que se tornaria um dos principais acontecimento do calendário evangélico. Em 2007, o casal foi detido pela Justiça americana por tentar sair dos Estados Unidos com dinheiro não-declarado. Cumpriram 140 dias de prisão. São proprietários da Gospel FM e da Rede Gospel (canal de televisão aberta). A fortuna do casal seria de aproximadamente R$ 120 milhões em 2019, pela Forbes.

Robson Rodovalho

Nascido em Goiânia, Rodovalho fundou a igreja Sara Nossa Terra, ao lado da esposa Maria Lucia. A denominação foi lançada em Brasília, em 1992. Rodovalho ocupou cargos políticos, sendo eleito deputado federal pelo Distrito Federal em 2006 pelo então PFL (Partido da Frente Liberal), hoje rebatizado de DEM (Democratas). Em 2008, foi nomeado secretário de Trabalho do Distrito Federal pelo então governador José Roberto Arruda. Em 2009, se filiou ao PP (Partido Progressista). Possui a Rede Gênesis de Televisão e a Sara Brasil FM.

Valdemiro Santiago

O criador da Igreja Mundial do Poder de Deus nasceu em Palma, Minas Gerais. Foi bispo da Igreja Universal por 18 anos até deixar a denominação em 1997 por um alegado desentendimento com Edir Macedo. Sempre de chapéu de vaqueiro, Santiago mantém uma imagem de homem de hábitos simples, que veio da roça. Tem uma pequena rede de rádios e a Rede Mundial, de televisão, que arrenda horários em emissoras da TV aberta. Sua riqueza financeira foi estimada em R$ 400 milhões pela revista Forbes.

QUAL o tamanho do neopentecostalismo no Brasil

“Em termos absolutos, o Brasil foi o país que registrou o maior crescimento da população evangélica, em todo o mundo, nos últimos anos”, afirma o historiador e antropólogo Paul Freston, professor na Balsillie School of International Affairs e na Wilfrid Laurier University, em Waterloo, Ontário, no Canadá.

O censo de 2010 do IBGE constatou que a população evangélica havia crescido de 15,4% em 2000 para 22,2%. Trata-se de um público amplo e heterogêneo. No levantamento, a categoria é subdividida em evangélicos de missão (que inclui metodistas, batistas e presbiterianos, totalizando 18,5% dos evangélicos), pentecostais (incluindo neopentecostais, perfazendo 60% dos evangélicos) e 21,8% eram evangélicos “não determinados”.

A FORÇA PENTECOSTAL

Os evangélicos “não determinados” podem incluir neopentecostais, pois há pessoas que frequentam mais de uma igreja. O recorte também inclui pessoas que apenas veem cultos pela TV. Não houve divisão entre pentecostais e neopentecostais na pesquisa, mas há dados sobre o número de fieis das principais igrejas. Das neopentecostais, só aparece listada a Iurd. Pesquisadores ouvidos pelo Nexo afirmam que o neopentecostalismo ainda é uma corrente minoritária entre os pentecostais como um todo.

IURD: ÚNICA NEO ENTRE AS MAIORES

Os dados gerais de uma pesquisa de 2019

Em 2019, o Datafolha trouxe dados gerais sobre os evangélicos. Segundo o levantamento, 50% dos brasileiros são católicos, 31%, evangélicos, e 10% não têm religião.

A FÉ NO PAÍS

Os dados mostraram que no universo de evangélicos há uma maioria feminina (58%) e preta ou parda (59%). Entre as regiões do país, o Norte tem a maior proporção de seguidores das religiões evangélicas, com 39%. Na outra ponta está o Nordeste, com 27%.

QUANDO o neopentecostalismo vira política

Se até a década de 1980 um bordão popular dizia que “crente não se mete em política”, isso começou a mudar na Assembleia Constituinte realizada entre 1987 e 1988. A elaboração da nova carta no Congresso nacional contou com a participação de 33 deputados evangélicos, incluindo 18 pentecostais, incluindo o primeiro congressista neopentecostal, ligado à Iurd.

Entre as iniciativas da bancada estava o pedido de que um exemplar da Bíblia fosse deixado na Mesa da Constituinte para uso dos congressistas. A ideia do deputado Antônio de Jesus (PMDB-GO), ligado à Assembleia de Deus. Atendido o pedido, a presença do livro sagrado no recinto seria mencionada em diversos pronunciamentos ao longo da Constituinte. A Bíblia foi convocada para apoiar discursos com temas que incluíam a “permissividade” da sociedade e sua relação com a aids, a pena de morte, a reforma agrária e as injustiças sociais, conforme relato do cientista político Sydnei Melo em “Deus, a Bíblia e os evangélicos na Constituinte (1987-1988)”.

Na década de 1990, o neopentecostalismo, por meio da Igreja Universal, começou a se infiltrar na arena política. Na virada do milênio, a Iurd contava com uma bancada de 18 deputados na Câmara, em partidos diferentes. Eram liderados pelo Bispo Rodrigues, que na época chegou a ser vice-presidente do Partido Liberal (PL).

Em 2002, o pastor Marcelo Crivella, sobrinho de Edir Macedo, estreou na política, candidatando-se a senador pelo Rio de Janeiro, pelo PL. Crivella derrotou os veteranos Leonel Brizola e Artur da Távola.

Em 2005, a Universal coletou mais de 600 mil assinaturas para a criação de um partido político, o PMR (Partido Municipalista Renovador). Em seguida, por sugestão de seu filiado José Alencar (então vice-presidente de Luiz Inácio Lula da Silva), mudou o nome para Partido Republicano Brasileiro (em 2019, mudaria outra vez para Republicanos).

De acordo com Ricardo Mariano, sociólogo da USP, as igrejas pentecostais e neopentecostais “consideram estratégico ocupar posições de mando da nação, dentre elas as de natureza política, para assegurar seus interesses institucionais e sua liberdade religiosa, estender sua influência e seu poder político, defender seus valores morais e sua visão de mundo”.

Essa visão de mundo inclui a rejeição a diversas causas defendidas por partidos do centro para a esquerda no espectro ideológico, incluindo temas reivindicados por adversários políticos como movimentos feministas e LGBTIs e de defesa dos direitos humanos.

Há também um contínuo esforço em se contrapor ao conceito de laicidade do estado e a noção estabelecida nas democracias ocidentais que a religião não deve interferir na vida política.

Por outro lado, Edir Macedo foi um dedicado apoiador dos governos Lula e Dilma Rousseff, ambos do PT. Em 2010, saiu em defesa da então candidata Dilma quando ela foi acusada de ser favorável ao aborto. "Quem pensa que está prestando algum serviço ao Reino de Deus, espalhando uma informação sem ter certeza de sua veracidade, na verdade, está fazendo o jogo do diabo", afirmou o bispo em carta à época.

“O bispo tem uma visão muito pragmática. Para mim, é claro que ‘se há poder eu tô junto’. Eles querem estar com o poder”, disse Gilberto Nascimento, autor de “O Reino”, à Agência Pública. “E, se você for olhar, a aliança deles com o governo do PT dura até o último dia da Dilma… eles tinham ministério no governo Dilma. E no primeiro dia do governo Temer eles já estão com outro ministro.”

Edir Macedo lançou em 2008 o livro “Plano de Poder: Deus, os Cristãos e a Política” em que ressalta a importância do envolvimento na política. “Insistimos em que a potencialidade numérica dos evangélicos como eleitores pode decidir qualquer pleito eletivo”, escreveu no livro.

Em 2020, o Republicanos contava com 31 deputados federais na Câmara e 2 senadores, incluindo Flávio Bolsonaro, filho do presidente Jair Bolsonaro, que migrou para a legenda em abril.

Atualmente, a bancada evangélica conta com 38% dos deputados federais, o que dá 195 congressistas (há também 8 senadores). A cota de neopentecostais é expressiva. De acordo com uma contagem da editoria de dados do site Metrópoles, 52 deputados eleitos em 2018 são neopentecostais, sendo 18 da Iurd.

“Existe uma super-representação [de neopentecostais], especialmente da Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd)”, declarou Geraldo Monteiro, professor de ciência política da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro, ao Metrópoles. Para ele, as fatias de congressistas neopentecostais e da Iurd são desproporcionais a seu tamanho na sociedade brasileira.

A bancada evangélica conta com personagens proeminentes como o deputado Marco Feliciano, fundador da Catedral do Avivamento. Em janeiro de 2020, Feliciano foi expulso do Podemos por infidelidade partidária por ter apoiado a candidatura de Jair Bolsonaro em 2018.

Ana Carolina Evangelista, cientista política do Iser (Instituto de Estudos da Religião), ressalta que a bancada evangélica tende a se mostrar coesa em agendas “morais”, como direitos das mulheres, direitos LGBTI, questões de saúde, combate à corrupção e direitos humanos.

A candidatura do presidente Jair Bolsonaro à Presidência, com o mote “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”, também serviu para aglutinar políticos de denominações diversas.

Mas essa coesão se desfaz a depender do tema legislativo tratado. A exemplo de legislaturas anteriores, em assuntos como educação, agricultura e segurança pública, congressistas evangélicos, incluindo neopentecostais, acabam tendo posicionamentos diversos, muitas vezes seguindo orientações partidárias ou de grupos de interesse.

Existe, no entanto, uma clara influência de argumentos e discursos vindos das igrejas em políticos ou eleitores do campo conservador, muitos dos quais não são evangélicos nem se denominam religiosos.

Na visão de Carlos Gutierrez, doutor em Antropologia pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), a união serve para afirmar “uma identidade conservadora em oposição à identidade progressista, liberal”.

“Bolsonaristas que não se declaram religiosos passam a divulgar vídeos de pastores evangélicos. No canal do Marco Feliciano no YouTube até 2014 só haviam pregações. Hoje tem vídeo falando de globalismo. Com isso, eles acabam conseguindo penetrar uma fatia mais ampla, incluindo indivíduos que tinham rejeição a essas igrejas”, pontuou.

POR QUE o neopentecostalismo ganha adeptos

Religiosos neopentecostais sempre apostaram no poder das comunicações de massa para espalhar sua palavra. Sua inspiração foram os chamados televangelistas americanos, pregadores cujo púlpito era o aparelho de televisão. Eram nomes, geralmente pentecostais, como Billy Graham, Rex Humbard e Jimmy Swaggart.

Desde os primórdios da Igreja Universal, Edir Macedo e R.R. Soares investiram em espaços na televisão, comprando horários na programação. O rádio era uma frente igualmente importante para a divulgação da mensagem da Universal.

As outras neopentecostais seguiram esse caminho. Em 1996, o casal Hernandes, da Renascer, inaugurou a Rede Gospel, com canal de TV a cabo e emissora de rádio FM. A televisão aberta teve largos espaços colonizados pelas igrejas. Em 2020, contavam com seis programas na TV aberta, sendo que cinco de denominações neopentecostais. Um deles é o “Show da Fé”, de R.R. Soares, transmitido sem interrupção desde 1997 na TV Bandeirantes.

Para Carlos Gutierrez, o uso da televisão ampliou o alcance das neopentecostais ao atingir pessoas que não tem tempo para ir aos cultos, ou mesmo renda para se deslocar. “[Pela TV] conseguem ter acesso à mensagem religiosa. A televisão tem papel fundamental nessa expansão.”

No fim dos anos 80, Edir Macedo e a Universal compraram uma TV Record à beira da falência para transformá-la em uma emissora comercialmente competitiva, que mistura novelas bíblicas a conteúdo não-religioso como reality shows e telejornais (sujeitos à direcionamento editorial). Em abril de 2020, a TV Record solicitou uma moratória de 90 dias no pagamento de dívidas trabalhistas, alegando que suas receitas sofreram impacto com a pandemia do novo coronavírus.

A base inicial das denominações neopentecostais são moradores de áreas desassistidas, com pouca presença do poder público. Seus primeiros seguidores eram pessoas que, “em sua maioria, ocupam a base da pirâmide social, isto é, têm baixa renda e baixa escolaridade”, diz o sociólogo Ricardo Mariano, da USP. Segundo levantamento do IBGE de 2010, 63,7% dos pentecostais tinham renda de até um salário mínimo.

“[As igrejas neopentecostais] dão uma resposta imediata a pessoas que estão em grande dificuldade e são respostas eficazes”, afirmou Gutierrez. “Elas pregam autodisciplina para estudar e trabalhar para pessoas que vivem jornadas muito fatigantes e cansativas. A igreja acaba provendo o indivíduo dessa força”.

Segundo o pesquisador, esse elemento psicológico é fundamental para explicar o apelo das neopentecostais entre pessoas que se sentem inferiorizadas e acabam encontrando apoio e pertencimento na comunidade da igreja. “É uma ação social em bairros mais pobres”, comparou.

“Essas igrejas investiram num discurso que mescla autoajuda e empreendedorismo, estimulando os fiéis a se mobilizarem para conquistar sua salvação terrena, isto é, emprego, renda, bens de consumo durável, habitação. Na linha Deus ajuda os que se ajudam”, afirmou Mariano.

A influência da linguagem

“Vença!”, “Você nasceu para conquistar!”, “O lugar do seu crescimento”. Uma pequena ronda por canais de YouTube de igrejas neopentecostais revela uma sucessão de slogans e frases motivacionais, que em nada devem aos livros de auto-ajuda.

Por meio desse tipo de mensagem, essas denominações conseguiram encontrar aceitação nas classes B e C que historicamente rejeitavam o pentecostalismo. O discurso da conquista reverberou em especial com a “nova classe C”, de cidadãos que melhoraram de renda durante os governos Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) e Dilma Rousseff (2011-2016).

Em 2012, o então ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, enfatizou a necessidade de disputar “ideologicamente” essa fatia do público com as igrejas para que ela não fosse seduzida pelo discurso conservador que pregava que o progresso pessoal era mérito individual e não uma conquista social.

Algumas igrejas, como Sara Nossa Terra e Renascer, sempre apostaram em linguagem e identidade visual mais contemporâneas para atingir devotos na classe média. A Igreja Universal também procurou sair das faixas que tradicionalmente lotavam seus cultos para ascender socialmente. Seus cultos cada vez mais incorporam a linguagem de “coach de autoajuda”.

Em 2017, a Universal inaugurou um templo em um dos bairros mais valorizados do Brasil, o Leblon, na Zona Sul do Rio de Janeiro. Segundo texto do site da igreja, a iniciativa “se dispõe a levar a Palavra de Deus a pessoas que, aparentemente, não precisam de mais nada em suas vidas”.

O lado mágico também foi decisivo para atrair fiéis. Segundo Ricardo Mariano, autor de “Neopentecostais: sociologia do novo pentecostalismo no Brasil”, a Universal, por exemplo, dedicou-se a ofertar “serviços mágico-religiosos e terapêuticos, isto é, a realizar pregações, promessas e rituais enfatizando a ação divina de solucionar os problemas financeiros e profissionais, familiares, físicos, emocionais, psíquicos, etc. de seus adeptos”.

“Sua ênfase mágica e taumatúrgica lhe permitiu construir pontes com a religiosidade popular. Nesse intento, apelou, inclusive, ao sincretismo”, disse.

NO MUNDO: a expansão do neopentecostalismo nacional

As principais igrejas pentecostais brasileiras contam com centenas de templos em outros países. Em seu site, a Igreja Universal afirma ter representações em mais de 90 países, em todos os continentes, incluindo Estados Unidos, Reino Unido, Israel, Índia e Japão.

A igreja destaca seu trabalho nas regiões especiais chinesas de Macau e Hong Kong. Segundo a igreja, em texto de 2017, a China é um país que persegue cristãos. De acordo com o bispo Randal Brito, em declaração publicada no site, vê-se na China “os sinais de que o mal tem controlado vidas. O trabalho de libertação da Universal tem que fazer a diferença nesse país”.

A Universal se envolveu em episódios controversos em outros países. Em São Tomé e Príncipe, na África, seus templos foram depredados depois de denúncias de abusos contra funcionários africanos. Na Zâmbia, a denominação foi acusada de satanismo e proibida de funcionar no país.

Em 2017, a Universal foi alvo de uma reportagem da TV portuguesa TVI24 que afirmou que a igreja mantinha um "lar ilegal de crianças" nos anos 1990. Menores teriam sido tirados de famílias com problemas financeiros e mandadas para outros países.

Diversos países da América Latina, região tradicionalmente católica, registraram um aumento expressivo de evangélicos, movimento impulsionado por neopentencostais em muitos casos.

Na Nicarágua, Honduras e Guatemala, os evangélicos já eram maioria. Em países como Peru e Colômbia, seu envolvimento com a esfera política vem crescendo. Segundo o sociólogo peruano José Luiz Pérez Guadalupe, da PUCP (Escola de Governo e Políticas Públicas da Pontifícia Universidade Católica do Peru), trata-se de uma “revolução silenciosa”.

EM ASPAS: frases sobre o neopentecostalismo

"Eu estou pouco me incomodando que haja inimigos, que eles cresçam, que falem ou deixem de falar. Eu vou continuar na minha fé e eu duvido que eles venham me derrotar. [...] Sou grato aos meus inimigos, porque quanto mais me perseguem, mais eu cresço" Edir Macedo, fundador da Igreja Universal do Reino de Deus

“Eu poderia ser um dos mais ricos, mas dificilmente alguém vai perguntar isso para um jogador de futebol, cantor, ator, apresentador. Então esse preconceito existe contra pastores. Ninguém pergunta isso para um papa, para um bispo da igreja católica” Valdemiro Santiago, fundador da Igreja Mundial do Poder de Deus

“Não existe nada que esteja fora da ação demoníaca. No futebol, na política, nas artes e na religião, nada escapa ao cerco do diabo. (...) Por trás da religião, do intelectualismo, da poesia, da arte, da música, da psicologia, do entendimento humano e de tudo com o que temos contato, Satanás se esconde” R. R. Soares, fundador da Igreja Internacional da Graça de Deus

“A corrente neopentecostal tornou-se influente, fez escola, ensejou sua emulação por pastores e igrejas evangélicas diversas, estimulados pelo estrondoso sucesso da Igreja Universal, cuja expansão numérica e midiática acelerou-se intensamente entre os anos 1980 e 2000. Muitos pastores e igrejas trataram de copiar as fórmulas bem-sucedidas da Universal” Ricardo Mariano, Sociólogo e autor de “Neopentecostais: sociologia do novo pentecostalismo no Brasil”

“Embora sempre ao lado da esposa, Ester, a quem muito elogia (...), e mesmo com a relativa liberalidade nos costumes em sua igreja, [Edir Macedo] mantém uma postura patriarcal. A mulher diz ser submissa a ele. Na visão do bispo, o homem deve mandar em casa e a mulher precisa ser boa mãe e dona de casa, além de falar pouco e ser discreta no vestir” Gilberto Nascimento, jornalista, em trecho de “O reino: A história de Edir Macedo e uma radiografia da Igreja Universal”

“Valdemiro [Santiago] inova por meio de uma personalidade carismática que agradou as massas que o seguem. Abusa da oferta de possíveis milagres que vão desde a cura de cegueiras até ressurreições no próprio palco-altar, tudo por meio de suas excreções, que passam através de suas lágrimas e suor numa toalha, transformando-a numa relíquia cobiçada” Alexandre Dresch Bandeira, Pesquisador e doutor em comunicação pela Unisinos (Universidade do Vale do Rio dos Sinos)

“O universo evangélico na sociedade é mais heterogêneo e amplo do que apenas os membros da igreja X do pastor Y. O que se costuma chamar de a igreja evangélica brasileira não é um conjunto homogêneo e uniforme” Ana Carolina Evangelista, Cientista política do Iser (Instituto de Estudos da Religião)

NA ARTE: para pensar sobre o neopentecostalismo

“Sintonia”

Série de 2019 Netflix em parceria com a produtora Kondzilla, especializada no universo do funk. Uma das protagonistas da história, que se passa em uma comunidade paulistana, é uma jovem que se converte a uma igreja (não identificada) com características neopentecostais.

“Divino Amor”

Longa-metragem com direção de Gabriel Mascaro, lançado em 2019. A história distópica se passa no Brasil de 2027, com o país transformado em uma república neopentecostal. É um país feito de ambientes identicamente impessoais e tomado por frases motivacionais. O elenco é encabeçado pelos atores Dira Paes e Júlio Machado.

“Outside Man - África do Sul”

Terceiro episódio da série documental dirigida pelo apresentador britânico Reggie Yates mostra as “megaigrejas” sul-africanas, como a denominação neopentecostal liderada pelo Profeta Mboro. Lançado originalmente na BBC em 2014.

“O Capital da Fé”

Mini-documentário de 2015, dirigido por Gabriel Santos e Renan Silbar. Com imagens de cultos realizados em São Paulo, discute a espetacularização da fé, a cobrança de dízimos e a expansão das denominações neopentecostais.

“O Reino: A história de Edir Macedo e uma Radiografia da Igreja Universal”, de Gilberto Nascimento

Biografia não-autorizada do bispo Edir Macedo. O autor pesquisou documentos e processos judiciais envolvendo a Iurd e realizou entrevistas com familiares, amigos, ex-funcionários e ex-pastores.

“Neopentecostais: sociologia do novo pentecostalismo no Brasil”, de Ricardo Mariano

Um dos primeiros livros lançados sobre o tema. Apresenta a história das crenças e das práticas neopentecostais, analisa sua ruptura em relação às pentecostais tradicionais. Investiga a inserção das neopentecostais na sociedade brasileira e na cultura do consumo.

Vá ainda mais fundo

“A política da Igreja Universal e seus reflexos nos campos religioso e político brasileiros”, artigo de Ari Pedro Oro, publicado em 2003 na Revista Brasileira de Ciência Sociais.

“Prosperidade na década de 1990: Etnografia do compromisso de trabalho entre Deus e o fiel da Igreja Universal do Reino de Deus”, de Diana Nogueira de Oliveira Lima, doutora em Antropologia Social pelo Museu nacional/UFRJ, publicado em 2008.

“A grande transformação no campo religioso brasileiro”, edição do Cadernos IHU em Formação, publicação de 2012 do Instituto Humanitas Unisinos. De 2012, contém diversos artigos sobre a expansão do pentecostalismo.

“‘Juventude é curtição, o problema é se Jesus voltar’ cultura funk, pentecostalismo e juventudes nas camadas populares”, artigo da jornalista e socióloga Réia Sílvia Gonçalves Pereira, publicado na revista Religião e Sociedade, em 2018.

“O crescimento da fé evangélica”, artigo de Christina Queiroz publicado originalmente na Revista Fapesp e reproduzido pelo Nexo. De 2019, traz entrevistas com diversos pesquisadores.

“O bispo Edir Macedo tem uma visão muito pragmática: ‘Se há poder eu tô junto’”, entrevista da Agência Pública com Gilberto Nascimento, autor de “O Reino”. De 2020.

“Base social dos pentecostais conta com uma presença grande de mulheres e negros”, entrevista com as sociólogas Maria das Dores Campos Machado e Christina Vital, ambas da UFRJ, concedida em 2020 ao site do Instituto Humanitas Unisinos