Notícia

Gazeta Mercantil

A anatomia do pensamento

Publicado em 08 março 1996

Quanto mais se usa o cérebro, melhor ele fica. Os cientistas observam os efeitos anatômicos de pensar e de não pensar Da mesma forma como trabalhar duro deixa calos nas mãos, a atividade mental intensa deixa marcas no cérebro. E, da mesma forma que as mãos que passaram décadas lavando roupas têm a aparência diferente das mãos que apenas tocaram piano, o cérebro de um jogador de futebol é visivelmente diferente do cérebro de um jogador de xadrez. Essa não é uma descoberta nova. Sabe-se que o cérebro é um órgão extraordinariamente plástico, moldado por tudo o que faz. Agora, porém, está-se tornando cada vez mais claro até que ponto essa moldagem vai. Experiências realizadas nos anos 60 por Mark Rosenzweig e seus colegas na Universidade da Califórnia, em Berkeley, mostraram que os ratos criados em ambiente interessante - uma gaiola grande com companheiros e muitos brinquedos - desenvolveram cérebros mais complexos e densos do que os ratos que sempre viveram em ambientes entediantes -gaiolas pequenas, poucos companheiros e sem brinquedos. As experiências mais recentes demonstraram que um ambiente interessante é bom para o cérebro em qualquer estágio da vida. Mesmo um rato mais velho, um mês depois de mudar para um ambiente novo e mais interessante, apresenta o adensamento de algumas partes do cérebro, embora o efeito seja menor do que nos animais jovens. O cérebro é constituído de três elementos básicos: células nervosas, células da glia e tecido vascular. As células nervosas, ou neurônios, são as que pensam e dão instruções aos músculos que se movam. Essas células, de formatos e tamanhos diferentes, trocam informações entre si através de conexões chamadas de sinapses. Quanto maior o número de sinapses de uma célula nervosa, mais alternativas ela tem para trocar informações com as outras. Conseqüentemente, quanto mais sinapses um cérebro tiver por cada célula nervosa, maior será a probabilidade de ele ser capaz de processar e responder a novas informações. E os ratos que vivem em ambientes mais complexos desenvolvem, de fato, mais sinapses entre as suas células nervosas. Esse maior número de sinapses é responsável por parte do adensamento observado no cérebro. Mas só por parte. Experiências realizadas por William Greenough e seus colegas da Universidade de Illinois mostraram que outros componentes do cérebro também têm plasticidade. As células da glia são, de certa forma, misteriosas: entremeadas às células nervosas, elas parecem desempenhar um papel crucial na manutenção de um meio ambiente apropriado para a atividade mental. Em animais que vivem em lugares interessantes, as células da glia aumentam de tamanho e se tornam mais ativas, aconchegando-se em torno dos neurônios. Até hoje, ninguém sabe exatamente por que isso ocorre. Uma possibilidade é que, como as próprias células nervosas se tornam mais ativas, as células da glia precisam trabalhar mais intensamente para manter o equilíbrio do meio ambiente. NUTRIENTES PELOS CAPILARES Pensar cansa - como sabem todos os que chegaram a pensar alguma vez. Quanto mais uma célula nervosa pensa, maior é quantidade de energia que ela necessita para se manter em atividade. O cérebro adquire sua energia a partir do açúcar carregado pela corrente sangüínea. O sangue circula pelo cérebro da mesma forma que pelo resto do corpo, através de artérias, veias e vasos capilares - os dutos que compõem o sistema vascular. Enquanto as artérias e veias conduzem o sangue que circula ao redor do cérebro, os capilares levam o sangue até as células, permitindo que elas extraiam dele nutrientes como açúcar e oxigênio, e que secretem nele resíduos como o dióxido de carbono. Quando estimuladas por um ambiente interessante, as células nervosas adquirem um grande número de capilares adicionais para alimentá-las. Segundo Greenough e seus companheiros de pesquisa, esse efeito é particularmente pronunciado nos mais jovens. Ratos jovens e estimulados desenvolvem um número de sinapses 20% a 25% maior, por célula nervosa, do que seus companheiros entediados, mas registram um aumento de 80% no número de capilares. Procurando entender esses diferentes componentes da plasticidade do cérebro, Greenough e seus colegas compararam os efeitos dos ambientes que influenciam a mente de maneiras diferentes. Separaram alguns ratos adultos em três grupos, rotulados arbitrariamente de "acrobatas", "atletas" e "videotas". Os acrobatas receberam uma pista com obstáculos para ser transposta - o que requer coordenação, mas não muita energia. Os atletas receberam rodas para correr e brincar - o que exige energia, mas não muita coordenação. Os videotas ficaram apenas olhando para a parede. Os resultados foram impressionantes. Os acrobatas aumentaram o número de sinapses por neurônio enquanto suas células da glia tornaram-se mais ativas. Os atletas não demonstraram alteração nessas células, mas apresentaram um crescimento do número de capilares em relação aos neurônios. Os videotas não apresentaram nenhuma alteração. Os pesquisadores examinaram apenas duas áreas dos cérebros dos ratos, ambas envolvidas na atividade de coordenação motora. Observaram as mesmas alterações nas duas áreas. Mas há muitas áreas do cérebro dedicadas a comportamentos outros que não as acrobacias e os testes de resistência. Nos seres humanos, grandes áreas do cérebro são responsáveis pela linguagem ou pela atividade sexual; a concentração nessas atividades desenvolverá o cérebro de uma forma correspondente. O louco, o amante e o poeta podem ser comparados em termos de imaginação, mas seus cérebros são bastante diferentes. Não pensar pode levar a uma atrofia do cérebro mas - como já reclamaram muitos estudantes sobrecarregados - pensar demais pode matá-lo. Se uma célula nervosa está sobrecarregada, algumas das substâncias químicas que ela põe para fora podem não ser eliminadas com a velocidade necessária. Se isso acontece, a célula pode se intoxicar e morrer. AS VANTAGENS DA MULHER Ruben Gur, da Universidade da Pensilvânia, em Filadélfia, acredita que esse processo pode explicar algo curioso que ele acredita ter descoberto sobre o cérebro humano. Gur observou que os cérebros dos homens encolhem substancialmente à medida que eles envelhecem, enquanto os cérebros das mulheres permanecem do mesmo tamanho. Na juventude, o homem normalmente têm o cérebro maior que o da mulher, em proporção ao seu corpo também maior. Mas, quando os homens chegam aos 45 anos, começa a diminuir seu tempo de atenção e sua capacidade de memória. O que aconteceu, segundo Gur, é que seus lobos frontais - as áreas do cérebro responsáveis por grande par te do raciocínio complexo - encolheram, equiparando-se em tamanho aos lobos frontais das mulheres da mesma idade. Uma segunda observação pode ajudar a explicar esse fato. Quando Gur pedia aos homens para relaxarem, ele observava que, embora esses homens não percebessem, as áreas do cérebro que eles estavam usando antes de relaxarem continuavam ativas. Mas quando as mulheres relaxavam, elas passavam a pensar em coisas totalmente diferentes, usando áreas distintas dos seus cérebros. Gur argumenta que os homens sobrecarregam algumas áreas dos seus cérebros, matando uma grande proporção das células nervosas localizadas nessas áreas. As mulheres, por outro lado, parecem pensar sobre mais coisas, permitindo que todas as áreas de seus cérebros tenham um tempo de repouso. É possível, também, que as mulheres tenham outra vantagem ainda. De uma forma geral, as mulheres têm uma pulsação em estado de repouso mais alta do que a dos homens: isso se traduz em uma taxa maior de sangue circulando pelo cérebro. Por essa razão, mesmo quando a mulher mantém uma atividade mental muito intensa, ela tem a capacidade de eliminar as toxinas das células nervosas com maior eficiência. As experiências que levaram a essas conclusões precisam ser repetidas e os mecanismos precisam ser estabelecidos de uma forma mais clara; por razões óbvias, as experiências feitas em ratos geralmente são mais confiáveis do que as feitas em seres humanos. Mas, para quem está preocupado com o estado de seu cérebro - ou deseja mantê-lo em excelente forma - , o melhor conselho parece ser uma dieta intelectual variada e bastante exercício mental.