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A abordagem de inovação orientada por missões no Brasil: notas sobre os debates recentes (5 notícias)

Publicado em 11 de outubro de 2023

Série de eventos aquece as discussões sobre a direcionalidade da política científica e tecnológica no país

Nos últimos meses, debates em torno da abordagem de inovação orientada por missões foram impulsionados pelo Brasil. A abordagem que vem mobilizando atores governamentais e não governamentais se insere em um paradigma da política científica e tecnológica , no qual a superação de desafios socioambientais e a garantia de necessidades básicas são prioridades dos investimentos e ações de ciência, tecnologia e inovação.

No âmbito governamental, por exemplo, o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI) por meio da Escola Nacional de Administração Pública (ENAP), promoveu em julho um diálogo entre a ministra Esther Dwek e a especialista internacional no tema, Mariana Mazzucato.

Em agosto, a Iniciativa Amazônia +10, projeto do Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (CONFAP), construiu uma mesa interinstitucional para debater como a abordagem de missões pode alavancar as bioeconomias da Amazônia. Um mês depois, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) liderou a organização do “Amazon Day: Science for the Amazon”, evento que integrou a agenda da 78ª Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas e trouxe mais uma vez a pauta de missões.

No final de setembro, o Congresso Internacional de Inovação da Indústria, realizado pela CNI e SEBRAE, também navegou pelo tema. O painel “Green New Deals e Políticas Públicas para a Ecoinovação: a experiência internacional e o contexto do Brasil”, proporcionou um diálogo entre a Mariana Mazzucato e dois atores centrais do Sistema Nacional de Inovação: o presidente da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP), Carlos Pansera, e o presidente da Embraer X, Daniel Moczydlower.

Dois pontos de convergência emergem dos eventos e podem ser destacados com a finalidade de refletir sobre os rumos que o tema está tomando. Primeiro, há um consenso de que as atividades de Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) são fundamentais para o desenvolvimento nacional e que essas atividades, investimentos e políticas, ao serem guiadas por objetivos comuns, com metas específicas, podem ser potencializadas. Para além disso, o desenho de objetivos comuns que enderecem os atuais problemas socioambientais foi sublinhado tanto por atores de agências de fomento e da sociedade civil, como no evento organizado pela FAPESP, quanto por atores da academia e do setor privado, a exemplo do evento da CNI. “Precisamos ter um ponto, uma meta, de onde a inovação quer chegar”, destacou Celso Pansera na abertura do Congresso Internacional de Inovação da Indústria.

O segundo ponto de convergência que surge nesses debates recentes é o consenso de que a construção de parcerias, arranjos interinstitucionais, arranjos participativos, ou a “cocriação” - como destacou Mazzucato no evento com o MGI - entre setor público, setor privado, academia e sociedade civil, é fundamental. “Não tem outra saída senão nos unir”, afirmou Patricia Ellen, sócia presidente da Systemiq no Brasil, no ‘Amazon Day'.

São dois pontos que dizem muito sobre os contornos que a política científica e tecnológica brasileira vai ganhando.

As intenções de garantir participação ativa e a prioridade de interlocução com a agenda socioambiental fortalece a política de CT&I dentro de um paradigma em que a racionalidade está na coordenação e gestão de redes de atores, com o foco no bem-estar da sociedade e com a valorização do conhecimento local. São contornos que também apresentam desafios de conjuntura, como o atual contexto de governabilidade no nível federal e as fragilidades de capacidades estatais para inovação, de condição periférica do Brasil no cenário mundial com produtos de baixo valor agregado e obstáculos históricos para uma maior participação do setor privado em investimentos de P&D e, por fim, de desigualdade social e a assimetria de poder entre os diversos atores que compõem a sociedade brasileira.

Este último desafio foi destacado no evento organizado pela FAPESP: “Nós, enquanto amazônidas, temos uma trajetória de genocídio e inferiorização [...] nós ocupamos a Amazônia há pelo menos 12 mil anos e, nesse período, sempre esteve sendo desenvolvida ciência e tecnologia ali”, discorreu Raquel Tupinambá, coordenadora do Conselho Indígena Tupinambá do Baixo Tapajós Amazônia (CITUPI). André Baniwa, representante do Ministério dos Povos Indígenas no evento, também sublinhou que o não reconhecimento da existência dos povos e comunidades tradicionais continua latente.

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Quais serão as estratégias para garantir a participação desses sujeitos historicamente invisibilizados na construção de missões no Brasil? De que forma priorizar as demandas dos diferentes atores governamentais e não-governamentais nos investimentos públicos de Ciência, Tecnologia e Inovação? São perguntas que permanecem abertas.

Para os próximos meses, novos espaços de debate se apresentam: no âmbito do Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI), estão sendo organizadas oficinas com o objetivo de analisar as missões da nova política industrial; no que tange o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), uma nova reunião do Conselho Diretor é aguardada para mais detalhamentos dos 10 “programas estruturantes e mobilizadores”. Já o 1º Fórum Brasileiro de Inovação Orientada por Missões , iniciativa da World-Transforming Technologies e da Agência USP de Inovação, promete colocar ainda mais oxigênio no tema e será a primeira iniciativa que nasce de um ator não governamental com a proposta de qualificar e democratizar o debate. A Conferência Nacional de CT&I, suspensa há 13 anos, está prevista para maio de 2024 e também se comprometeu a fortalecer a participação social no debate da política de CT&I. São movimentos recentes [e futuros] que abrem as ciências brasileiras para o diálogo.

*Lara Ramos é Doutoranda em Política Científica e Tecnológica (UNICAMP) e Gestora de Projetos em WTT

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