O autor é professor da Unicamp e vice-presidente da SBPC. O artigo foi retirado do site "Observatório da Imprensa" e está dividido em duas partes. Eis a segunda:
Ao lado dessas medidas legais e das políticas públicas de saúde que vem sendo adotadas nos últimos anos, é preciso, contudo, lembrar que o Brasil é signatário do Acordo Trip's, o que coloca também na linha das normas e regulações internacionais do sistema patentario.
Desse modo, além das ações de defesa para preservação de direitos no cenário nacional, é importante que o país atue também de maneira objetiva produzindo conhecimento e gerando produtos farmacêuticos que possam contribuir, de um lado, para o atendimento das necessidades da população e, de outro, para o aumento de nossa pauta de exportações ou, pelo menos, para diminuir, consideravelmente, a pauta de nossas importações, no setor.
Não é um trabalho simples e nem tampouco que se faca num estalar de dedos.
Mas é preciso começar!
Nesse sentido, algumas ações e iniciativas podem ser destacadas e todas, de modo indicativo, representam esforços consistentes de diferentes atores e agentes atuantes no processo.
Envolvendo o cenário dessas iniciativas está o cenário maior da riqueza de nossa biodiversidade, estimada, potencialmente, em alguns trilhões de dólares.
As multinacionais de produtos farmacêuticos sempre estiveram atentas a essa riqueza e, a exemplo do acordo que o Laboratório Merck assinou com a Costa Rica, em 1991, procurou-se, com o mesmo formato, realizar, no Brasil, o acordo Bioamazônia-Novartis, para exploração de nossa biodiversidade, cuja bioprospecção pode levar a produtos direcionados tanto à indústria farmacêutica, como para a indústria de cosméticos e a indústria de alimentos.
As resistências da comunidade científica foram tantas que resultaram em resistências políticas que acabaram, por sua vez, dissuadindo os autores do projeto de sua viabilidade no país.
O acordo foi arquivado.
O problema da exploração da biodiversidade brasileira, contudo, continua e a biopirataria corre solta por nossas florestas e matas.
Encontros e reuniões nacionais e internacionais tem se sucedido buscando soluções institucionais que respondam adequadamente à necessidade de preservação de nossos direitos, dos direitos das populações silvícolas, inseridas no cenário de uma outra diversidade que caracteriza o país, desta vez social, a vida das espécies vegetais, animais e microrgânicas e, ao mesmo tempo, possibilite, de forma associativa, como é próprio da ciência, a bioprospecção necessária à transformação dessa riqueza natural e cultural em riqueza material e social.
Foi nesse sentido a motivação com que a SBPC realizou em Abril deste ano, em Manaus, a sua 7ª Reunião Especial sobre o tema "Amazônia no Brasil e no Mundo", dedicando parte substantiva do evento à discussão da exploração comercial da região e aos interesses e conflitos que intercursam as águas de seus grandes rios, de seus igapós e igarapés.
A Associação dos Laboratórios Farmacêuticos Nacionais (ALANAC) (http://www.alanac.org.br), levou para o VI Foro Empresarial das Américas, em Buenos Aires, na Argentina a proposta de "que qualquer acordo tendente 'a harmonização das Leis de Patentes na região preveja, de modo explicito, a fabricação local das invenções.
Se a exploração das invenções, continua o texto da proposta, entendida como fabricação não é efetivada pelo titular da patente no país onde existe a proteção, a legislação deve contemplar a possibilidade de que terceiros capacitados a explorar o objeto da patente possam fazê-lo mediante o pagamento de comissões (rooyalties) pertinentes com a pratica internacional".
Por ai vê-se a importância fundamental das patentes no jogo internacional das indústrias farmacêuticas, em particular, e no universo da produção industrial, como um todo.
O país, como se sabe, não tem cultura nem tradição no domínio da propriedade intelectual, embora tenha uma vasta experiência no campo do direito autoral.
Como foi dito, a lei que regulamenta a proteção da propriedade intelectual (PPI) para produtos farmacológicos e biológicos, em geral, é bastante recente (1996).
O intrincado do sistema legal patentario internacional é denso e complexo, além dos custos técnicos para a concessão e licenciamento de patentes de produtos serem altos (cerca de US$ 40 mil), implicando ainda um potencial de litigação enorme que só as grandes indústrias ou os grandes investimentos podem bancar.
No Brasil, temos falta dessa expertise e a oferta de cursos para a formação de profissionais competentes na área é uma urgência tão grande quanto à dos investimentos de risco ou a dos riscos da inovação.
O Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) (http://www.inpi.gov.br) tem competência e conhecimento consolidado para contribuir no enfrentamento desse desafio.
Desde Maio deste ano, o governo brasileiro vem anunciando a formação de centros de desenvolvimento de patentes para proteção de marcas, tecnologias e inovação da concorrência estrangeira e para estimular as exportações de produtos com maior valor agregado.
O diretor geral da Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI), (http://www.ompi.org), cuja sede é em Genebra, é o brasileiro Roberto Castelo que em maio esteve por aqui para conversar com nossas autoridades sobre o assunto e ouviu do ministro da ciência e tecnologia, embaixador Ronaldo Sardenberg a noticia de que a formação de centros de desenvolvimento de patentes e de gestão da inovação seriam incluídos no orçamento dos Fundos Setoriais.
A Fapesp, (http://www.fapesp.br), além de vários programas voltados para o desenvolvimento tecnológico das empresas com a participação de pesquisadores dos centros de produção acadêmica do Estado, criou, em decorrência do enorme sucesso do Instituto Virtual ONSA (http://watson.fapesp.br/onsa/genoma3.htm) que abriga também virtualmente, os diversos projetos Genoma por ela coordenados e apoiados, o Núcleo de Patenteamento e Licenciamento de Tecnologia (Nuplitec), (http://watson.fapesp.br/nuplitec), com o objetivo de "implementar as ações necessárias, visando à adequada proteção à propriedade intelectual dos eventos gerados em projetos por ela financiados, e o respectivo licenciamento ou venda da patente a empresas".
O Nuplitec gerencia, administra e acompanha hoje cerca de 16 patentes em diversos domínios.
Uma outra iniciativa da Fapesp de fundamental importância para o aprofundamento das relações entre as políticas públicas de fomento, as Universidades e as empresas é o Programa CEPID - Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão -, que mantêm hoje 10 centros, em diferentes áreas científicas e tecnológicas, com financiamento garantido por pelo menos 11 anos e com objetivos claros quanto aos mecanismos de transformação do conhecimento em valor econômico e social.
Entre esses Centros, um deles - o Centro de Toxinologia Aplicada (CAT) - (http://www.butantan.gov.br), situado no Instituto Butantã está voltado para a pesquisa de toxinas animais e microbianas, visando a desenvolver produtos farmacêuticos e difundir esse conhecimento.
Como bem observa o diretor do CAT-CEPID/Fapesp, professor Antônio Carlos Martins de Camargo, o envolvimento da indústria farmacêutica nacional é indispensável para as atividades e para a realização dos objetivos do Centro.
A participação da indústria transnacional, se houver interesse, é bem-vinda.
A existência de lacunas entre as pesquisas desenvolvidas nas Universidades e a indústria farmacêutica é uma constatação imperiosa.
De forma resumida, como afirma o professor Camargo, "os elementos que faltam para complementar o ciclo que vai da inovação ao produto são:
1) o gerenciamento da inovação assegurando a propriedade intelectual; 2) o desenvolvimento do produto farmacêutico com as melhores características fármaco-dinâmicas (química farmacêutica);
3) os ensaios pré-clínicos 4) os ensaios clínicos.
Nesse sentido, o CAT, juntamente com o Instituto Uniemp - Fórum Permanente das Relações Iniversidade-Empresa (http://www.uniemp.br), estão propondo a criação de um organismo cuja natureza é a de uma Agência de Gestão e Inovação Farmacêutica (AGIF), e cujo funcionamento poderá contribuir para preencher a primeira das lacunas acima apontadas ocupando-se da gestão da inovação em todos os seus aspectos: desde a coleta da informação de interesse farmacêutico até o deposito de patentes no país e no exterior, sempre em parceria com o setor empresarial e com as agências de fomento, no caso dos projetos e produtos por elas financiados.
A Agência de Gestão da Inovação Farmacêutica, incubada no Instituto Uniemp poderá, assim, constituir-se também como uma referencia a um piloto para experiências de gestão do mesmo tipo em outras áreas científicas e tecnológicas.
Os desafios para o setor não são poucos e a necessidade de congregar esforços, agregando valor, é das mais prementes, se quisermos, de fato, usufruir, para a sociedade, da enorme riqueza que a natureza plantou em nosso território, preservando-a na sua diversidade de vida, transformando-a em bens de consumo inteligentes e respeitando-a nas grandes e pequenas diferenças culturais, que fazem o contraponto social de sua multiplicidade de formas e de conteúdos.
As iniciativas que vem sendo tomadas nas varias instâncias do poder publico, os programas de incentivo ao desenvolvimento tecnológico e à inovação, no setor de fármacos, a experiência com as empresas estatais de medicamentos populares, como a Fundação do Remédio Popular (FURP) (http://www.furp.com.br), em SP, o incentivo à produção dos genéricos, no Brasil, as políticas de tratamento de grandes males, como o Câncer, como a AIDS e a Hepatite C, entre outros, o esforço público e privado para a criação de um setor industrial farmacêutico competitivo no país, com investimento em todo o ciclo, que vai do conhecimento ao produto comercializável, tudo isso mostra uma enorme vontade de orquestração de atores e agentes políticos, sociais, econômicos e culturais dedicados à questão da saúde da população.
Há muito o que fazer e muito a alcançar. Não dá para interromper o que começou, nem tampouco adiar o que está para iniciar.
Aqui, como em outras áreas do conhecimento, da tecnologia e da inovação, a agilidade, o planejamento, a coerência e a objetividade das ações são requisitos fundamentais ao grande desafio da mudança definitiva da cultura empresarial, universitária e governamental do país.
JC E-Mail - 1894
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