Notícia

Correio Popular (Campinas, SP)

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Publicado em 04 maio 2008

Por Amir Reis

Esta semana a coluna conversou com o arquiteto Marcos Tognon, professor de História da Arte da Unicamp, especialista em restauro arquitetônico. Ele também ocupou a o cargo de secretário da Cultura durante o governo do prefeito Antônio da Costa Santos.

Società — Qual a importância da preservação do patrimônio cultural?

Marcos Tognon — Preservar os nossos valores culturais, sejam eles materiais ou imateriais, é cumprir uma ação de extrema importância para manter os diversos registros da nossa atividade humana sobre o planeta, ou seja, aquelas ações exemplares que orientam sentidos, gostos, práticas e conhecimentos que desenvolvemos a cada dia nas complexas relações da nossa sociedade. E preservar não significa apenas esperar do poder público todas as iniciativas, preservar é um conjunto articulado de esferas e agentes, além de promover uma economia plena de trocas culturais, educacionais, financeiras e que certamente envolve a pesquisa sobre um conhecimento plural. Por isso o papel fundamental das universidades.

Quais os seus projetos desenvolvidos na universidade este momento?

Desde 2002 já atuava na Unicamp nesta área de preservação, até que, em 2005, junto com colegas e estudantes, fundamos um grupo estável de desenvolvimento de projetos e de pesquisas de médio e longo prazo, o IPR (Inovação e Pesquisa para o Restauro). Atuamos em três áreas: de políticas públicas, assessorando municípios na implementação de ações preservacionistas ou de restauro de monumentos públicos, desenvolvendo tecnologias inovadoras para a área e participando de pesquisas envolvendo vários grupos universitários no Brasil. Fizemos laudos para algumas obras como a Basílica Velha de Aparecida, a Matriz de Bananal e de Jarinu, entre outras. Também desenvolvemos agora uma pesquisa para um "inventário digital" dos bens culturais, procurando, sobretudo facilitar a gestão pública do patrimônio tombado nas cidades.

O IPR pretende desenvolver tecnologias nacionais para a área de Restauro e Conservação?

É interessante a sua pergunta, pois embora seja possível utilizar um número significativo de produtos e materiais importados especialmente para o restauro de obras de arte, em particular da Itália e da Alemanha, é necessário estabelecermos plataformas nacionais de tecnologia para esses fins. Pois, além de uma sensível redução de custos, teremos opções mais compatíveis com a própria configuração formal e químico-física com grande parte de nosso patrimônio artístico, produzido em grande parte com recursos materiais locais. Temos várias idéias já desenvolvidas em função sobretudo dos diversos projetos nestes últimos anos; procuramos agora parceiros para elaborar as etapas de desenvolvimento desses produtos.

E quais os projetos futuros?

O principal projeto que coordeno e do qual em breve iniciaremos uma nova fase, com apoio da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), será sobre o Patrimônio Cultural Rural Paulista, uma ampla pesquisa que envolve fazendas histórias do Estado, e cujo parceiro e interlocutor é a Associação Pró-Casa do Pinhal de São Carlos, cujo projeto envolve seis universidades, órgãos de preservação dos municípios, do Estado e da União, além de importantes centros de pesquisa como o IAC (Instituto Agronômico de Campinas). Esse projeto deverá estabelecer um novo e importante patamar para a gestão desse valioso acervo cultural que se encontra em nossos espaços rurais, por parte de seus proprietários, e não só edificações, espaços de trabalho e manufatura, máquinas, acervos bibliográficos e documentais: fotografias e obras de arte, culinária, danças e práticas religiosas, sociais e musicais que serão nossos principais temas para viabilizar o interesse educacional, turístico e de equilibrada preservação com motivações econômicas.

Como você descreve o estado de conservação das fazendas históricas da região?

Conheço relativamente poucas fazendas em nossa região, pois até mesmo o acesso a algumas propriedades é difícil, quando não impossível. Muitas delas se preparam para entrar nesta "economia dos bens culturais" oferecendo produtos e serviços. É sobre essa questão fundamental que pretendemos contribuir oferecendo uma abordagem ampla de todas as questões em jogo. Ensino, pesquisa e turismo com o Patrimônio Cultural Rural, eis as três esferas que não devem perder os seus compromissos com a preservação.

E pode se estabelecer uma relação entre patrimônio e turismo?

O patrimônio cultural, seja qual for a sua natureza, é mais uma efetiva motivação para estimular o turismo, pois é o mais intenso valor, quando não, único e singular, que temos de uma determinada sociedade na apropriação de seu território. Várias fazendas de café podem usar o mesmo processo desde a colheita até armazenamento, mas cada uma terá ao longo de sua história, suas marcas e peculiaridade que se tornaram inerentes daquele lugar e da região. Uma situação desta é ideal para a prática do turismo, da viagem para descobrir novas culturas e situações. Acreditamos que o turismo cultural só tem sentido pleno e sustentável quando é antes de tudo um instrumento de preservação e de educação cultural.

Qual foi a última ação importante que visou a preservação do patrimônio na cidade de Campinas?

Na comemoração dos vinte anos do nosso Conselho Municipal de Defesa do Patrimônio Cultural de Campinas, em dezembro do ano passado, o prefeito Hélio de Oliveira Santos e o secretário de Cultura, Francisco de Lagos, encaminharam o decreto para a implementação da Lei de Transferência do Potencial Construtivo, uma ação que realmente celebra a fórmula essencial para a preservação hoje em dia, determinando a preservação de edifícios e lugares históricos como ato articulado ao planejamento urbano. É um passo importante para termos uma nova compreensão da preservação, considerando as suas implicações econômicas e estimulando, valorizando quem preserva quem contribui com a nossa cultura.

Você esteve envolvido na elaboração do projeto do novo campus da Unicamp em Limeira?

Sim, fui o relator da graduação em Conservação e Restauro.

Fale um pouco dessa proposta. É inédita?

Criar uma graduação em conservação e restauro no Brasil sempre foi aspiração dos profissionais da área, sobretudo em Minas Gerais e Rio de Janeiro, e há quase cinco anos vimos a primeira proposta efetiva da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). Quando fui convidado a participar do grupo de trabalho do novo campus em Limeira, minha função era justamente procurar viabilizar essa graduação, sempre considerando as experiências nacionais de pós-graduação existentes, as normativas internacionais e também cursos existentes na Europa e Estados Unidos.

Conte-nos alguns detalhes.

O novo campus de Limeira ainda tinha um grande desafio: estabelecer plano pedagógico interdisciplinar com outras profissões, como engenharia de manufatura, produção cultural, design, ensino de ciências, não esquecendo da formação humanista de base, com ênfase em estudos do nosso complexo mundo contemporâneo. O projeto da graduação em Conservação e Restauro, inédito no Brasil, foi aprovado em 2006 e deveria iniciar em 2007, mas não foi possível inaugurar o campus neste prazo. Apresentei essa proposta em 2006 no congresso de profissionais de Conservação e Restauro e o debate foi positivo. Naquele ano a UFMG abriu a sua graduação e esperamos para breve a da Unicamp.

Após a realização da mostra Campinas Decor na Estação Guanabara, estão previstas atividades naquele espaço?

O nosso Centro Cultural de Inclusão e Integração Social da Unicamp já funciona desde abril de 2006 no Armazém do Café, um dos três edifícios sob a responsabilidade da universidade naquela estação. Ele promove oficinas, cursos e eventos. Com o prédio administrativo e a gare metálica recuperados pela Campinas Decor, a partir de agosto faremos uma importante ampliação das atividades, dispondo para a cidade, novas estruturas como biblioteca, livraria, salas de exposições, Memorial da Companhia Mogiana, área de espetáculos e cinema. Tudo isso potencializando nossas ações de integração social e inclusão por meio de oficinas e cursos para todas as faixas etárias.

Após a mostra ainda serão feitos trabalhos na Estação Guanabara?

Sim, ainda precisamos restaurar certas estruturas e elementos artísticos, como parte da estrutura metálica da gare e as pinturas murais artísticas e decorativas em ambientes vetustos da estação. Além disso, vamos terminar as obras do Armazém do Café, como a restituição das coberturas das plataformas retiradas anos atrás. A Unicamp deverá promover um novo projeto para enquadramento na Lei Rouanet, além de novas parcerias para executar as obras e desenvolver atividades culturais e educacionais.