Hoje, nos Estados Unidos, cerca de 80% dos cientistas trabalham na iniciativa privada. São mais de 700 000 mestres e doutores que conduzem suas pesquisas em empresas, em vez de universidades. Com pequenas variações, essa é também a realidade em outros países ricos, como Japão, Alemanha, França, Canadá, Itália e Inglaterra, e também em emergentes, como a Coréia do Sul. No Brasil, sabe-se que a história é outra. A maioria dos pesquisadores está na academia e não mais de 10% se aventuram fora de seus muros. A principal razão é que não faz parte da tradição das companhias brasileiras contratar cientistas para investir em inovação. O time de profissionais de jaleco na foto ao lado é um exemplo raríssimo -- virtual exceção -- no cenário empresarial do país. São 13 dos 16 pesquisadores que fazem parte do quadro de funcionários da Genoa, uma das mais recentes e promissoras empresas de biotecnologia do país, com sede em São Paulo.
Com passagens pelas melhores universidades do Brasil e do exterior, esses cientistas escolheram trabalhar na Genoa por uma razão: eles acreditam que, na empresa, é possível transformar ciência em negócios. Lá, podem fazer o que mais gostam -- pesquisas -- e ver suas descobertas transformadas em inovações que chegarão ao mercado. Além de tudo, são bem pagos para fazer isso. Um exemplo é o mineiro Emmanuel Dias Neto, de 38 anos, que já foi pesquisador do Instituto Ludwig, um dos maiores centros internacionais de estudo do câncer, e participou de projetos de pesquisa importantes, como o do seqüenciamento do genoma da bactéria Xyllela fastidiosa, uma das maiores conquistas da ciência nacional nas últimas décadas. "Queria muito que a transformação da ciência em produto não fosse tão lenta no Brasil", diz ele. "É angustiante ver a pesquisa se resumir à publicação de trabalhos em revistas importantes."
Até agora, a Genoa promete ser um terreno fértil para que a aspiração de Emmannuel se concretize. A empresa foi constituída em setembro de 2003, mas as pesquisas já vinham sendo desenvolvidas desde 1999, dentro do laboratório de patologia cirúrgica e molecular que seu fundador, o médico patologista paulista Camara Lopes, mantém no hospital Sírio-Libanês, em São Paulo. A notoriedade da Genoa começou a ser conquistada em junho de 2004. Naquele mês, os resultados positivos da Hybricell, vacina para tratamento dos cânceres de rim e de pele, mereceram o aval da publicação Cancer Imunnology, uma das revistas científicas mais respeitadas sobre o tema. No ano passado, a Genoa foi alvo de um artigo no jornal britânico Financial Times e recebeu um convite do governo da Coréia do Sul para se instalar no país. A proposta, feita a apenas oito empresas de biotecnologia no mundo, incluía a isenção total de impostos por 50 anos, o pagamento de salários dos pesquisadores e investimentos em instalações e equipamentos. A contrapartida seria repassar o conhecimento da empresa para as universidades coreanas. A Genoa está estudando o convite. "Não dá para dizer sim ou não a uma proposta como essa do dia para a noite", afirma Camara.
Nem todas as decisões podem esperar. A política de remuneração dos pesquisadores, por exemplo, considerada estratégica para o sucesso da Genoa, foi definida no ano passado. Além de ganhar um salário de 20% a 30% superior ao que receberiam se estivessem na academia, os funcionários da Genoa -- assim como profissionais de muitas empresas privadas -- também são premiados com bônus quando têm seus projetos de pesquisa aprovados na companhia ou em órgãos de fomento do governo. O biólogo carioca Flávio Canavez será um dos primeiros pesquisadores da Genoa a beneficiar-se dessa política. Aos 34 anos, com dois pós-doutorados -- um pela Universidade de Stanford, na Califórnia, e outro pelo Instituto de Química da Universidade de São Paulo --, Canavez dirige o laboratório de biologia molecular da Genoa. Recentemente, conseguiu a aprovação da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) para desenvolver, dentro da empresa, kits para exames de identificação de paternidade por DNA para animais. Hoje, a maioria dos laboratórios que realizam exames de paternidade para pecuaristas monta seus próprios kits sem nenhum controle de qualidade, ou faz o teste com kits importados, que podem demorar até 45 dias para chegar ao país. Valor do projeto aprovado na Fapesp: 375 000 reais. "Já está mais do que na hora de termos um bom produto feito aqui mesmo", afirma Canavez. Pelo feito, o pesquisador receberá 26 000 reais do caixa da Genoa.
Os pesquisadores da empresa também serão remunerados por publicações em revistas científicas e apresentação de trabalhos em eventos importantes. "Queremos estimular a produtividade e mostrar que, assim como é feito lá fora, as melhores descobertas podem surgir numa companhia", afirma Camara. A tarefa é desafiadora. Afinal, mesmo na Genoa, nem todos os pesquisadores falam com naturalidade sobre o fato de trabalhar na iniciativa privada. Outros fazem questão de ressaltar que continuam ligados à academia e que só dedicam parte do tempo ao trabalho na empresa. Essas atitudes, entretanto, não são vistas com estranheza por Camara ou outros executivos mais experientes. Nos Estados Unidos, transitar pela iniciativa privada não desabona o pesquisador -- ao contrário, o qualifica. Um dos inúmeros exemplos é o do americano David Botstein, que depois de comandar durante anos a área de pesquisa da Genentech, a maior empresa de biotecnologia do país, foi recebido como professor de genômica da Universidade de Princeton, em Nova Jersey. "No Brasil, se você vai para a iniciativa privada, muitos dos seus colegas passam a te olhar enviesado, como se você tivesse abdicado dos seus sonhos e se vendido ao sistema", afirma Canavez, que estudou em Stanford por quatro anos. "Mas isso está mudando."
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